Entre acusações e muitas dúvidas. O que se sabe da explosão no Hospital Al-Ahli
Primeiras análises independentes apontam para explosão provocada por um rocket lançado a partir de Gaza e que terá explodido no ar.
Num conflito em que a desinformação abunda, Israel e os grupos armados palestinianos continuam a trocar acusações sobre a responsabilidade da explosão que atingiu na terça-feira à noite o Hospital Árabe Al-Ahli, e que fez centenas de vítimas – o Hamas e a Autoridade Palestiniana acusam Israel de ter atingido o hospital num ataque aéreo, Israel diz que a explosão foi resultado de um lançamento falhado de um rocket por parte da Jihad Islâmica, acusação que o grupo rejeita.
Há vídeos dos céus de Gaza no momento do impacto – incluindo imagens da transmissão em directo da televisão Al-Jazeera – que mostram vários rockets a serem lançados e um projéctil que explode enquanto sobe. As análises independentes já disponíveis apontam para que um destes rockets tenha atingido o hospital depois de explodir no ar, devido a um problema de funcionamento ou por ter sido interceptado. Seguem-se duas explosões no solo, incluindo uma que provoca de imediato uma bola de fogo e fumo e cuja localização, verificada por grupos especializados em geolocalização e vários media, incluindo o diário The Washington Post, corresponderá ao hospital.
“Um míssil lançado por grupos palestinianos explodiu no ar e um dos seus pedaços caiu no pátio do hospital”, lê-se na rede X (antigo Twitter) na página do site Geoconfirmed.org, uma plataforma de formada por voluntários no início da guerra da Ucrânia. A conclusão parte de análises diferentes, feitas individualmente por dois membros do grupo.
A somar aos vídeos da explosão, há muitas imagens (vídeos e fotografias de várias fontes, para além de imagens de satélite) do local do impacto, feitas já esta quarta-feira, depois de o dia nascer, e que não serão “consistentes com um ataque aéreo”, escreve na mesma rede Nathan Ruser, analista do Australian Strategic Policy Institute.
Para além da ausência de uma cratera, Ruser, especialista em análise de dados de imagens de satélite, faz notar que a “grande maioria dos danos foram provocados pelo fogo”. Em resumo, as imagens “que vemos são consistentes com um impacto pequeno, com muito acelerador de combustível que, provavelmente, causou a maior parte dos danos do incêndio, e com muito poucos danos estruturais (dentro de raio muito estreito)”.
Vários especialistas sublinham que uma análise definitiva implicaria ter acesso aos destroços no terreno e Ruser – que compara as imagens com outros ataques aéreos israelitas e com o impacto de rockets do Hamas em Israel – sublinha que o que fez não é “uma investigação forense ou pericial”. “Estou só a partilhar o que vejo e o que vi anteriormente”, escreve.
Entre as imagens, mapas e gravações (conversas entre membros do Hamas) entretanto divulgadas pelas IDF (Forças de Segurança Israelitas), algumas apontam para danos nos telhados do hospital a uma distância entre 30 e 45 metros do local do impacto, “o que seria consistente com um objecto que se partiu no ar”. Ruser considera que este ponto “não é tão conclusivo como os restantes” e outros, incluindo a Igreja Anglicana de Jerusalém, lembram que o Al-Ahli já tinha sido atingido antes, no domingo, quando um bombardeamento israelita na zona danificou dois andares do edifício. Segundo a OMS, já houve 115 ataques a hospitais e serviços de saúde na Palestina desde o início da guerra, no dia 7 de Outubro.
“Pessoalmente, não acredito em nada que seja divulgado por nenhuma das partes do conflito, a não ser que seja verificada de forma independente. Imagens de drones e vídeos podem ser corroborados, geolocalizados e verificados”, frisa também na rede X Olivier Alexander, analista de informações de fontes abertas (open source intelligence, ou OSINT). As conclusões de Alexander reforçam as da Geoconfirmed.org e de Nathan Ruser.
Fundado pela Igreja Anglicana, o Hospital Árabe Al-Ahli fica no Sul da Cidade de Gaza. Como outros hospitais na cidade, tem servido de abrigo a milhares de famílias em fuga dos bombardeamentos israelitas e sem condições (ou com medo) para abandonar o Norte do enclave – no fim-de-semana, o Exército israelita ordenou a 1,1 milhões de pessoas que o fizessem, deslocando-se para o Sul do território. As vítimas da explosão de terça-feira à noite são pessoas deslocadas que se encontravam no exterior do edifício.
Alguns dos especialistas que têm analisado as imagens consideram que o impacto não poder ter causado um número tão elevado de vítimas. Médicos no local e Richard Sewell, reitor do Colégio S. Jorge, em Jerusalém, ligado à administração do hospital, disseram à BBC ainda na terça-feira que era impossível obter informações confiáveis, mas que a explosão provocou a morte de um “horrível número de pessoas”. O Hamas disse esta quarta-feira que morreram 471 pessoas, um porta-voz da protecção civil de Gaza, citado pela Al-Jazeera, fala em 300 mortos.