Vingança israelita sobre Gaza castiga população civil

Bloqueio do território palestiniano desde 2007 criou crise humanitária. Em Gaza, 80% da população depende da ajuda humanitária para sobreviver.

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Edifício do Banco Nacional da Palestina em Gaza destruído por ataque aéreo israelita HAITHAM IMAD/EPA
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Quando Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, no sábado à noite, a mulher de Amer Ashour entrou em trabalho de parto. “Estava preocupado a pensar como é que havíamos de chegar à maternidade”, contou Ashour à Al Jazeera. Mas isso correu bem. O que não esperava é que quando saísse do hospital, com o filho recém-nascido, não tivesse casa para onde voltar. O seu apartamento foi pulverizado num ataque aéreo israelita que bombardeou zonas residenciais em Gaza.

“Hoje estamos sem casa. Para onde havemos de ir, nestes tempos difíceis?”, interroga Ashour. A sua família faz parte dos mais de 180 mil habitantes da Faixa de Gaza que se viram sem casa, transformada em pó e destroços pelo bombardeamento aéreo mais intenso de 75 anos de guerra entre israelitas e palestinianos. É a resposta de Israel depois de o grupo islamista Hamas, que controla Gaza, lhe ter infligido o ataque mais mortífero na sua história.

De acordo com a embaixada de Israel nos Estados Unidos, o número de cidadãos israelitas que morreram em confrontos com o Hamas já é superior a 998. O número de feridos será superior a 3418.

Na Faixa de Gaza, o balanço é de pelo menos 830 palestinianos mortos e 4250 feridos por causa dos ataques aéreos de Israel, desde sábado, que visaram muitas zonas residenciais, disse o Ministério da Saúde de Gaza nesta terça-feira. À violência inédita do ataque dos milicianos do Hamas, Israel contrapôs uma punição bem conhecida dos palestinianos, mas aumentou a sua intensidade.

Pode-se, no entanto, perguntar: quem está Israel a punir, o movimento islamista Hamas ou os civis palestinianos? Porque têm sido os civis quem mais sofre, não só com estes bombardeamentos, como com o bloqueio imposto por Israel a Gaza desde 2007, quando o Hamas assumiu o controlo daquele território.

“Há [16] anos que Israel reagiu à tomada de controlo da Faixa de Gaza pelo Hamas, em Junho de 2007, impondo a sanção colectiva de um bloqueio sem precedentes aos cerca de dois milhões de habitantes deste território”, escreveu no Le Monde Jean-Pierre Filiu, professor de Estudos do Médio Oriente no Instituto Sciences Po, em Paris.

“A maior prisão a céu aberto”

Gaza tornou-se aquilo que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy disse ser “a maior prisão do mundo a céu aberto”. O que não impediu que, desde então, tivessem acontecido quatro guerras entre Israel e o Hamas (2008-2009, 2012, 2014 e 2021). “Neste funesto 7 de Outubro, o caldeirão acabou por explodir”, disse Jean-Pierre Filiu.

A verdade é que a dinâmica do bloqueio, defende o historiador francês, tem reforçado o Hamas e os seus falcões, em vez de enfraquecer o movimento, que era o objectivo.

O bloqueio tem impedido o acesso da população de Gaza a serviços fundamentais em Jerusalém, como cuidados especializados de saúde, bancos e educação. A taxa de desemprego é elevadíssima; duplicou de 23,6% em 2005, antes do bloqueio israelita, para 49% em 2020, sintetiza um estudo publicado este Verão na revista científica Annals of Global Health. A taxa de pobreza saltou de 40% em 2005 para 56% em 2020.

Israel limita a importação de alimentos a “uma cesta básica de subsistência mínima, que é suficiente para sobreviver sem desenvolver má nutrição”, lê-se no artigo de investigadores da Universidade Americana de Beirute (Líbano). Na verdade, 80% da população depende da ajuda humanitária internacional para sobreviver. A União Europeia é a maior doadora de ajuda à Palestina: para 2023, estão orçamentados 27,9 milhões de euros.

A mesma política de só permitir a entrada em Gaza de um mínimo de bens essenciais aplica-se à electricidade, combustível, água, cimento, dizem os investigadores. “Além disso, a destruição da infra-estrutura de Gaza e a definição como alvo da população civil em ataques aéreos repetidos, incursões e guerras exacerbam o profundo ressentimento criado pelo bloqueio.”

Quando o ministro da Defesa israelita, Yoav Galant, anuncia um cerco total a Gaza — “Nem electricidade, nem alimentos, nem combustível”, está a ameaçar atiçar ainda mais as chamas do inferno de Gaza. “A situação humanitária era já desastrosa em Gaza. Agora vai deteriorar-se de forma exponencial”, alertou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Mas nas palavras de Yoav Galant lê-se a desumanização do inimigo: “Combatemos animais humanos e agimos em consequência”, disse. Provavelmente, um sentimento equivalente terá tornado possível ao braço armado do Hamas entrar em Israel, matando e raptando civis com grande crueldade.

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