Na Polónia, “não estamos preparados para um regime de partido único”
A curadora Anna Galas-Kosil diz que, ao contrário da oposição, o PiS percebe a importância da cultura. Mas depois escolhe ser representado por pintores que pintam “padres e adeptos de futebol”.
Anna Galas-Kosil acha que o quadro da situação política na Polónia é grave, mas também diz logo: “Não estamos preparados para um regime de partido único.” A curadora e gestora cultural fala com o PÚBLICO num café junto da zona do rio, num dia de Outono em que até se consegue estar na esplanada, e parece recusar um pessimismo comum.
É uma de muitas pessoas que critica o Partido Lei e Justiça (PiS), um partido nacionalista, conservador e que está a tentar capturar o Estado e o país, mas não deixa de notar algumas circunstâncias que levaram ao seu sucesso, incluindo alguma incapacidade do principal partido da oposição, a Plataforma Cívica, de não deixar pessoas para trás no seu caminho de crescimento constante. Isto por oposição ao PiS, que tem programas de apoio social, embora aponte que seja sempre sem estratégia, “é baseado na ideia de dar”, comenta. Também houve uma certa ideia de voltar a dar orgulho a pessoas que se sentiram desvalorizadas. Face, também, ao exterior.
Como alguém a trabalhar na área da cultura, Anna Galas-Kosil lamenta que os governos da Plataforma Cívica não tenham percebido a importância da cultura e não tenham investido no sector. “O PiS percebe, aumentou muito o orçamento, há museus novos, instituições novas, mas é tudo feito sob a sua ideologia”, diz. Houve mudanças nas direcções das instituições mais poderosas, que se tornaram lugares totalmente não-progressistas. “As qualificações não interessam, interessa se partilham aquela visão do mundo”, como, lembra, no tempo do comunismo.
Os efeitos incluem “a Polónia ser representada no seu pavilhão na Bienal de Veneza por um pintor que pinta padres e adeptos de futebol”, lamenta.
Para Anna Galas-Kosil, a prioridade é “afastar estas pessoas”, mas contrapõe que não consegue “confiar nos liberais”, se chegarem a formar uma coligação que consiga ter maioria e “não se matarem uns aos outros…”.
O país enfrenta neste momento grandes problemas com o estado dos serviços de saúde ou de educação, aponta, com enormes esperas por consultas de especialidade ou alguns tratamentos – “podemos ter de esperar até três anos”, diz –, e com a escola pública afectada por falta de qualidade e também por ideologia. “A escola privada sempre foi para adolescentes problemáticos ou então um luxo absoluto”, descreve. “Mas começo a considerar pôr a minha filha de quatro anos numa escola privada.”
Ao mesmo tempo, houve pessoas de locais esquecidos – não só o campo, que se diz ser o bastião no PiS no Sudeste do país, mas também as cidades de média dimensão que ficaram esquecidas e de onde saíram muitas pessoas para trabalhar na União Europeia.
Envolvida em projectos de artistas da diáspora, Anna Galas-Kosil tem também uma visão sobre as questões de migrações. O PiS criou toda uma narrativa anti-imigração, mas “até os seus economistas sabem que, para continuar a crescer, o país precisa de imigração”. Ao mesmo tempo, o Governo foi apanhado num escândalo de venda de vistos, incluindo a um grupo de pessoas da Índia, que eram uma falsa equipa de filmagens de Bollywood.
E nos últimos anos a composição nas cidades mudou: com a chegada de pessoas da Ucrânia em 2014 e de novo com a invasão russa, a vinda de pessoas da Bielorrússia, e de muitos outros sítios, há negros, pessoas do Sudeste Asiático, etc.: “Agora há muito mais diversidade.”
O que dá esperança a Anna Galas-Kosil é que o mundo que o PiS defende está a acabar. O partido de Jaroslaw Kaczynski, o homem “sozinho, sem família, com aquela histórica trágica, sem ligação à vida e aos problemas das pessoas”, não é um partido com respostas para o futuro.
“Trabalho com jovens”, diz. “Acho que não vamos voltar atrás.”