O discurso de Guterres sobre a guerra entre Israel e o Hamas
Leia aqui, na íntegra, o discurso de António Guterres no Conselho de Segurança da ONU, a 24 de Outubro, que motivou Israel a exigir a sua demissão do cargo de secretário-geral das Nações Unidas.
“A situação no Médio Oriente está a tornar-se cada vez mais terrível. A guerra em Gaza está a intensificar-se, sob risco de alastrar na região. As divisões estão a fragmentar sociedades. As tensões ameaçam explodir.
Num momento crucial como este, é fundamental ter princípios claros, começando pelo princípio fundamental da protecção e respeito pelos civis.
Condenei inequivocamente os horríveis e sem precedentes actos de terror perpetrados pelo Hamas em Israel, ocorridos a 7 de Outubro. Nada pode justificar o assassinato, a violência e o sequestro de pessoas ou os ataques com rockets contra alvos civis.
Todos os reféns devem ser tratados com humanidade e libertados imediatamente e sem exigências. E, com respeito, reconheço entre nós a presença de membros das suas famílias.
É importante reconhecer também que os ataques do Hamas não surgiram do nada.
O povo palestiniano foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante. Viram as suas terras continuamente devoradas e assoladas pela violência, a sua economia asfixiar, as suas casas demolidas e as populações deslocadas. As esperanças que tinham de uma solução política para a sua situação têm vindo a desaparecer.
Mas o sofrimento do povo palestiniano não pode justificar os terríveis ataques do Hamas. E esses terríveis ataques não podem justificar a punição colectiva do povo palestiniano.
Até a guerra tem regras. Devemos exigir que todas as partes cumpram e respeitem as suas obrigações ao abrigo dos Direitos Humanos Internacionais. Assim como a preocupação constante na condução de operações militares para poupar civis e o respeito e protecção por hospitais e pela inviolabilidade das instalações das Nações Unidas, que hoje abrigam mais de 600 mil palestinianos.
O bombardeamento implacável de Gaza pelas forças israelitas, o número de vítimas civis e a destruição em larga escala de habitações continuam a aumentar e são profundamente alarmantes.
Manifesto o meu pesar e honro os colegas das Nações Unidas que trabalham para a UNWRA [agência da ONU para os refugiados palestinianos]. Infelizmente, pelo menos 35 morreram durante ataques a Gaza nas últimas duas semanas. Devo às suas famílias a minha condenação destes e de muitos outros assassinatos semelhantes.
A protecção dos civis é fundamental em qualquer conflito armado. Proteger os civis nunca pode significar usá-los como escudos humanos. Proteger civis não significa pedir que mais de um milhão de pessoas fuja para sul, onde não há abrigo, nem comida, nem água, nem medicamentos, nem combustível, e depois continuar a bombardear mesmo o Sul.
Estou profundamente preocupado com as claras violações dos Direitos Humanos Internacionais que estamos a testemunhar em Gaza. Deixem-me ser claro: nenhuma das partes num conflito armado está acima dos Direitos Humanos.
Felizmente, alguma ajuda humanitária está finalmente a chegar a Gaza, mas é uma gota de ajuda num oceano de necessidades.
Além disso, os depósitos de combustível da ONU em Gaza chegam ao fim dentro de dias, o que significaria outro desastre. Sem combustível, a ajuda não pode ser prestada, os hospitais não terão energia e a água potável não pode ser tratada nem bombeada.
O povo de Gaza precisa de ajuda contínua que corresponda às enormes necessidades e esta deve ser entregue sem limitações.
Saúdo os nossos colegas da ONU e parceiros humanitários em Gaza, que trabalham em condições perigosas e arriscam as suas vidas para prestar ajuda aos mais necessitados. São uma inspiração.
Para aliviar o enorme sofrimento, tornar mais fácil e segura a entrega de ajuda e agilizar a libertação de reféns, reitero o meu apelo a um cessar-fogo humanitário imediato.
Mesmo neste momento de ameaça grave e imediata, não podemos perder de vista o único alicerce realista para uma verdadeira paz e estabilidade: uma solução de dois Estados.
Os israelitas devem ver materializadas as suas legítimas necessidades de segurança e os palestinianos devem ver concretizadas as suas legítimas aspirações a um Estado independente, concretizadas em conformidade com a resolução das Nações Unidas, Direito Internacional e anteriores acordos.
E, finalmente, temos de ser claros quanto ao princípio de defesa da dignidade humana.
Um tsunami de desinformação está a alimentar a polarização e a desumanização. Devemos enfrentar as forças do anti-semitismo, da fanatismo muçulmano e de todas as formas de ódio.
Hoje é o Dia das Nações Unidas, em que se assinalam 78 anos desde que a Carta das Nações Unidas entrou em vigor. Essa carta reflecte o nosso compromisso comum de promover a paz, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos.
Neste dia da ONU, neste momento crítico, porém, apelo a todos para se afastarem do abismo, antes que a violência ceife ainda mais vidas e se alastre ainda mais.”