Impacto das carências económicas nos resultados dos alunos não aumentou em tempos de covid
Diferença de notas entre alunos com apoios do Estado e os seus colegas de meios desfavorecidos tem vindo a diminuir. O problema para quase todos chama-se Matemática.
Se as notas dadas pelos professores são um retrato fiel das aprendizagens alcançadas pelos alunos poder-se-á dizer que os mais carenciados passaram no teste da covid-19. É, pelo menos, o que mostram os últimos resultados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).
Os Resultados escolares por disciplina do 2.º e 3.º ciclos mostram uma evolução positiva do conjunto dos alunos nos anos da pandemia e pós- covid, que abrange também os estudantes que recebem apoios do Estado através da Acção Social Escolar (ASE) por serem oriundos de meios com poucos recursos.
Nos estudos já realizados sobre o impacto da pandemia, estes estudantes são apontados como estando entre os grupos mais afectados, devido sobretudo à dificuldade de acesso a meios digitais e, por isso, ao ensino à distância desenvolvido a partir do primeiro encerramento das escolas, em Março de 2020.
Os dados agora divulgados pela DGEEC mostram que as suas notas continuaram abaixo das dos colegas de meios mais favorecidos, mas que as diferenças entre os dois grupos se começaram a atenuar mais fortemente a partir de 2019, numa trajectória que se manteve nos anos seguintes. A classificação final média a Matemática dos alunos do 5.º ano beneficiários do escalão A da ASE, o mais carenciado, fez baixar esta diferença de 0,7 décimas em 2011/12 para 0,5 a partir de 2019. No 6.º ano a descida foi de 0,6 para 0,5. No 7.º, 8.º e 9.º anos os valores são iguais ou semelhantes.
Matemática é a disciplina onde os alunos, no seu conjunto, apresentam mais dificuldades. No campo oposto situa-se a disciplina de Educação Física que concentra as classificações mais elevados, tanto entre alunos com ASE, como sem ASE. Neste caso, a única diferença a assinalar é de género: é a única em que as raparigas apresentam classificações mais baixas do que os rapazes.
O problema chamado Matemática
A influência do estatuto socioeconómico e do género nos resultados escolares patentes nos relatórios da DGEEC é sublinhado pelas associações de professores de Matemática e de Português. "A escola não está a cumprir o seu papel de ‘elevador’ social, pois é preciso reduzir as desigualdades económicas das famílias, uma vez que a escola, não sendo um instrumento de mobilidade social, tenderá a perpetuar esta desigual distribuição nas futuras gerações”, alerta o presidente da Associação Portuguesa de Matemática, Joaquim Pinto.
A Associação de Professores de Português (APP) destaca que esta disciplina e Matemática “são as que, no 2.º ciclo, mais reflectem as dificuldades de partida” dos alunos com ASE. A boa notícia, no caso, é que Português “está entre as disciplinas em que se verifica uma mais robusta melhoria dos resultados por intervenção das escolas”.
Tem acontecido o mesmo, refere a APP, com as diferenças de género. As raparigas têm, em geral, “melhores resultados do que os rapazes, mas também aqui se nota um esforço considerável das escolas em responderem às dificuldades particulares dos rapazes”, que se tem traduzido numa subida da classificação média destes. Tanto no 2.º ciclo, como no 3.º ciclo.
O professor da Universidade de Coimbra, Jaime Carvalho e Silva, que liderou a recente revisão curricular a Matemática, centra a sua preocupação nesta disciplina. “O que me parece gritante é que os resultados na disciplina de Matemática no 2.º e 3.º ciclos sejam sistematicamente inferiores por exemplo a Português ou Físico-Química. Parece haver critérios internos às disciplinas que penalizam Matemática”, desabafa.
Carvalho e Silva nota que “o problema está identificado no documento Recomendações para a Melhoria das Aprendizagens dos Alunos em Matemática (2020)”, elaborado por um grupo de trabalho nomeado pelo Ministério da Educação, de que foi o responsável.
“Aí são propostas várias acções como as novas Aprendizagens Essenciais”, mas por outro lado “dá a sensação que não há medidas dirigidas às dificuldades dos alunos”, alerta para frisar que é “preciso fazer algo mais pela disciplina de Matemática”.