Costa diz que reestruturação das CCDR foi a reforma possível até à regionalização
Na abertura do Congresso da ANMP, o primeiro-ministro defendeu que o processo de descentralização “nunca estará acabado”. Carlos Moedas pede mais recursos para uma “verdadeira descentralização”.
O primeiro-ministro António Costa disse este sábado, no Seixal, distrito de Setúbal, que a reestruturação das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) foi reforma a possível até que existam condições para cumprir a regionalização.
“Como sabemos, não há condições políticas para ir mais longe. Mas fomos tão longe quanto possível no actual quadro constitucional e fomos tão longe quanto possível no actual quadro político e constitucional, fazendo uma profunda reforma nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional”, disse o chefe de Governo, durante a sessão de abertura do XXVI Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
Há dois anos, no congresso electivo da ANMP realizado em Aveiro, António Costa estimou que em 2024 seria dada “voz ao povo” sobre a regionalização, depois de no final de 2023 se avaliar o caminho feito em matéria de descentralização.
Mas, em Julho de 2022, no congresso em que assumiu a liderança do PSD, Luís Montenegro, mostrou-se indisponível para avançar para o referendo sobre a regionalização, inviabilizando a reforma. Já em Março deste ano, o Governo deixaria cair a ideia do referendo em 2024 considerando que "não faz sentido" avançar tendo em conta a oposição do presidente social-democrata.
Costa destacou que está a ser concretizada uma dimensão que “talvez tenha sido menos visível, talvez não tenha sido totalmente compreendida”, mas que é “uma dimensão muito importante da descentralização”, e que foi “a profunda reforma na administração ao nível regional”.
O chefe do Governo destacou que os presidentes das CCDR ganharam legitimidade, porque deixaram de ser escolhidos pelo Governo e passaram a ser eleitos por todos os autarcas da região, enquanto um dos vice-presidentes foi eleito pelos presidentes de câmaras.
Nas próximas eleições autárquicas, em 2025, o único vice-presidente que agora ainda é nomeado pelo Governo será eleito pelos membros do Conselho Regional.
“Isso é um passo gigantesco para que as CCDR deixem de ser definitivamente órgãos dependentes da administração directa do Estado e sejam totalmente órgãos da administração indirecta do Estado, até que haja condições políticas para cumprir o mandato constitucional da regionalização”, destacou.
Na sua intervenção, António Costa assumiu que o processo da descentralização tem sido uma “longa caminhada” e uma negociação “muito difícil, exigente e transparente” entre Governo e municípios.
“Eu não sei se é uma boa notícia ou se é uma má notícia, mas aquilo que vos quero mesmo dizer é que este é um processo que nunca estará acabado”, afirmou, apontando como uma das principais razões para o processo não terminar a crescente confiança dos municípios. “Muitos dos presidentes de câmaras que hoje já assumiram as competências na área da educação ou na área da acção social eram muitos do que eu ouvi dizer que nunca iriam assumir essas competências, porque não havia condições”, lembrou.
Em sintonia com o primeiro-ministro, a presidente da ANMP, Luísa Salgueiro sublinhou que “o processo [de descentralização] não está concluído”. “Nós temos de continuar a negociar, mas, à medida que vamos avançando nas várias etapas que vão sendo trabalhadas, vamos neutralizando os impactos e, portanto, a ambição mantém-se", disse a socialista e também presidente da Câmara de Matosinhos na abertura do congresso.
Problemas "escondidos"
Além da confiança, Costa salientou que outra das razões para o processo ser inacabado prende-se com a evolução do mesmo, ou seja, conforme se vão conhecendo e analisando com “mais olhos” os processos, vai-se percebendo que “muitos dos problemas estavam escondidos”.
Falando numa negociação “naturalmente muito difícil, muito exigente e que exige muita transparência” entre Governo e municípios, o chefe do executivo reconheceu as dificuldade de quem descentraliza e de quem recebe novas competências.
E acrescentou: “A descentralização só será um sucesso quando os meios acompanharem as competências, de forma a que no final do dia quer o Estado, quer os municípios, quer as freguesias possam dizer aos cidadãos: 'hoje estamos em melhores condições para prestar melhores serviços às populações'”.
Costa recordou que, neste momento, 100% dos municípios já assumiram as competências na área da acção social e da educação e que 85% dos 201 municípios com quem estão a negociar a transferência das competências na área da saúde já as assumiram.
À saída do pavilhão, António Costa não quis prestar declarações aos jornalistas, mas chamou à parte o ministro da Educação, João Costa, com esteve cerca de cinco minutos à conversa.
Descentralização a "meio da ponte"
Antes da intervenção do primeiro-ministro, falou o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, na qualidade de presidente da mesa do congresso.
O autarca defendeu que “o país precisa de mais municipalismo” e um municipalismo mais forte, principalmente “nestes tempos difíceis, tempos de inflação, tempos de aumento do custo de vida, de transformações tão profundas como a digitalização como a inteligência artificial”.
Para Moedas, “mais municipalismo precisa de mais descentralização”, seja na educação, na saúde ou acção social, e considerou que os municípios podem fazer mais nestas áreas e noutras, mas para isso precisam de recursos.
“O senhor ministro da Educação sabe, pelas conversas que temos, a dificuldade muitas vezes em conseguir fazer essa descentralização sem ter os recursos necessários. E aqui dizia o senhor presidente da Câmara do Seixal, e eu digo também como presidente da Câmara de Lisboa, o deficit que temos entre aquilo que nós investimos na educação e aquilo que recebemos do Governo”, disse, perante o ministro da Educação, João Costa, que esteve na sessão de abertura do congresso.
O autarca disse que as câmaras não querem apenas gerir e contratar pessoal operacional, construir escolas ou requalificar escolas, mas podem ajudar na afectação de “casas dignas” para professores, por exemplo.
Na área da saúde, “nós construímos o centro de saúde, mas depois também podemos fazer mais nesses centros de saúde. Podemos contratar os médicos, se for necessário. Podemos fazer com que a saúde seja realmente tratada naquilo que é base local da proximidade e dos cuidados primários”, sublinhou.
Moedas destacou que só é preciso que o Governo confie nos autarcas, lhe delegue competências e lhes atribua “os recursos que são necessários e que são tão precisos para ter uma verdadeira descentralização”. “A verdade é que ainda estamos, de certa forma, nesta descentralização a meio da ponte”, disse. “Não podemos ficar a meio da ponte. Temos de atravessar a ponte”, acrescentou.