O que é o percevejo-asiático? Não é perigoso como o percevejo-de-cama?

O percevejo-asiático é um insecto exótico identificado em Portugal. Nas últimas semanas, tem sido muito avistado. Alimenta-se de plantas e, ao contrário do percevejo-de-cama, não ataca humanos.

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O percevejo-asiático, Halyomorpha halys, que se instalou em Portugal EDWIN REMSBERG/GETTYIMAGES
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Nas últimas semanas, o percevejo-asiático (Halyomorpha halys) tem surpreendido muitas pessoas em várias cidades do país, ao entrar nas suas casas. Este insecto exótico é inofensivo e não deve ser confundido com o percevejo-de-cama (Cimex sp.), um parasita que ataca e suga o sangue à noite, quando as pessoas estão a dormir, e está na origem de várias notícias publicadas recentemente.

Em Paris, a frequência com que o percevejo-de-cama tem surgido ultimamente nas casas e nos transportes públicos obrigou as autoridades francesas a tomar medidas contra a praga. Mas o percevejo-de-cama está associado ao homem e distribui-se por todo o mundo, existindo também em Portugal.

Já o percevejo-asiático é uma espécie que se alimenta apenas da seiva das plantas, não ataca nem o homem, nem outros animais. Além disso, este insecto é originário do Sudeste asiático, tendo chegado aos Estados Unidos e, no início deste século, à Europa.

Em Portugal, os primeiros registos do Halyomorpha halys são de 2019 e 2020. Neste momento, já foram identificados percevejos-asiáticos de norte a sul de Portugal continental. Este insecto exótico não tem predadores naturais cá e pode alimentar-se de centenas de espécies vegetais diferentes.

Por isso, apesar de em Portugal ainda não ter havido registos de impacto do percevejo-asiático em culturas agrícolas, de acordo com a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), é possível que, “face a um possível aumento da população destes insectos, possam vir a constituir mais uma preocupação no domínio da protecção fitossanitária das culturas”, refere uma nota que o Ministério da Agricultura e Alimentação enviou ao PÚBLICO.

Neste Perguntas e Respostas vamos esclarecer algumas dúvidas sobre este insecto.

O que são percevejos?

Os percevejos são insectos que pertencem à ordem Hemiptera, que contém mais de 80.000 espécies conhecidas a nível científico. “Dentro dos Hemiptera, encontramos os percevejos, cigarras, cigarrinhas, pulgões. Tudo exemplos de insectos que têm como característica um aparelho bucal de forma de agulha que utilizam para picar e sugar o alimento”, explica ao PÚBLICO Rui Félix, biólogo que trabalha em entomologia há dez anos em colaboração com o Tagis – Centro de Conservação de Borboletas de Portugal.

Os percevejos pertencem à subordem Heteróptera, com dois pares de asas, em que a posterior é dividida por uma metade coriácea, constituída por quitina, e outra membranosa. “O percevejo é este indivíduo com patas articuladas, com a presença de um escudo no tórax”, descreve Rui Félix.

No entanto, nem todos os indivíduos desta subordem têm asas, como é o caso do percevejo-de-cama, o que é um exemplo da grande capacidade de diversificação dos insectos.

Qual a diferença entre o percevejo-asiático e o percevejo-de-cama?

Apesar de as espécies pertencerem à mesma subordem, são muito diferentes. O percevejo-asiático faz parte da família Pentatomidae, alimenta-se de seiva vegetal, ou seja, é um fitófago. O comprimento atinge os 1,9 centímetros (é muito maior do que o percevejo-de-cama), tem asas e um padrão marmóreo.

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Um percevejo no forro de um sofá STEPHANIE LECOCQ/REUTERS

“A DGAV esclarece que o Halyomorpha halys não é perigoso para pessoas, nem para animais: não morde, não pica, não suga sangue, nem transmite doenças, exalando apenas um cheiro forte e desagradável”, sublinha a nota do ministério.

Já os percevejos-de-cama pertencem à família Cimicidae. O percevejo-de-cama engloba duas espécies do género Cimex que têm como hospedeiro principal os humanos: o Cimex hemipterus e o Cimex lectularius. A primeira espécie é originária da zona tropical, mas já foi encontrada noutras regiões do mundo, incluindo na Europa.

A segunda espécie, o Cimex lectularius, é a espécie mais generalizada em todo o planeta. Tem cerca de cinco milímetros (um quarto do tamanho do percevejo-asiático), uma cor castanha e não tem asas. Quando infesta uma casa, esconde-se de dia e ataca as pessoas à noite, alimentando-se do sangue. As picadas podem produzir alergias e pôr em causa o sono das pessoas, que podem desenvolver problemas psicológicos.

De onde apareceu o percevejo-asiático?

Original de países como a China, as Coreias e o Japão, o Halyomorpha halys pode ser transportado facilmente e chegar a outros pontos do mundo. “A fêmea põe os ovos na planta hospedeira. Se a planta fizer uma viagem de um continente ao outro, o percevejo-asiático entra numa área geográfica nova e consegue proliferar”, explica Rui Félix.

Depois de ter chegado aos Estados Unidos, em 2004 o insecto foi identificado pela primeira vez na Europa, no Liechtenstein, de acordo com uma nota publicada em 2020 nos Arquivos Entomolóxicos, uma revista galega sobre entomologia. A nota, assinada pelo investigador português José Manuel Grosso-Silva, entomólogo do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, e mais alguns investigadores, dava conta dos primeiros registos em Portugal.

Depois do Liechtenstein, o insecto foi-se expandido por outros países europeus, como a Albânia, a Alemanha, a Bélgica, a Espanha, a França, a Grécia, a Itália, a Polónia e a Rússia. Foi uma questão de tempo até chegar a Portugal. “A chegada [do percevejo-asiático] ao território português foi confirmada entre o final de 2018 e o início de 2019, por um agricultor da região de Pombal que estava consciente desta problemática, num único evento com indivíduos vivos que foram apanhados em equipamento agrícola importado da Itália”, lê-se naquele artigo.

Porque é que agora há tantos avistamentos?

Há duas razões. Por um lado, desde a sua chegada até agora, os percevejos-asiáticos têm estado a aumentar.

“Os dados que existiam nos outros países faziam apontar que, em três ou quatro anos, houvesse um aumento exponenciado de percevejos-asiáticos”, explica ao PÚBLICO João Loureiro, biólogo do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, que é um dos autores do artigo publicado na revista Arquivos Entomolóxicos e é um dos investigadores principais do Flower Lab, um laboratório para o estudo da evolução e da ecologia das plantas.

Foi neste contexto, porque os percevejos se alimentam de plantas e a equipa estava interessada em perceber a expansão da nova espécie invasora, que criaram a página de Facebook Percevejo Asiático onde as pessoas podem partilhar fotografias de percevejos.

“De repente, em duas ou três semanas é como se fosse uma avalanche de publicações e a quantidade de positivos foi assustadora”, diz João Loureiro, referindo-se ao número de fotografias onde o percevejo que aparecia era realmente o Halyomorpha halys. “É um bom indicador de que há mais ocorrência este ano do que nos outros anos.”

A segunda razão para a explosão de casos é a altura do ano. Neste momento, os percevejos-asiáticos vão entrar em hibernação. Por isso, vão à procura de lugares para passarem o Inverno. Os lugares que escolhem são “frestas das janelas, lugares mais escuros, tudo o que forem barracões”, descreve o biólogo.

É por isso que muitas pessoas relatam que aqueles insectos estão a entrar pela janela. “Percebemos o mal-estar que pode causar nas pessoas”, refere o especialista, acrescentando que aqueles insectos são completamente inofensivos para os humanos. “É uma chatice que daqui a duas ou três semanas vai terminar”, acrescenta.

O que fazer?

Este insecto também é conhecido por “percevejo-fedorento”, porque quando se pisa cheira mal. Por isso, João Loureiro recomenda que se varra os insectos para um alguidar com água e detergente, e se espere que eles morram. O biólogo pede para as pessoas matarem os insectos. Essa é uma forma de tentar estancar um pouco a proliferação do percevejo-asiático no meio natural.

“Trata-se de uma praga de difícil controlo, por não existirem insecticidas eficazes, havendo alguma experiência, nomeadamente em Itália, no recurso a um parasitoide para controlo biológico”, lê-se na nota do Ministério da Agricultura e Alimentação.

Em Fevereiro, os indivíduos saem da hibernação e vão pôr os ovos nas plantas para iniciar um novo ciclo. O insecto “alimenta-se de muita coisa, mais de 300 espécies de plantas, culturas agrícolas, tomate, maçã, quivi”, explica o biólogo. Sem predadores naturais, a espécie poderá vir a ter um impacto para os agricultores: “É disso que temos receio.”