Defesas querem apurar imparcialidade da juíza que está a julgar Pinho e Salgado

A juíza Margarida Ramos Natário foi casada com Miguel Natário Rio-Tinto, alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES) do qual tem três filhos e não comunicou esta situação.

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O caso EDP, onde são arguidos Manuel Pinho, a mulher Alexandra Pinho e o ex-banqueiro Ricardo Salgado, está a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa. LUSA/FILIPE AMORIM
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“A imparcialidade é a honra de um juiz e por isso vale a pena que, nos casos concretos, o juiz apareça como imagem viva dos símbolos da Justiça: de olhos vendados e segurando a balança”, afirmou esta sexta-feira, à chegada ao tribunal, o advogado Magalhães e Silva, que defende Alexandra Pinho, mulher do ex-ministro da economia, Manuel Pinho.

O advogado respondeu assim aos jornalistas que pediram que comentasse a notícia que revelou que Margarida Ramos Natário, uma das juízas que integram o colectivo que está a julgar Manuel Pinho, Alexandra Pinho e o ex-banqueiro Ricardo Salgado, já foi casada com um alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES) do qual tem três filhos e não comunicou esta situação. Para Magalhães e Silva “não se pode pôr em crise a imparcialidade de um juiz” e por isso “vai ser necessário, face à informação difundida, recolher toda a informação disponível e concluir se está em causa ou não a sua imparcialidade”.

Francisco Proença de Carvalho, por sua vez, disse que quando soube que a juíza tinha sido casada com um alto quadro do GES pelas notícias difundidas quinta-feira à noite tal facto constituiu uma “surpresa”. “Estamos a digeri-las. Vamos analisá-las e logo se vê o que vamos fazer. O que posso dizer é que a nossa preocupação, especialmente em processos que já tem uma pressão mediática tão associada, é que qualquer pessoa que intervenha no processo, nomeadamente a julgá-lo, deve estar obviamente livre de qualquer espécie de preconceito ou relação com o tema", afirmou, sublinhando que a "lei prevê uma série de mecanismos para garantir que os processos são preservados" destas situações.

Em resposta ao PÚBLICO, na quinta-feira, através do Conselho Superior da Magistratura (CSM), a magistrada Margarida Ramos Natário disse que não comunicou a situação porque entendeu que não havia necessidade de o fazer e que tencionava “cumprir as suas funções de juíza adjunta neste julgamento até ao fim”. Também através do CSM, Artur Cordeiro, o juiz presidente da comarca de Lisboa, disse que apoiava a decisão da magistrada.

A magistrada foi casada durante vários anos com Miguel Natário Rio-Tinto, que actualmente trabalha para o Banco do Governo do Dubai, mas que trabalhou durante vários anos para empresas do GES.

O percurso deste gestor começou muito cedo, pelo menos em 2002, tendo progredido dentro do grupo e integrado várias empresas e cargos de gestão. Por exemplo, foi vogal na administração da ES TECH Ventures SGPS, no período que vai de 2004 a 2007, quando o presidente era Ricardo Salgado.

E, em 2012, Miguel Rio-Tinto estava como vogal na Espírito Santo Informática –ACE quando esta era presidida por Joaquim Aníbal Brito Freixial de Goes, que é a sexta testemunha da acusação no processo que a magistrada Margarida Ramos Natário está a julgar.

Em Agosto de 2014, altura que marca o fim do BES com a saída de cena de Ricardo Salgado, Miguel Natário Rio-Tinto foi nomeado pelo Banco de Portugal como administrador do Novo Banco, ficando como gestor responsável pela área das tecnologias de informação. Nessa altura, deixou o cargo de presidente da comissão executiva da Espírito Santo Informática (ESI).

A relação entre a magistrada e o gestor começou quando ambos eram muito novos, ela tinha 19 e ele 24. Ao que o PÚBLICO apurou, os dois divorciaram-se em Agosto de 2014, mas apenas no papel e por mera questão de conveniência. O gestor tinha acabado de assumir o cargo de administrador do Novo Banco e a decisão de se divorciarem terá visado assegurar o património dos filhos, uma vez que havia receio em relação a eventuais acções que estavam a ser colocadas no estrangeiro contra o BES. Continuaram a viver juntos, tendo a relação terminado de facto apenas em Julho de 2015.

Neste processo, Manuel Pinho responde por dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento e um de fraude fiscal, enquanto a Ricardo Salgado o Ministério Público imputa dois crimes de corrupção activa e um de branqueamento. Já Alexandra Pinho responde por um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal, ambos em co-autoria com o marido.

De acordo com a acusação, Manuel Pinho, enquanto ministro da Economia (cargo que ocupou de 2005 a 2009) e, depois, como responsável pela candidatura de Portugal à organização da competição de golfe "Ryder Cup", actuou em detrimento do interesse público, na prossecução de interesses particulares do Grupo Espírito Santo (GES)/Banco Espírito Santo (BES) e de Ricardo Salgado. Segundo o Ministério Público, Manuel Pinho beneficiou projectos do GES/BES ou por estes financiados, nomeadamente projectos PIN (Potencial Interesse Nacional), como os das herdades da Comporta e do Pinheirinho.

Já Alexandra Pinho senta-se no banco dos arguidos porque constituiu com o marido a "Tartaruga Foundation" e outras sociedades para alegadamente ocultarem os pagamentos feitos por Ricardo Salgado a Manuel Pinho no âmbito do referido acordo. Segundo a acusação, a arguida tinha conhecimento desse acordo e foi dele beneficiária, recebendo nas suas contas bancárias elevadas quantias que teriam como destinatário final o marido.

Já o ex-líder do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, está acusado de ter subornado o então ministro da Economia, Manuel Pinho, com valores superiores a cinco milhões de euros.

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