Médicos do Santa Maria cancelaram férias e fizeram mais horas para tratar grávidas

Segundo o director interino do serviço de obstetrícia, estas foram soluções encontradas pelo Hospital Santa Maria para manter as equipas a funcionar e garantir a segurança das grávidas.

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Manuel Pizarro, ministro da Saúde, visitou recentemente as obras da nova maternidade do Hospital Santa Maria LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Médicos a duplicar horas extraordinárias, outros a cancelar férias e especialistas com 60 anos a voltar a fazer urgências foram soluções encontradas pelo Hospital Santa Maria para manter as equipas a funcionar e garantir a segurança das grávidas.

A situação foi relatada pelo director interino do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santa Maria, Alexandre Valentim Lourenço, na Comissão Parlamentar da Saúde, onde foi ouvido, a pedido do Bloco de Esquerda, o conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) "sobre a demissão de vários médicos especialistas em obstetrícia motivada por uma degradação das condições laborais e assistenciais".

Os médicos apresentaram a demissão na sequência do plano da Direcção Executiva do SNS para a resposta de Obstetrícia e Ginecologia, que previa que, enquanto o bloco de partos do hospital de Santa Maria estivesse fechado para obras - entre 1 de Agosto e Março de 2024 - os serviços ficassem concentrados no Hospital São Francisco Xavier.

Na audição, que ocorreu esta quarta-feira e uma semana depois de ter sido ouvida a ex-directora do serviço de obstetrícia do Hospital Santa Maria, Luísa Pinto, que faz parte do grupo dos sete especialistas demissionários, a deputada bloquista Isabel Pires questionou quantos obstetras o hospital tem neste momento e quantos deveria ter para assegurar o pleno funcionamento dos serviços de urgências.

Em resposta, Alexandre Valentim Lourenço começou por "agradecer a todos os médicos que, cumprindo o seu dever ético", não deixaram as grávidas sem apoio durante estes meses. O especialista referia-se aos "25 médicos que se mantêm a trabalhar e que tiveram de duplicar as suas horas extraordinárias e cancelar algumas férias" e àqueles que já não faziam urgências por terem mais de 60 anos que voltaram a fazer.

O responsável sublinhou que "foi só dessa forma" que foi possível, "com grandes dificuldades", manter as equipas a funcionar e o hospital aberto em Julho e integrar as equipas de São Francisco Xavier em Agosto, mantendo a segurança das utentes.

"Esforço muito grande" para responder à lista de espera

A presidente do CHULN, Ana Paula Martins, reconheceu, por seu turno, que a saída dos especialistas penaliza o serviço e "obriga a encontrar uma equipa e a restabelecê-la". "Estamos a fazer um esforço muito grande para conseguir responder às nossas listas de espera e (...) assumimos claramente que, dentro daquilo que é a lei de Bases da Saúde e os acordos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pela Direcção Executiva, utilizamos em Julho o protocolo de envio de grávidas de baixíssimo risco para as entidades privadas", totalizando 11, declarou.

Alexandre Valentim Lourenço acrescentou que se atravessa um "momento de circunstâncias excepcionais e imprevisíveis": "Estamos num momento de ruptura dos serviços de urgência espalhado por todas as especialidades e que ocorre já há mais de quatro ou cinco anos pela incapacidade da organização", afirmou, defendendo que é preciso alterar a organização das equipas.

"Ainda ontem [terça-feira] estive a falar com uma colega portuguesa que está há 15 anos na Dinamarca e, com 3000 mil partos por ano, ela era a única especialista com um interno a prestar urgência e nós aqui exigimos cinco especialistas para fazer os partos", disse, elucidando que o Santa Maria teve, nos últimos sete anos, uma média de 2400 partos por ano.

Ana Paula Martins destacou ainda a colaboração com o São Francisco Xavier, iniciada a 1 de Agosto, afirmando que "mostra de forma objectiva a possibilidade e até, em muitas situações, a inevitabilidade que o Serviço Nacional de Saúde hoje tem de conseguir trabalhar mais em rede". "Não teria sido possível" dar a resposta que está a ser dada às grávidas e bebés se as equipas não se tivessem juntado, salientou.

Relativamente às obras no Santa Maria, assegurou que "o projecto do bloco de partos começou no dia 1 de Agosto", negando assim as declarações de Luísa Pinto de que as obras ainda não tinham arrancado.