Melanoma oral é o cancro que afecta mais cães em Portugal. O que o causa? O que se pode fazer?
Estudo diagnosticou 704 cães com tumores e outros problemas de saúde oral semelhantes aos dos humanos. Fumo do tabaco, lareiras, ambientadores e factores ambientais ser causas.
Durante os oito anos em que trabalhou como patologista numa clínica veterinária, Leonor Delgado diagnosticou todo o tipo de doenças a cães, mas os problemas de saúde oral foram os que mais a surpreenderam. Entre 2010 e 2017, recebeu radiografias de 704 animais com inflamações gengivais, quistos, abcessos, linfomas, úlceras, até doenças mais graves como tumores malignos e benignos. Na investigação que se seguiu, os resultados para determinar se estas patologias estão relacionadas com a idade do cão, género ou raça revelaram-se inconclusivos. Contudo, descobriu que os factores ambientais e o estilo de vida dos tutores podem influenciar a saúde do animal.
A lógica não é muito diferente do que já se sabe em relação aos humanos: o fumo passivo é prejudicial para as pessoas, e pode ser “um factor de risco para cancro na cavidade oral dos cães", começa por explicar ao P3 a investigadora da UNIPRO, unidade de investigação da CESPU, no Porto.
“Se pensarmos bem, os cães gostam da companhia dos tutores, de estar no colo deles e sempre próximos. Se o dono fuma, ficam partículas carcinogénicas de tabaco nos estofos ou nos assentos, que o animal pode lamber, entrando em contacto muito directo com estas substâncias carcinogénicas”, expõe. Os tipos de tumor malignos diagnosticados em pessoas e animais também foram os mesmos.
Na mesma investigação que fez para os humanos, o carcinoma de células escamosas foi o mais frequente. Neste estudo, foi a segunda doença mais presente nos cães tanto machos (34 casos) como fêmeas (35). Em primeiro lugar ficou o melanoma, com 80 diagnósticos em cães e 49 em cadelas. As conclusões determinaram ainda que 342 (49%) das lesões orais eram malignas e 256 (36,4%) eram benignas.
“No meu doutoramento, fiz estudos de proteínas que estão expressas nos tumores, tanto no cão como no homem, e há moléculas que estão sobre expressas em ambos. Conseguimos perceber que há pontos de ligação e isso ainda nos faz pensar mais além. Pode haver algum factor ambiental que esteja a espoletar a carcinogénese nestes animais”, afirma Leonor Delgado.
Para o descobrir, a equipa está a preparar um questionário para os tutores de cães com tumores, para perceber se o fumo do tabaco, da lareira ou até os ambientadores podem desencadear a doença nos animais.
Enquanto prosseguia com a investigação, Leonor descobriu mais uma coisa. Se foram registados os mesmos tipos de tumores malignos para humanos e cães, os fármacos para pessoas podem, em teoria, ser utilizados nos animais. No entanto, aponta, o caminho para sustentar esta afirmação é ainda longo e exige mais pesquisas para perceber a dosagem que deve ser dada ao cão ou gato, factor que depende do peso e raça.
“Os tratamentos têm de ser vistos com o estado de saúde do animal, mas existem certos fármacos, como é o caso dos anticorpos, que actuam na inibição dessas vias. Podemos sugerir aos colegas da clínica para fazerem ensaios no cão com os mesmos fármacos dos humanos”, revela.
O que podemos fazer?
Por enquanto, o que pode ser feito para melhorar a saúde oral dos cães passa muito pelos cuidados dos tutores. Leonor aconselha que a escovagem dos dentes com pasta e escova ou dedeira própria para animais seja feita entre duas a três vezes por semana e sempre combinada com snacks dentários ou brinquedos para o cão roer e, ao mesmo tempo, prevenir o aparecimento de tártaro.
Olhar para a boca do animal quando ele está a arfar, ver se o focinho está simétrico ou se está a salivar demais ao ponto de mostrar relutância a comer são outros dos conselhos da patologista para garantir um diagnóstico precoce.
“Os cães têm um curto tempo de vida e é muito importante actuar rapidamente. Uma doença que não for tratada, passado um mês, dois ou três pode fazer muita diferença. O animal vai estar mais velho, pode haver metáteses nos órgãos do corpo e já não ser possível resolver o problema com cirurgia”, aponta. Além disto, destaca, o tutor pode não ter disponibilidade financeira para pagar um tratamento de quimioterapia.