A amnistia e as infracções disciplinares desportivas

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É tempo de dizer algo sobre a aplicação da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, Perdão de penas e amnistia de infracções, que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2023, ao desporto. Muitas têm sido as decisões de aplicação de amnistia a ilícitos disciplinares, por diversas instâncias e as posições nem sempre são coincidentes, resultado, aliás, que passa por ser uma característica muito própria das leis de amnistia. Foquemo-nos numa recente decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, tomada no Processo n.º 28/2023, de 20 de Setembro.

Em causa estava o sancionamento de um agente desportivo com idade bem superior a 30 anos, consideração que nos alerta para um dos critérios – ou não – da aplicação da amnistia, os limites de idade.

Primeira questão: a lei da amnistia aplica-se a todos os agentes desportivos independentemente da idade dos mesmos? Temos, pois, em suma, uma questão de interpretação de normas legais, nada mais do que isso, e nunca uma aplicação ditada para encerrar processos. O que dispõe a lei? Ela tem por objecto, segundo o seu artigo 1.º, estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. Existe, pois, já aqui, uma predisposição filosófica, independentemente de outras questões, que motiva a amnistia: a Jornada Mundial da Juventude. Deveríamos começar por sublinhar juventude. Naturalmente que, por si só, esta menção não é definitiva na posição a tomar.

Segue-se o artigo 2.º, n.º 1, quanto ao âmbito da lei: estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º. Agora, sim, aquela predisposição inicial do objecto efectiva-se com clareza. Há um especial âmbito subjectivo determinado pela idade: dos 16 aos 30 anos. Eis o que nos esclarece a exposição de motivos da proposta de lei do Governo (quem a leu?) subjacente à lei da amnistia: “Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adoptar à realidade humana a que a mesma se destina”.

Contudo, o n.º 1 abrange as sanções penais. Há que mirar agora o n.º 2: “Estão igualmente abrangidas pela presente lei as: a) Sanções acessórias relativas a contra-ordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º.”

Chegados aqui, das duas uma: ou se entende que não há limites de idade aquando dos ilícitos contra-ordenacionais e disciplinares, face à não-repetição dos limites de idade no n.º 2, ou, pelo contrário, se olha para o n.º 2 como uma arrumação sistemática dessas infracções, “dentro do chapéu” da limitação de idades do n.º 1 (Estão igualmente abrangidas pela presente lei, em toda a sua extensão, diríamos nós). Se olharmos, de novo, os trabalhos preparatórios da Assembleia da República, propendemos para a segunda posição, sempre encimada com a razão de ser da amnistia, bem patentemente centrada nos jovens de determinada idade.

Uma última palavra ainda para quem possa aplicar a amnistia a pessoas colectivas, clubes desportivos, por exemplo. Valem os mesmos caminhos interpretativos que conduzem a afastar qualquer possibilidade da aplicação da medida de graça.

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