O novo aeroporto de Portugal, visto desde aqui
A localização do aeroporto face ao sistema intermodal de que depende é decisiva em termos de eficiência. Escolher um ponto central relativamente aos dez milhões que vai servir é de elementar justiça.
Algumas das localizações apontadas para o Novo Aeroporto de Lisboa deixam-nos com algumas perplexidades. Será um problema dos lisboetas, é verdade, eles é que andarão diariamente a correr as ruas e estradas que os levarão aos aviões e a lidar com a logística, o ruído e os demais impactes. Tendo nós, os residentes no Norte, o Aeroporto Sá Carneiro, como os concidadãos do Sul o de Faro, mais perto, não parece não ser assunto para nos preocupar.
Mas quando vamos a Luanda, a Maputo, a Caracas, o nosso aeroporto é Lisboa, o principal hub de conexão com o Brasil, um dos principais na ligação à África lusófona e um bom ponto de ligação com as Américas.
Portanto, este vai ser também o aeroporto de todos nós!
E aí, pergunto-me: saindo eu do Porto, vou ter de fazer 330 km e atravessar o Tejo para lá chegar?! Dir-me-ão que em comboio de alta velocidade mais 60 km pouco se notam. Mas há um problema: a alta velocidade não vai à Margem Sul. Vem de Valença, passa em Braga, Porto, segue para Aveiro, Coimbra, Leiria e, daí, diretamente para Lisboa. Lá, ou um pouco antes, saio, apanho um transbordo (confortável, frequente, acredito) e então chego, finalmente. Mais de uma hora acrescentada à viagem, com o desconforto e a preocupação de uma mudança de modo.
Provavelmente vão acenar-nos com tarifas baratas de avião. Mas isso só fará sofrer o nosso coração ambientalista: voos de sobe e desce, 130 gramas de CO2 por quilómetro, em vez dos correntes 100 gramas, um recuo civilizacional que nenhuma meta de sustentabilidade pode aceitar.
E acontecem outras situações: quando vou de minha casa em Vila Real posso ir de autocarro até ao Porto e apanhar lá o comboio para o sul. Mas também tenho diariamente seis autocarros diretos para Lisboa (só numa das empresas), que me deixam lá em 4 horas; de Viseu, tenho 32 para 3 horas de viagem, e mais de Viana, da Covilhã, por aí fora...
É assim Portugal. Tal como de 200 em 200 metros há um café, de 20 em 20 quilómetros há um autocarro que nos leva à capital, correndo pelos 3000 km das nossas ótimas autoestradas, com wi-fi, ar condicionado e preços imbatíveis. Grande parte destes autocarros, confluindo num enorme manancial que é a autoestrada A1.
Então, quando momentaneamente me alegram com localizações a norte do Tejo e logo de seguida as afastam da A1, fico a interrogar-me se conhecem realmente estas minhas geografias…
É que eu preciso de tudo isto: viagens rápidas para quem tempo é dinheiro, viagens económicas, viagens com muitos horários, viagens sem transbordo para passageiros menos ágeis. Que só serão possíveis se pusermos todos juntos, o aeroporto, o comboio de alta velocidade e a autoestrada dos autocarros, sem vaivéns, sem novas pontes, mudando de modo apenas desta forma tão simples: subir ou descer umas escadas rolantes, percorrer uns corredores e em pouco tempo passar do terminal do avião para o do comboio ou o do autocarro.
Já me disseram que na margem norte o terreno é mais caro, tem mais relevo, mais construções. Terraplenos e expropriações soam a sobrecustos, mas não há nada mais errado e mais antiquado do que essa ideia. Um aeroporto onde confluem todos os modos de acessibilidade e toda a logística e serviços associados é hoje uma estrutura compacta e organizada por níveis. O relevo é uma oportunidade para o projeto, para integrar os edifícios e as estruturas na paisagem, organizar as circulações, a climatização, a inclusão dos espaços verdes. Um terreno plano é literalmente isso, um terreno chato.
As expropriações são oportunidades de renovação, acorda-se a compra dos terrenos, dos negócios ou dos edifícios, aferido pelo valor de mercado e o dinheiro fica na região. Se não há demolições, desconfiemos seriamente: estamos exclusivamente a delapidar solo natural.
Na minha carreira acompanhei muitas construções tresmalhadas, muitos polidesportivos feitos em bouças baratas, até oferecidas. Quando éramos um país remediado, saído duma longa estagnação, assim desestruturamos o território, assim tinha de ser. Mas hoje, acompanhamos o grupo da frente. Não a passo largo e seguro, é verdade, mas com umas corridinhas atrapalhadas, estamos no pelotão!
Única mesmo é a oportunidade de desenhar as viagens do futuro onde comboio e avião são membros de um mesmo corpo. E em que podemos inovar e subir um patamar: entrar nas principais estações de comboio – Braga, Campanhã, Coimbra, Oriente –, passar em postos de embarque e de fronteira descentralizados, entrar diretamente numa carruagem dedicada e sair da estação para a porta de embarque.
A construção simultânea do aeroporto e da linha de alta velocidade dá-nos a condição e a obrigação de conseguir este salto qualitativo. Apenas um exemplo: quando há 30 anos nos iniciámos nos cartões e caixas multibanco, já muitos bancos estrangeiros tinham estes sistemas e as soluções estavam testadas. Então, soubemos ser inteligentes: não a instalar sistemas mais sofisticados mas a reunir todos os bancos e a adotar um sistema único – o meu cartão Banco Borges & Irmão a poder levantar dinheiro na rua onde a única agência era do Banco Português do Atlântico. Passámos a usufruir de vantagens vedadas a países muito mais evoluídos, com menor despesa tivemos sempre mais caixas e mais serviços. Somos ainda hoje o segundo país da Europa com maior oferta de funções nas caixas multibanco.
Já terão percebido que este não é um artigo sobre bairrismo, ou de queixas da província contra a capital. Muito me incomodam, aliás, as soluções que levam o aeroporto para tão longe que nem os lisboetas podem levar lá os familiares de carro diretamente, um sacrifício escusado. Muito menos é dos que almejam por um grande aeroporto cá em cima, nada disso. Um só grande aeroporto está muito bem, tal como uma só capital ou um só governo, nem pensar ter dois num país tão pequeno.
Apenas procura mostrar que a localização do aeroporto relativamente ao sistema intermodal de que depende é a pedra basilar da sua eficiência e que colocá-lo num ponto central relativamente aos dez milhões que vai servir é uma questão da mais elementar equidade política.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico