Protestos dos médicos: “Não podemos assinar um acordo que nos exige ainda mais trabalho”, diz Fnam
Joana Bordalo e Sá diz que médicos “estão a trabalhar no seu limite”. “Qualquer fatalidade que venha a acontecer no serviço de urgência vai ser da exclusiva responsabilidade de Manuel Pizarro.”
A presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá, defende que é “insustentável” pedir aos médicos que trabalhem mais horas suplementares, além das 150 anuais, e que “a política de saúde de Manuel Pizarro será a única responsável por qualquer fatalidade que possa vir a acontecer nas urgências”. Em declarações ao PÚBLICO na manhã desta terça-feira, a líder sindical reagia à entrevista de Fernando Araújo, também ao PÚBLICO, em que o director executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) admite que Novembro poderá ser “dramático” nos hospitais, caso não se chegue a um acordo entre o Governo e os sindicatos do sector.
“Não se pode pedir mais trabalho a quem ainda resta no SNS. Precisamos é de ter mais médicos. O que o ministro Manuel Pizarro nos está a propor é manter as 40 horas de trabalho e ainda aumentar o trabalho suplementar para além das 150 horas anuais, além de acabar com direitos fundamentais que põem o doente em risco, como o fim do descanso compensatório depois de o médico fazer [trabalhar durante a] noite”, frisou Joana Bordalo e Sá, para criticar ainda “o aumento da jornada diária dos médicos para nove horas e o trabalho ao sábado com actividade programada para os médicos que não fazem [serviço na] urgência”.
Em suma, na óptica da presidente da Fnam, “do lado do Governo só admitem haver mais pagamento mas é à custa de suplementos e de subsídios, e se houver mais trabalho”. “Isto é insustentável”, insistiu.
A poucos dias de uma nova reunião entre o Ministério da Saúde (MS) e os sindicatos do sector, que está marcada para sexta-feira, a líder da Fnam não recusa assinar um acordo. “É evidente que estamos prontíssimos para assinar um acordo. Não podemos é assinar um acordo que nos exige ainda mais trabalho com um salário que não é equitativo para todos. Isso não é possível”, reitera.
Também o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, assegura a disponibilidade do organismo que dirige para chegar a um acordo com o Governo. "Temos no nosso currículo, e com orgulho, 36 acordos, assinados com as mais diversas entidades. O SIM é um sindicato de acordos, naturalmente que sempre que não temos outro caminho temos de recorrer à greve, que é algo que não gostamos. Não gostamos de agitação, isso é o pior que pode acontecer para os médicos e para os nossos doentes. É o Governo que, em relação aos médicos do SNS, que tem de criar as condições para que eles continuem no SNS", desenvolve em declarações ao PÚBLICO.
Fernando Araújo avisou que “Novembro vai ser extremamente complexo, vai ser o pior mês, possivelmente, nestes 44 anos do SNS, na resposta de urgência, se nada se alterar”. Mas o presidente da Direcção Executiva do SNS disse também ter esperança de que “ambas as partes [Governo e sindicatos médicos] cheguem a acordo, ou pelo menos a um pré-acordo, na próxima reunião”.
Para Jorge Roque da Cunha, as declarações de Fernando Araújo são "o reconhecimento da gravidade da situação", para a qual, diz, o sindicato que lidera já tem vindo a "alertar há mais de dois anos". "Quando se apela à ética e deontologia dos médicos, nós estamos perfeitamente à vontade", sublinha ainda.
Já a Fnam só vislumbra esse acordo caso o ministério da tutela ceda e atenda às soluções propostas pelas estruturas sindicais. “Os médicos estão a viver além do seu limite. Nós queremos estar aqui, mas para isso têm de nos ouvir. Incorporem as nossas soluções.”
Entre as reivindicações daquela federação estão, por exemplo, a reposição das 35 horas de trabalho semanal para todos, do internato médico na carreira, do horário em serviço de urgência de 12 horas em vez das actuais 18 horas, além de dias de férias. “E até agora só tenho falado de reposições, são coisas que já existiram”, destaca ainda Joana Bordalo e Sá.
“Entendemos que, se há falta de ética, é de Manuel Pizarro, tendo em conta as propostas que nos pôs em cima da mesa, e o facto de ainda não ter percebido que os médicos já estão a trabalhar no seu limite desde há muito tempo e que qualquer fatalidade que venha a acontecer no serviço de urgência vai ser da sua exclusiva responsabilidade e não dos médicos”, contrapõe Joana Bordalo e Sá, para concluir: “Não somos responsáveis pela escassez de nós próprios. Os médicos saem do SNS porque emigram, vão para o sector privado ou abandonam mesmo a profissão, e fazem-no cada vez mais cedo porque entendem que [com as condições actuais] têm de viver no limite, e isso não faz sentido.”