Na relação entre Portugal e Guiné-Bissau, Marcelo e Costa parecem andar ao ritmo de Embaló

Analista diz que “possivelmente” Presidente e primeiro-ministro estão a ser instrumentalizados. Marcelo e Costa vão à cerimónia dos 50 anos da independência, cuja data Embaló alterou unilateralmente.

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Umaro Sissoco Embaló e Marcelo Rebelo de Sousa, na terça-feira, em Lisboa ANTONIO PEDRO SANTOS/EPA
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Umaro Sissoco Embaló termina esta quarta-feira a primeira visita de Estado de um Presidente da Guiné-Bissau a Portugal com uma agenda menos política que no primeiro dia (ainda que Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa lhe tenha atribuído a chave da cidade), em que foi recebido pelo seu homólogo, pelo primeiro-ministro e pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva. O chefe de Estado guineense despede-se com um forte e político 'até já, em Bissau' para Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.

Tanto Marcelo como Costa responderam afirmativamente ao convite de Embaló para estarem presentes a 16 de Novembro, para as comemorações dos 50 anos de independência da Guiné-Bissau, disseram ao PÚBLICO os gabinetes do Presidente e do primeiro-ministro portugueses. No entanto, quando falou aos jornalistas em Bissau, na partida para Lisboa, o chefe de Estado guineense disse que os dois tinham aceitado o convite para as comemorações do Dia das Forças Armadas.

Não se trata de semântica. Foi o Presidente guineense que decidiu em 2021, de forma inédita na história do país, deixar de comemorar oficialmente a independência na data certa, no aniversário da proclamação que se assinala a 24 de Setembro, passando as cerimónias para 16 de Novembro, data de criação das Forças Armadas. Nessa altura, justificou a decisão com a pandemia de covid-19, mas finda esta, manteve a sua decisão unilateral.

Lembrar a independência da Guiné-Bissau não é o mesmo que consagrar os seus militares, que por várias vezes ao longo dos 50 anos se ergueram em armas contra o poder civil. Além disso, como lembra Sumaila Djaló, do movimento político Firkidja di Pubis (Forquilha do Povo), estudante guineense de doutoramento na Universidade de Coimbra, “Embaló tem usado as forças armadas e as forças de segurança para perpetrar actos de violência e de perseguição política contra pessoas que não se alinham com a sua ditadura”. E que comemorar os 50 anos da independência no Dia das Forças Armadas é uma forma do Presidente guineense “se aproximar” dos militares para a sua “instrumentalização populista”.

Carlos Sangreman, investigador do CESA - Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento do ISEG, diz que “possivelmente” Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa estão a ser instrumentalizados politicamente por Umaro Sissoco Embaló, embora minimize a situação: “Não me parece nada de especial”.

O que a Sagreman parece mais duvidoso é a expressão “coabitação estabilizada”, usada por Marcelo Rebelo de Sousa para elogiar o seu homólogo. “O mandato de Embaló foi fértil em perseguições ao seu principal opositor, Domingos Simões Pereira. Chegando a não autorizar a sua vinda a Lisboa para o seu doutoramento. Foi a embaixada portuguesa que assegurou as condições com a Universidade Católica para ser feito a distância.”

A haver uma “coabitação pacífica” só aconteceu “depois das eleições”, mas poderá ser sol de pouca dura. O Madem-G15 (Movimento para a Alternativa Democrática), o partido que o Presidente Embaló diz que criou e lidera a oposição, já pediu a dissolução da Assembleia Nacional do Povo, cuja legislatura só começou a 27 de Julho deste ano. “Vamos assumir a crise, porque a crise está instalada”, garantiu, no final de Setembro, o vice-presidente da bancada parlamentar do Madem, José Carlos Macedo Monteiro, citado pela VOA.

O resultado das eleições, que deram a maioria absoluta à coligação liderada pelo PAIGC, acabou por impor ao Presidente guineense a coabitação com a qual o seu “estilo de soft autoritarismo”, como lhe chama Sangreman, não lida muito bem.

Depois da derrota eleitoral, Embaló passou a dizer que “a democracia devia ser respeitada” porque “é a escolha do povo”, como referiu em Julho numa entrevista à Jeune Afrique. No entanto, pouco antes das eleições, tinha afirmado taxativamente que não aceitaria um governo liderado por Domingos Simões Pereira, líder da coligação que acabou por ganhar as eleições.

“Democracia não é pancada, não é meter medo, não é comprar consciência. Democracia são valores”, disse na altura, citado pela Lusa, Alípio Silva, representante de um grupo de 18 partidos políticos que deram o apoio à coligação liderada pelo PAIGC nestas eleições e que tinham apoiado Embaló contra Simões Pereira nas presidenciais.

O PÚBLICO enviou perguntas ao gabinete de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa, mas até à escrita do texto as respostas não tinham ainda chegado.

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