“Não há arte num planeta morto.” Activistas cobrem de tinta quadro de Picasso no Museu Berardo

Dois activistas do Climáximo pintaram vidro com tinta vermelha e colaram-se junto ao quadro de Picasso no Museu CCB. “Temos a responsabilidade de resistir”, afirmam.

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Os dois activistas colaram-se ao chão e à parede junto ao quadro de Picasso, mas foram entretanto retirados do local DR Climáximo
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Dois activistas do colectivo Climáximo cobriram esta sexta-feira com tinta vermelha a obra Femme dans un fauteuil (métamorphose), de Pablo Picasso, no Museu Colecção Berardo, em Lisboa​​​​​.

No vídeo enviado pelo Climáximo às redacções, vê-se duas pessoas a espalharem tinta vermelha sobre o acrílico que protege o quadro, um dos mais importantes da colecção do museu. “Não há arte num planeta morto”, afirmou então António, um dos activistas. “Os Governos e as empresas declararam guerra à sociedade. Eles estão-nos a matar”, continuou a outra activista, depois de colar a sua mão, ainda pintada de vermelho, ao painel cinzento onde o quadro estava colocado.

O PÚBLICO tentou entrar em contacto com Sara, uma das activistas que participou na acção, mas foi já um porta-voz do Climáximo que atendeu o telefone, informando que os dois activistas foram retirados do local.

O porta-voz do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, Artur Serafim, tinha confirmado ao PÚBLICO que os dois activistas tinham sido detidos por dano qualificado e que se encontravam na esquadra. Ao final da tarde, por volta das 20h, o porta-voz do Climáximo Hugo Paz disse ao PÚBLICO que os activistas foram libertados da esquadra de Belém e que serão acusados por dano simples (e não qualificado, como estava anteriormente previsto).

“Tentativa de vandalização”

Ao início da tarde, a Fundação Centro Cultural de Belém emitiu um comunicado sobre o incidente. O email, que tinha como título "Esclarecimento sobre tentativa de vandalização de obra de Picasso no Museu CCB", anunciava que a obra de Picasso já foi retirada do espaço expositivo, “encontra-se em segurança nas reservas do museu” e “será em breve recolocada em exposição”.

A entidade descreve que os activistas se aproximaram da obra, em exposição no segundo piso do Museu CCB, “pouco depois das 12h”. “Uma vez que esta tem uma protecção em acrílico, não foi directamente atingida nem danificada”, assegura a fundação.

A segurança do museu foi alertada, cumprindo o protocolo de segurança. Os dois activistas foram detidos pela PSP e levados para interrogatório.

Porquê Picasso?

Citada no comunicado do Climáximo, Sara explica a escolha de um quadro de Picasso: “Quando soldados alemães entraram no estúdio de Picasso em Paris, onde vivia durante a II Guerra Mundial, e viram o Guernica, a famosa obra-prima que retrata os horrores da guerra, perguntaram-lhe ‘fizeste isto?’. Ele respondeu ‘não, tu fizeste isto’.”

Para a activista, “as instituições culpadas pelo colapso climático declararam guerra às pessoas e planeta”. “Temos de parar aceitar esta normalidade”, conclui Sara.

Não é a primeira vez que um quadro de Picasso é visado em acções de protesto pelo clima: em Outubro do ano passado, activistas do movimento Extinction Rebellion invadiram a National Gallery of Victoria, em Melbourne, na Austrália, e colaram as mãos ao Massacre na Coreia de Pablo Picasso.

Também em Outubro de 2022, uma situação semelhante à de hoje chamou a atenção do mundo: duas activistas do movimento Just Stop Oil tiraram sopa de tomate contra o vidro que cobria a famosa pintura Girassóis, de Vincent van Gogh, em exibição na National Gallery, em Londres. Depois, tal como fizeram agora os portugueses, colaram-se à parede onde está exposta a obra.

“O que vale mais, a arte ou a vida? Estão mais preocupados com a protecção de uma obra do que com a do planeta e das pessoas?”, questionaram as activistas. “Milhões de famílias com fome e frio não podem pagar petróleo, não conseguem sequer aquecer uma lata de sopa”, disseram às pessoas que estavam na sala, antes de serem detidas.

Apesar de a pintura de van Gogh ter ficado intacta, o protesto espoletou vários debates sobre o recurso a este tipo de acções disruptivas em contextos como os museus.

“É necessário desarmar o horror de novos projectos assassinos”

Leonor Canadas, outra das porta-vozes do Climáximo para esta acção, recorda que “em Espanha sofrem-se já perdas de colheitas cada vez mais catastróficas para a segurança alimentar das pessoas”. “Estamos a falar de fome patrocinada por empresas petrolíferas, com planos de expandir a sua infra-estrutura de morte”, alerta a activista. “Precisamos de toda a gente, em todo o lado, a toda a hora, a tornar impossível esta falsa sensação de paz”, continua, justificando a acção de disrupção.

“Vivemos uma normalidade em que os governos e empresas emissoras já nos estão a matar às centenas de milhar todos os anos com a crise climática, de acordo com a ONU. Toda a gente tem de parar de consentir”, afirma.

Comparando a continuação da exploração de combustíveis fósseis e a expansão de estruturas de gás natural a uma “guerra” contra as pessoas, Leonor Canadas defende que “é necessário desarmar o horror de novos projectos assassinos, desmantelar as armas ainda em funcionamento e conjuntamente concretizar um plano de paz”.

Em termos práticos, descreve, “há que colocar um fim aos planos de novos aeroportos e expansão do gás em Portugal, parar os projectos da Galp no sul global, e fazer quem criou esta guerra pagar uma transição energética justa. Todos os culpados terão de pagar o plano de paz.”