Irmãos iraquianos acusados de terrorismo têm 10 dias para escolher novo advogado
Julgamento de Ammar e Yassir Ameen fica de novo suspenso até 12 de Outubro. Os arguidos podem constituir novo mandatário ou aceitar defensoras oficiosas nomeadas pelo tribunal.
Depois de o advogado Vítor Carreto ter renunciado a ser o mandatário dos dois irmãos iraquianos, acusados de adesão a organização terrorista, por alegar falta de condições para a realização de um processo justo, a juíza, que preside ao colectivo no julgamento que começou na quarta-feira desta semana, deu aos arguidos 10 dias “para constituírem novo mandatário”.
O despacho foi proferido na sala de audiência no Campus de Justiça, em Lisboa, onde os trabalhos desta quinta-feira, com a audição prevista de uma testemunha de acusação, foram suspensos até dia 12 de Outubro.
O tribunal nomeou, entretanto, duas defensoras oficiosas que tomaram o primeiro contacto com o processo nesta quinta-feira, já depois de na véspera duas testemunhas de acusação e uma da defesa terem deposto na presença de advogadas que apenas se apresentaram momentaneamente no julgamento – a primeira de manhã e a segunda à tarde – para que este pudesse prosseguir.
A audição das testemunhas de acusação, uma assistente social da Câmara Municipal de Oeiras e uma funcionária do Conselho Português para os Refugiados, que acompanharam o processo de acolhimento dos dois irmãos à sua chegada a Portugal em Março de 2017, também foi realizada sem a presença dos arguidos a pedido das depoentes.
Neste contexto, Ammar e Yassir Ameen, de 36 e 34 anos, pediram ao tribunal tempo para nomear novo advogado, tendo um deles recusado a prestação da defensora oficiosa nomeada na quarta-feira. Assim, o julgamento, que já foi adiado duas vezes, primeiro para Abril deste ano, e depois para esta última semana de Setembro, fica mais uma vez suspenso até que os arguidos informem o tribunal da sua decisão.
Na audiência desta quinta-feira, a juíza proferiu um despacho em que salienta que este era “dado no interesse da defesa” e que “fundamenta a urgência do prazo” de prisão preventiva que termina daqui a pouco mais de cinco meses. Nada mais aconteceu na sessão.
"Ao serviço dos Estados Unidos"
O advogado Vítor Carreto anunciara na véspera a sua renúncia por, segundo ele, não estarem reunidas as condições para assumir uma defesa justa aos irmãos Ammar e Yassir Ameen. Fê-lo em protesto contra o desenrolar do processo, que diz não garantir os direitos dos arguidos e, ainda, contra a justiça portuguesa, que acusa de "estar ao serviço" dos Estados Unidos.
Desde que os dois irmãos foram acusados, em Setembro de 2022, de um crime de adesão a organização terrorista e também, respectivamente, de nove e oito crimes de guerra contra as pessoas "em concurso aparente com o crime de terrorismo internacional”, Vítor Carreto tem associado este processo a uma intenção política de o Ministério Público ver os dois arguidos condenados, não pela existência de provas, diz Carreto.
O advogado entende que Portugal pretende "mostrar serviço" aos Estados Unidos com o MP a querer protagonizar um grande caso mediático de terrorismo, no contexto geopolítico que se seguiu ao derrube do antigo Presidente Saddam Hussein pelas tropas da coligação internacional, liderada pelos Estados Unidos, em 2006, e que resultou, muitos anos depois, no domínio parcial do território pelo grupo terrorista Daesh.
A cidade de Mossul, onde residiam os dois irmãos, esteve sob controlo deste grupo, autodenominado Estado Islâmico, entre Junho de 2014 e Julho de 2017. Ammar e Yassir chegaram a Portugal vindos da Grécia, ao abrigo do Programa de Recolocação de Refugiados da União Europeia, em Março de 2017, mas, segundo o seu relato, terão fugido do Iraque em 2015, passando por vários países antes de chegarem a Portugal com o estatuto de refugiado.
Já na ausência do advogado, a juíza presidente, Alexandra Veiga, deu ordem para a audiência prosseguir, colocando o ónus do prejuízo causado aos arguidos no seu próprio advogado. Segundo invocou a magistrada, e nos termos da jurisprudência e legislação em vigor, o advogado, para renunciar, teria de garantir que os arguidos estariam representados nos 20 dias subsequentes à recusa, anunciada na primeira hora da audiência e sem aviso.
Os dois arguidos encontram-se em prisão preventiva há mais de dois anos (desde Setembro de 2021). Disso mesmo já tinha dado nota a juíza num despacho junto ao processo no qual recordava a existência de vários incidentes de recusa apresentados pelo advogado tanto na 1.ª como na 2.ª instância, e lembrava que o prazo máximo da prisão preventiva, neste processo de especial complexidade, termina no dia 2 de Março de 2024.
Na sua brevíssima exposição introdutória, Carreto ainda repetiu que não estavam reunidas as condições de defesa dos seus constituintes, e deu como exemplo o facto de os arguidos estarem impossibilitados, até ao momento, de verem e ouvirem as gravações dos depoimentos registados para memória futura das testemunhas que os acusam no Iraque de terem agido contra si em representação do grupo terrorista, Daesh ou autoproclamado Estado Islâmico, e de assim não poderem preparar a sua defesa.
São 46 horas de gravações de declarações para memória futura que o Ministério Público apresentou para sustentar a acusação. Trata-se de prova documental que os arguidos têm o direito a ouvir para se defenderem, como salientou a própria juíza, mas que ainda não o fizeram por não estarem autorizados a receber correspondência na prisão, ou quaisquer CD de gravações. Os dois estão presos na cadeia de alta segurança de Monsanto desde Setembro de 2021.
Uma hora de gravações por dia
Fora sugerido que os acusados ouvissem, em cada dia de audiência marcada para as 9h30, uma hora de gravações, a partir das 8h30, até perfazerem o total das 46 horas – o que, de acordo com o advogado, e existindo dezenas de horas de testemunhos relativamente aos quais têm de preparar a defesa, não iria garantir os direitos dos arguidos.
"Foram cinco anos de investigação", disse Vítor Carreto, referindo que nenhum dos requerimentos por si apresentados, em nome de Ammar e Yassir Ameen, tinha sido aceite para que pudessem defender-se, e que ao Ministério Público tudo tinha sido "admitido".
Os dois homens, de 34 e 36 anos, começaram a ser investigados pela Polícia Judiciária em Setembro de 2017, dois meses depois de o SEF ter alertado a Unidade de Coordenação Antiterrorista das suspeitas que recaíam sobre os dois de terem pertencido ao autoproclamado Estado Islâmico ou Daesh. Não cometeram crimes de terrorismo em Portugal, mas foram investigados por alegados crimes num outro país, no âmbito da competência internacional para a investigação do Estado português, uma vez que estavam a residir em Portugal quando foi lançado o alerta internacional da sua eventual pertença ao Daesh.
Ainda com o advogado presente, a procuradora do Ministério Público disse, na quarta-feira de manhã, que os crimes ficariam provados neste julgamento, com a prova documental, pericial e testemunhal disponível. Além das declarações para memória futura, está prevista a audição de testemunhas por videoconferência a partir do Iraque.
De acordo com o processo, estas testemunhas, de famílias iraquianas de Mossul, responsabilizam Ammar e Yassir de perseguições e agressões quando estes agiriam em representação do Daesh enquanto elementos pertencentes à polícia religiosa e aos serviços de informação deste grupo terrorista, segundo alegam. As acusações remontam a 2015 quando tanto as testemunhas, que agora os acusam, como os dois irmãos, que estão acusados, residiam em Mossul conquistada pelo Daesh em 2014.