Pais pobres aumentam a transmissão de pobreza para os filhos
As conclusões são do relatório “Portugal e o Elevador Social: Nascer pobre é uma fatalidade?”. Famílias monoparentais e numerosas também têm maior taxa de transmissão de pobreza de pais para filhos.
Um em quatro adultos que tinham o pai desempregado aos 14 anos são, hoje, pobres. Esta é uma das conclusões do relatório “Portugal e o Elevador Social: Nascer pobre é uma fatalidade?”, uma nota intercalar ao relatório anual “Portugal, Balanço Social”, promovido pela Iniciativa para a Equidade Social, numa parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE.
O relatório agora divulgado faz uma análise à transmissão de pobreza entre gerações e tem como base o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) realizado em 2019, contando com respostas de indivíduos entre os 25 e os 59 anos. As respostas tinham por base a situação familiar dos inquiridos quando tinham 14 anos.
Os dados analisados pelos investigadores Bruno P. Carvalho, Miguel Fonseca e Susana Peralta mostram que não só o desemprego determina uma maior transmissão da taxa de pobreza entre pais e filhos, mas também a escolaridade.
A taxa de pobreza dos filhos cujos pais apenas completaram o ensino básico é de 16%, duas vezes superior àqueles cujos pais terminaram o ensino secundário (8,2%), sendo que, acrescenta o estudo, “apenas uma em cada cinco pessoas cujo pai completou o ensino básico são diplomados do ensino superior”.
“A proporção de adultos que completam o ensino superior cujos pais têm o ensino básico é muito inferior (20,6%) à daqueles cujos pais têm o ensino secundário (58,5%) ou superior (75,6%). Isto significa que ter um pai com ensino superior quase quadruplica a probabilidade de um adulto ter ensino superior”, pode ler-se.
A profissão do pai também se revelou determinante, com uma taxa de pobreza de 22% entre os inquiridos cujo pai era agricultor ou trabalhador não qualificado quando tinham 14 anos.
Em sentido contrário, a taxa cai para 7% quando o pai trabalhava como especialista de uma actividade intelectual, ou numa profissão intermédia.
Monoparentalidade e famílias numerosas também condicionam
Também a composição das famílias mostrou ter influência na taxa de transmissão de pobreza entre pais e filhos.
Segundo o relatório, dos inquiridos que cresceram em famílias numerosas – com duas ou mais crianças no agregado familiar – 22,6% estão em situação de pobreza. Os dados também mostram que nas famílias monoparentais a taxa de pobreza dos filhos agora adultos é de 19,9%, mais 5,7% do que nas famílias com dois adultos.
De destacar que os inquiridos que aos 14 anos não mantinham contacto com o pai registam uma taxa de pobreza de 23,1%, que desce para 17,1% quando mantinham contacto com o progenitor.
A má situação financeira da família aos 14 anos também resultou numa maior a taxa de transmissão de pobreza: quem tinha uma má situação financeira aos 14 anos tem agora uma taxa de pobreza de 25,2%, mas se a situação era boa a percentagem baixa para 11,4%.
“Para os agregados com uma situação muito má, esta taxa sobe para os 31%, o que mais uma vez contrasta com uma taxa substancialmente inferior nos agregados com uma situação muito boa (8%)”, acrescenta o estudo. Já quando se fala de habitação, a taxa de pobreza aumenta nas famílias com casa arrendada (18,5%) e cuja casa tivesse sido cedida gratuitamente (23,1%). Em sentido contrário, esta taxa baixa quando as famílias viviam em casa própria (13,8%).
Alimentação e nacionalidade determinantes num futuro com futuro
A alimentação foi outra das condicionantes analisadas e que revelou ter influência na transmissão de pobreza entre pais e filhos. Os dados mostram que as crianças que aos 14 anos não tinham pelo menos uma refeição diária de proteína têm uma taxa de pobreza de 22,2%.
O mesmo acontece na insegurança alimentar: “Um em cada 10 adultos que, aos 14 anos, não ingeriam proteínas diariamente não tem acesso diário a uma refeição proteica na idade adulta”.
Por outro lado, os investigadores concluem que a nacionalidade também condiciona as situações de pobreza na idade adulta, com uma taxa de 25% quando a nacionalidade do pai é estrangeira. Neste estudo, 4% dos inquiridos tinha pai estrangeiro.
Foi, ainda, feita uma comparação entre as gerações nascidas nas décadas de 1960, 1970 e 1980, mostrando que “os adultos que viviam, aos 14 anos, em agregados com boa situação financeira têm taxas de pobreza entre 11% e 13%, independentemente da década em que nasceram”. Já quando falamos em adultos que viviam em agregados com má situação financeira “as taxas de pobreza variam entre 22% e 24%, independentemente da década em que nasceram”.
Os investigadores referem que, em qualquer uma destas gerações analisadas, “a diferença na taxa de pobreza dos adultos que viviam, aos 14 anos, em agregados com boa ou má situação financeira é sistematicamente de entre 11 e 12 pontos percentuais”.
Desta forma, o estudo “não sugere que a transmissão intergeracional de pobreza esteja a diminuir”.