Seis jovens portugueses acusam 32 países de inacção climática. Que caso é este?

Quem são os seis jovens que serão ouvidos esta quarta-feira no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o que querem? O que têm de provar? O que pode acontecer nesta sessão histórica?

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Seis jovens portugueses, entre os 11 e os 24 anos, serão ouvidos esta quarta-feira no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos GettyImages
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Esta quarta-feira, um grupo de seis adolescentes e jovens portugueses, entre os 11 e os 24 anos, está prestes a fazer história. Serão ouvidos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, perante um júri que vai analisar o caso em que acusam 32 Estados de não fazerem o suficiente em matéria de acção climática.

Na berlinda estarão os 27 Estados-membros da União Europeia, somando-se o Reino Unido, a Suíça, a Noruega, a Rússia e a Turquia (a Ucrânia chegou a estar neste grupo, mas foi retirada do processo depois da invasão russa).

A ideia surgiu em 2017, o caso chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) em 2020 e, três anos depois, finalmente chega o dia da grande audiência. Preparámos algumas respostas sobre o que precisa de saber para compreender o impacto deste caso:

Quem são estes jovens?

Seis adolescentes e jovens adultos portugueses, naturais de Leiria e de Almada: Cláudia Agostinho (24 anos), Martim Agostinho (20), Mariana Agostinho (11) e Catarina Mota (23), naturais de Leiria, e Sofia Oliveira (18) e André Oliveira (15), de Almada. Os seis jovens juntaram-se em 2017, depois dos incêndios devastadores em Pedrógão Grande e Mação, com o apoio da Global Action Legal Network (GLAN), associação não lucrativa que tem feito o acompanhamento jurídico desde o início do processo.

O que querem?

No processo submetido em Setembro de 2020, os jovens esperam que o TEDH reconheça que alguns direitos previstos na Carta Europeia dos Direitos Humanos estão a ser violados em resultado da insuficiência dos Estados em matéria de acção climática – nomeadamente, as alterações climáticas causadas pela acção humana – e que ainda é possível mitigar, como têm mostrado os diversos relatórios do IPCC ao longo dos anos estão a interferir com o direito à vida, o direito à vida privada, à proibição de tortura e à proibição de discriminação (neste caso, em função da idade).

Como provam o que alegam?

Os jovens trazem vários factos sobre o seu quotidiano para provar que os seus direitos humanos estão em a ser postos em causa pelo impacto das alterações climáticas, que decorrem com esta intensidade, alegam, devido à inacção dos Estados. Agravamento da asma, cansaço, dificuldades de concentração, impossibilidade de fazer as suas actividades normais ao ar livre em determinadas alturas do ano. Os jovens trazem ainda uma série de relatórios que mostram, por um lado, que o território onde vivem é particularmente afectado, e, por outro lado, que os países não estão a cumprir a acção necessária para atingir objectivos climáticos que mantenham um clima estável.

O que têm respondido os Estados?

Desvalorizando. Na audiência desta quarta-feira, será apresentada uma posição conjunta dos 32 países, dividida em três argumentos: a falta de jurisdição, o não esgotamento das vias judiciais nacionais e a ausência do estatuto de vítima. Este último ponto será apresentado na audiência pelo procurador da República Ricardo Matos, agente do Governo português junto do TEDH. Há ainda a mencionar um argumento muitas vezes referido pelos países: o Acordo de Paris, que todos os Estados visados subscreveram, não prevê obrigações, mas apenas contribuições.

O que acontece depois desta audiência de 27 de Setembro?

Uma longa espera. As decisões do TEDH podem levar mais de um ano a sair. Contudo, tendo em conta que o tribunal escolheu analisar outros dois casos climáticos para decidir sobre a jurisprudência sobre esta matéria – ambos foram ouvidos numa audiência em Março –, especula-se que as decisões possam sair ao mesmo tempo. Nesse caso, é possível que a resposta do TEDH sobre o caso “Duarte Agostinho” seja conhecida até ao Outono do próximo ano.

Já houve mais processos deste tipo?

Este foi o primeiro caso climático a ser apresentado ao TEDH, em Setembro de 2020. Desde então, chegaram ao tribunal outros dez casos relacionados com alterações climáticas. Enquanto dois já foram rejeitados e seis se encontram pendentes, outros dois processos — “​Verein KlimaSeniorinnen e Outros v. Suíça” e “​Carême v. França” — foram escolhidos para, assim como os seis jovens portugueses, serem ouvidos perante um colectivo de 17 juízes (mas os outros já foram ouvidos em Março).

O TEDH tem jurisprudência em matéria ambiental, mas não climática – é a primeira vez que este tribunal analisa alegadas violações de direitos humanos causadas por emissões de gases com efeito de estufa. Recorde-se que o TEDH não é um tribunal da UE, mas sim um tribunal criado no âmbito do Conselho da Europa pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

E a nível da União Europeia?

A nível da União Europeia, alguns casos foram analisados pelo Tribunal de Justiça, mas trata-se normalmente de questões mais técnicas de aplicação da lei. A nível nacional, dois casos climáticos destacam-se nos países europeus.

  • Urgenda v. Países Baixos Em 2019, o Supremo Tribunal holandês ordenou ao Governo que acelerasse os planos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, dizendo que não tinha “feito o suficiente para proteger os seus cidadãos dos efeitos perigosos das alterações climáticas”.
  • Neubauer e Outros v. Alemanha Em 2021, o Tribunal Constitucional Federal alemão considerou que a política climática do país não era suficiente para proteger os direitos dos cidadãos e ordenou que o Estado clarificasse como iria reduzir as emissões depois de 2030, para que nenhuma geração ficasse sobrecarregada com uma redução drástica, enquanto outras continuavam a emitir dióxido de carbono em excesso sem grandes restrições. Como consequência, a Alemanha aumentou a sua meta de redução de emissões para 2030 de 55% para 65%.

Afinal, que impacto pode ter a decisão do TEDH?

O advogado Gerry Liston, da equipa legal da GLAN, explicava ao Azul que esta decisão pode funcionar como “um tratado vinculativo imposto pelo tribunal aos Estados, obrigando-os a acelerar rapidamente os seus esforços de atenuação das alterações climáticas”, à semelhança do que se viu nos casos bem-sucedidos nos outros países europeus.

Armando Rocha, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e especialista na área do direito do clima, dá uma resposta cautelosa: “É muito imprevisível.” Olhando para o Direito Internacional, o investigador frisa que ainda hoje não é claro “se existe alguma obrigação dos Estados de redução dos gases de efeito de estufa”.

“No Acordo de Paris, não se fala em obrigação nacional, é uma contribuição. A única obrigação jurídica é comunicar”, explica. Aliás, tendo em conta que até hoje as decisões mais contundentes têm vindo de tribunais nacionais, a conclusão que retira, ainda que não seja categórico, é que os tribunais internacionais podem não ser “o melhor sítio para esta litigância climática”.