Cada cama hospitalar em Portugal produz seis a oito quilos de resíduos por dia. Os cuidados prestados a pacientes internados em unidades de saúde no país geram, todos os anos, cerca de 100 mil toneladas de materiais descartados. Isto quer dizer que, ironicamente, os espaços que cuidam da saúde da população contribuem muito para a degradação ambiental – e, por isso, a redução dessa pegada ecológica deveria ser “uma prioridade política”, defende o Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA).
“A experiência mostra que é possível melhorar. São exemplo disso a optimização da triagem dos lixos, a opção por materiais reutilizáveis, a racionalização dos conjuntos pré-formatados, o abandono da prescrição de inaladores ou de anestesia com gases com efeito de estufa, a opção por energias renováveis, uma melhor gestão dos equipamentos eléctricos e de ar condicionado, a utilização de lâmpadas LED ou a diminuição do desperdício alimentar, entre outros”, defende o CPSA numa nota de imprensa divulgada esta terça-feira, Dia Mundial da Saúde Ambiental.
O CPSA apela, nesse sentido, “à revisão urgente” da legislação em vigor sobre resíduos hospitalares, bem como à revisão da suspensão da reutilização de dispositivos médicos de uso único, prática corrente nos países da Europa com maiores Índices de Transparência e de Desenvolvimento Humano.
“O nosso enquadramento legal está obsoleto e impede a disseminação de práticas sustentáveis no sector da saúde. Como exemplos, apelamos à revisão urgente da legislação sobre resíduos hospitalares, que data de 1996, (despacho 242/96), que está em contraciclo com as orientações da Organização Mundial de Saúde”, refere o comunicado.
A cultura do descarte rápido
“Uma cultura do descartável e de facilitismo provocou exageros de consumos e hábitos, por vezes baseados numa promoção do medo, sem bases objectivas que o justifiquem”, sublinha o CPSA.
A comparação das taxas de reciclagem e de economia circular da União Europeia e de Portugal mostra, segundo o comunicado, que “temos um atraso profundo e que se continua a agravar”. O sector da saúde é responsável por 4,8% da emissão de gases com efeito de estufa do país, uma percentagem superior à média europeia.
Recordando que “a pegada ecológica de um doente em internamento é cerca de quatro vezes superior à de um cidadão vulgar”, o CPSA pede aos decisores políticos não só metas definidas de neutralidade carbónica, mas também a criação e aplicação de boas práticas de sustentabilidade ambiental nos estabelecimentos de saúde.
“Algumas dessas medidas são prática corrente nos países mais desenvolvidos e podem ser tomadas sem qualquer prejuízo da qualidade dos cuidados”, lê-se no documento, que sublinha ainda o facto de o enquadramento legal português estar “obsoleto”.
Uma só saúde
O CPSA exorta as organizações relacionadas com a saúde a assumirem um papel mais activo na luta climática e na protecção dos ecossistemas. E sublinha a importância do contributo que os próprios profissionais de saúde podem dar à causa ambiental, colocando assim em prática o conceito de “uma só saúde”.
A expressão “uma só saúde” foi usada pela primeira vez em 2003, num artigo publicado pelo cientista norte-americano William Karesh no jornal Washington Post. Uma vez que existe uma profunda interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental, cuidar das pessoas implica cuidar também do planeta e dos ecossistemas.
O CPSA foi criado em Outubro de 2022 e é liderado pelo médico internista Luís Campos, presidente da Comissão de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna.
A organização agrega hoje 62 organizações ligadas à área da saúde, todas elas comprometidas não só em mitigar o impacte da crise climática na saúde humana, mas também tornar as práticas no sector mais amigas do ambiente.
“Reduzir a pegada ecológica do sector da saúde exige uma estratégia nacional e tem que ser assumido como uma prioridade política. Todos, a todos os níveis, somos chamados a contribuir. Muitas destas medidas podem implicar investimentos a curto prazo, mas resultam em avultadas poupanças a médio e a longo prazo”, concluía Luís Campos num artigo de opinião publicado em Julho.