Greve geral? “Vamos ver que Orçamento é apresentado”

Isabel Camarinha acusa António Costa de “malabarismo” e saúda com ironia aumentos salariais propostos por Governo. CGTP reune direcção na terça-feira para “intensificar” a luta.

O governo “tem que ir mais além”. A secretária-geral da CGTP repete esta ideia no que diz respeito quer aos salários quer à habitação. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, Isabel Camarinha queixa-se da “propaganda” de António Costa e de ter tentado "discriminar" a central sindical e ameaça com uma greve geral se o governo não travar o caminho do “empobrecimento” dos trabalhadores. Sobre as novas formas de activismo climático, diz que "a CGTP não comete actos de vandalismo". Pode ouvir a entrevista na íntegra esta quinta-feira às 23 horas.

O primeiro-ministro admitiu esta semana numa entrevista à TVI/CNN que o salário mínimo em 2024 pode ir além dos 810 euros. A CGTP pede que se chegue aos mil euros já no próximo ano. Não acredita que o Governo atinja esse patamar?
A realidade vivida pelos trabalhadores exige um aumento significativo de todos os salários. O salário mínimo que temos não é mínimo porque não garante o mínimo de dignidade. A nossa proposta de aumentos para 2024 vai muito para além do salário mínimo. Deve haver aumentos para todos os trabalhadores de 15%. O salário mínimo deve ser de 910 euros em Janeiro de 2024 e deve chegar aos mil no fim do ano. Os trabalhadores estão a empobrecer a trabalhar no nosso país.

Como viu o elogio de António Costa à proposta da UGT de 830 euros?
A proposta da UGT é muito minimalista. E continuamos com o bloqueio da contratação colectiva e essa sim é a garantia que há aumentos salariais. A situação não pode continuar. As 20 maiores empresas e grupos económicos tiveram, no primeiro semestre de 2023, 25 milhões por dia de lucro. Os cinco maiores bancos têm 10 milhões de lucros por dia e os trabalhadores, os reformados e pensionistas não têm acesso sequer ao mínimo que é exigível.

O Governo anunciou também o aumento da base remuneratória na função pública. É um sinal positivo ou não?
Muito insuficiente. Pelo que conheço, a proposta do Governo não garante sequer a reposição do poder de compra que tem vindo a ser perdido nos últimos anos. O nosso país não pode continuar neste caminho de não se desenvolver, de não criar mais riqueza. Temos tido crescimento económico, sem que os salários tenham acompanhado esse crescimento.

Nesta última entrevista, António Costa deu muita prioridade ao aumento de salários, dizendo inclusive que para subir os rendimentos a melhor forma é aumentar os salários e não actuar pelo lado do IRS. Aí estão mais sintonizados do que no passado?
Finalmente o primeiro-ministro disse qualquer coisa que vai ao encontro do que a CGTP sempre afirmou: é com o aumento dos salários que garantimos que a vida das pessoas melhora. Não é com paliativos, não é com medidas que respondem muito poucochinho às necessidades enormes com que os trabalhadores e as suas famílias estão confrontados.

A CIP e a UGT tiveram previstas reuniões com o Governo, fora das negociações com os restantes parceiros sociais, que depois acabaram desconvocadas na sequência de uma mensagem do presidente do CES. A CGTP sentiu-se posta de lado ou a CIP e UGT puseram-se em bicos de pés?
A CIP tem todo o direito a apresentar as propostas que entender. Mas não é aceitável nem admissível que o Governo trate de forma diferente as diversas organizações, nomeadamente, que discrimine a CGTP. Não queríamos estar em nenhuma daquelas reuniões, mas a CGTP tem propostas. Enviámos ao primeiro-ministro as nossas prioridades de política reivindicativa e solicitámos uma reunião. O primeiro-ministro acusou a recepção, mas não marcou reunião.

Gostou da atitude de Francisco Assis?
Acho que o presidente do CES considerou que devia tomar uma posição e, naturalmente, que tinha todo o direito de o fazer.

Mas como é que olha para 2024? O governador do Banco de Portugal tem pedido grandes cautelas.
Já ouvimos várias previsões catastrofistas. O governador do Banco de Portugal também considerava que, com a inflação a crescer, os salários não podiam aumentar. Ora, para nós, isto é exactamente o inverso.

E agora veio dizer que é preciso temperança no mercado de trabalho.
Nós precisamos que os trabalhadores tenham a vida digna a que têm direito e um país que se quer desenvolvido. O país adora dizer que é um país da União Europeia, mas tem trabalhadores que empobrecem a trabalhar. Todos os dias trabalham a tempo inteiro e são pobres. Isto é que não é aceitável.

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MATILDE FIESCHI

Como é que viu a aproximação do primeiro-ministro aos movimentos pelo direito à habitação? Anunciou o fim do regime de isenção de IRS para os não-residentes e disse que se revê na manifestação de sábado. António Costa percebeu que tem que dar um sinal qualquer para não perder a rua?
Isso tem que perguntar ao primeiro-ministro. O que verifico é que o Governo não tomou as medidas que tinha que tomar. Há muitos anos temos um problema estrutural com o cumprimento e a garantia do direito à habitação.

Mas António Costa parece pôr-se agora ao lado de quem faz o protesto na rua. Como viu esta declaração?
Vejo como propaganda. O nosso governo vive muito da propaganda e de algum malabarismo de medidas, de números, que depois não reflectem aquilo que as pessoas estão de facto a viver.

António Costa já entrou em campanha eleitoral para as eleições europeias?
Preocupa-me mais que o Governo olhe para a situação que se vive no nosso país, tenha a coragem de enfrentar o grande capital, os grandes grupos económicos e vá buscar a riqueza onde ela está, garantindo uma redistribuição da riqueza, que no nosso país é muitíssimo injusta.

Espera que o governo avance com o travão às rendas?
Nós tivemos oportunidade de reunir com a ministra da Habitação. Há medidas que deviam ser tomadas no imediato que não o estão a ser. O Governo tem que ir muito mais longe do que está a ir com a construção, com a garantia de requalificação de património do Estado para reconversão em habitação.

Tem pena que, no Governo da geringonça, o PCP não tivesse feito mais força para colocar a habitação nas prioridades?
Não sei se não fez ou não mais força. Durante o período de 2015 a 2019, o PS resistiu sempre muito a tudo o que eram alterações que propiciassem a melhoria das condições de vida e de trabalho. Este problema da habitação atingiu uma dimensão brutal quando começaram os aumentos das taxas de juro dos empréstimos e quando a inflação subiu. É preciso mudar a lei das rendas, que permite o despejo de pessoas que não podem pagar a sua casa. Tem que haver um limite, quer para os preços das rendas das casas, quer para o valor do aumento das rendas.

Este sábado, houve várias manifestações pelo país por causa da habitação. Acha que o espaço tradicional de protesto dos sindicatos está a ser agora ocupado pela sociedade civil? Os sindicatos deixaram-se ultrapassar?
De forma alguma. Os sindicatos da CGTP durante este ano desenvolveram intensíssima luta, muita dela nas empresas e locais de trabalho, muita na rua.

Os movimentos sociais é que encabeçaram a manifestação e os sindicatos ficaram para trás.
Não ficaram para trás nem para a frente. Os trabalhadores fazem parte de vastas camadas da população que estão a ser afectadas por este problema brutal da habitação e estavam lá presentes. Não me parece que haja aqui o retirar o terreno a ninguém. O descontentamento é profundíssimo em todas as áreas.

E em relação ao activismo climático e à luta contra as alterações climáticas, onde é que pára aqui, neste debate, a CGTP?
A CGTP tem propostas em todas as áreas e também em relação à sustentabilidade, ao ambiente.

Não vai ser possível concorrer, por exemplo, com este activismo que está em curso, que corta o trânsito?
Há muito activismo que não tem palco na comunicação social. Nós fazemos milhares de iniciativas e em muitas delas as questões da transição, das questões ambientais estão presentes. Agora, colocamos sempre uma vertente de respeito e acompanhamento das medidas que vão sendo tomadas.

Não acompanha este tipo de acções como cortar estradas ou atirar tinta verde?
A CGTP normalmente não comete actos de vandalismo. Nós manifestamo-nos organizando e mobilizando trabalhadores para junto das entidades que consideramos que têm que ser confrontadas com a resposta que é necessária. As acções organizadas pelos sindicatos ou pela CGTP não esgotam o protesto que este descontentamento transversal que temos no nosso país está a gerar.

Podemos nos próximos meses esperar uma greve geral ou será preferível a CGTP ir-se batendo na rua com manifestações?
O que a CGTP decidiu e o que está a acontecer é que estamos a envolver os trabalhadores na aprovação das reivindicações, na entrega dos cadernos reivindicativos, das propostas de negociação contratação colectiva. Temos uma reunião do Conselho Nacional convocada para terça-feira em que vamos analisar em que ponto estamos desta intensificação na acção reivindicativa. Eventualmente, iremos tomar decisões que não vou antecipar, mas iremos tomar decisões.

É previsível que possa haver uma greve geral em Novembro?
Vamos avaliando as necessidades, a resposta que é dada e vamos decidindo. A greve geral nunca esteve fora da nossa equação, nem está dentro neste momento. Vamos ver que Orçamento de Estado é apresentado. Vamos ver, em termos de política global, o que é que o Governo e as associações patronais e as empresas respondem a esta necessidade de reivindicação dos trabalhadores. E depois decidiremos acções de luta em conformidade. Naturalmente que a perspectiva é que de facto haja intensificação da luta.

Como disse há pouco, há muito descontentamento.
Não é só descontentamento, mas consciência da injustiça que está a ser praticada. Não havendo alteração, é natural que a mobilização aumente, que haja maior mobilização dos trabalhadores e das outras camadas que estão a ser afectadas e que venham para a rua também exigir essa resposta.

António Costa não terá a vida fácil por parte da CGTP?
Eu acho que nunca nem nenhum governo nunca teve.

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