Que esperam os jovens do OE2024? Habitação, salários e clima
Querem respostas urgentes para a crise da habitação e melhores salários. Vêem algumas medidas com bons olhos mas, para já, sabem a pouco e não criam ilusões. E o que gostavam era de ser ouvidos.
Inês Sincero não tem grandes esperanças. O Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) é conhecido nesta terça-feira e a actriz de 23 anos não espera nem uma “hiper-reforma estrutural” nem “grandes surpresas”. Reconhece que é preciso dar resposta a uma miríade de problemas — habitação, salários, clima, transportes, fixação de jovens em Portugal, só para nomear alguns — mas não tem ilusões. “Acho que fomos habituados assim.”
Também João Zoio, consultor imobiliário e criador de conteúdos digitais relacionados com finanças e imobiliário, 22 anos, reconhece que desenvolveu uma certa “apatia” face à inacção política. No início de 2022 publicou um vídeo no Youtube sobre os assuntos que achou que deviam ser tratados pelos responsáveis políticos em Portugal. Quase dois anos depois, não vê grandes mudanças. Pelo contrário, vê os mesmos problemas.
O primeiro: a habitação
Por mais baixa que esteja a fasquia, uma emergência deve ser tratada como tal. Contudo, não é isso que estes jovens vêem acontecer com a crise da habitação: “Já ultrapassa todos os limites do razoável. É preciso travar a especulação imobiliária”, sublinha Inês Sincero. Para a actriz, outra das prioridades deviam ser as pessoas que vivem na rua: “É impossível continuar a ignorar a situação das pessoas sem abrigo.”
Para Bruna Santos, economista de 25 anos, a intervenção governamental precisa de corrigir questões no lado da procura e não tanto da oferta, como tem acontecido até agora. Dá o exemplo do programa Porta 65 que, para Bruna, “tem limites de renda que não fazem qualquer sentido com o que vemos hoje em dia”: “Era importante que os apoios fossem ajustados à realidade”, resume.
Além disso, a habitação alimenta outro dos problemas prementes do país — como a educação ou a saúde —, que assumem dimensões ainda maiores. É precisamente por aí que a economista pega para exemplificar a urgência da matéria: “Não é fácil um professor pegar nas coisas e mudar de cidade, por muito que queira.”
Uma solução pode passar por estimular as empresas a adoptarem mais amplamente o regime de teletrabalho, sempre que for possível. Assim, justifica a economista de Santa Maria da Feira, fica mais fácil para os jovens “viverem longe dos grandes centros urbanos para aliviar a questão das rendas”.
Nem todos poderão adoptar o teletrabalho — é o caso de Inês, que, este ano, até esteve em risco de ficar sem ter onde ensaiar. Se não fosse um apoio da Junta de Freguesia do Bonfim — um “empréstimo total” de um local para ensaiar, especifica —, seria impossível continuar a trabalhar. “Nenhum membro da companhia tinha sequer a possibilidade de se chegar à frente para pagar uma renda de garagem que fosse.”
Já João Zoio defende que é preciso apoiar os jovens que queiram e que tenham capacidade para comprar a sua primeira casa. Enumera medidas como a isenção de IMT e de imposto de selo como possíveis ajudas.
No ano passado, quando decidiu comprar casa com a namorada, o criador de conteúdo ficou estupefacto com os impostos que pagou, além do valor do imóvel. Por um T2 de 70 metros quadrados, num prédio da década de 1980, em Lisboa, pelo qual pagou 290 mil euros — segundo a Propstar, um valor abaixo do preço médio actual por um T2 em Lisboa —, pagou mais 20 mil euros em impostos. “Sozinho era absolutamente impossível [conseguir este valor]. Mesmo com alguém, é preciso muita poupança, muito esforço e muito sacrifício.”
A seguir, os salários
De forma unânime, os jovens que falaram ao P3 defendem que é preciso aumentar os salários. O Governo já anunciou uma subida do salário mínimo nacional para 820 euros. Esta subida, para Pedro Matias, gestor de projectos e mestre em Direitos Humanos, 23 anos, não basta para fazer uma diferença efectiva na vida das pessoas, tendo em conta a inflação e perda do poder de compra.
A “bandeirinha” da subida do salário mínimo, saúda Bruna Santos, pode pressionar as entidades privadas a seguirem a tendência. No entanto, sublinha, “com as taxas de IRS que temos actualmente, continua a não chegar”. Além disso, alerta para um problema que não é novo: a aproximação do salário mínimo ao médio, que, por seu turno, não está a acompanhar o crescimento.
Na nova mudança ao IRS Jovem (a terceira), o imposto vai ser de zero no primeiro ano de trabalho, 25% no segundo, 50% no terceiro e quarto e 75% no quinto.
Inês Sincero alerta que, apesar de a medida parecer “boa, em teoria”, há pessoas que podem nem sequer saber se têm direito ou do que precisam de fazer para usufruir. “Na hora da verdade, não sei se vou saber aplicá-lo”, confessa.
Medidas para fixar jovens em Portugal não chegam
Este ano, António Costa anunciou, na abertura da Academia Socialista, um pacote de medidas que tem os jovens como destinatários e que será incluído no OE2024. Abrindo um novo capítulo na discussão sobre o fim das propinas, o Governo socialista anunciou a devolução faseada das propinas a licenciados que ficassem a trabalhar em Portugal.
Bruna Santos duvida muito de que chegue para fixar os jovens em Portugal. Considera, ainda, que a devolução do dinheiro vem tarde demais: “Faria muito mais sentido se fosse durante o curso. Há jovens que não conseguem tirar um curso, não pelo valor da propina, mas por todos os gastos adjacentes”, diz.
Já Pedro Matias sublinha que, “lá fora”, se pode receber “o dobro ou triplo”. “E não vai ser por receber os 697 euros anuais das propinas que os jovens vão decidir ficar, pois continua a não compensar.”
E se João Zoio considera que os cerca de 2100 euros (o que irá receber quem tira uma licenciatura de três anos numa instituição pública) são um valor irrisório tendo em conta as despesas e os salários de um recém-licenciado, Inês, que quer continuar a representar em Portugal, considera a medida “excelente”. “É um primeiro passo muito sensato para manter a população jovem cá. Acima de tudo, dá alguma esperança de que possamos criar o nosso próprio emprego aqui.”
Mais atenção à emergência climática
No mês passado, Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, voltou a reforçar que a medida da gratuidade do passe sub-23 vai “convidar as futuras gerações a alterarem o perfil de mobilidade”. A medida, que já tinha sido anunciada por António Costa, foi recebida pelos jovens (especialmente os que não vivem nas cidades onde estes passes já existem) de braços abertos.
Para Inês Sincero, era importante que este passe não fosse dirigido apenas para estudantes, para não discriminar aqueles que possam não ter capacidade económica para entrar no ensino superior — e para que todos possam ter direito a andar de transportes públicos de forma gratuita. Pedro Matias aplaude a medida, mas sublinha que o país continua a “não fazer o esforço necessário para a transição energética ou a levar a sério as alterações climáticas”.
Também é preciso, desafia João Zoio, desconstruir o “falso dilema” de que ou se cresce economicamente ou se combate as alterações climáticas — dá para fazer as duas coisas, acredita. Com alguma ironia na voz, o jovem diz que “faz todo o sentido” que os jovens não sejam uma prioridade para a classe política: “Não somos a camada responsável por mais votos. Não faz sentido satisfazer as nossas necessidades.”
Ainda assim, e embora diga que “‘optimista’ não é a palavra certa”, Pedro Matias mantém-se “um bocadinho esperançoso” para o debate no Parlamento — e para o futuro. “Espero também que, nos próximos tempos, nós, jovens, possamos ser mais ouvidos.”