Madeira, 2023: a consolidação da alternância parcial

A questão relevante não é o pequeno refluxo das direitas coligadas; mais importante e surpreendente é a manutenção de uma maioria tão forte, 47 anos depois das primeiras eleições regionais: é obra!

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Ao fim de mais de 43 anos de eleições regionais, em 2019, o PSD perdeu a sua recorrente maioria absoluta nas eleições para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira e, pela primeira vez no arquipélago, foi obrigado a partilhar o poder no parlamento regional e, sobretudo, no governo. Nessas eleições, o PSD teve 21 deputados, com 39,42% dos votos (56.448) e precisou de juntar os deputados do CDS-PP (três deputados, com 5,76%: 8246 votos) para chegar à maioria absoluta. Recorde-se que são precisos pelo menos 24 num total de 47 deputados, eleitos num círculo único, bastante proporcional. Portanto, segundo a linguagem da Ciência Política, ocorreu então uma alternância parcial, pela primeira vez em 43 anos.

Em 2023, a ligeira erosão da maioria de direita, agora em lista conjunta (PSD com CDS-PP, que tinham governado em coligação, 2019-2023), continuou: os 43,13% dos votos representam uma perda absoluta e relativa de votos e lugares, tendo ficado a um deputado da maioria absoluta (23 lugares).

Todavia, por um lado, basta-lhes juntar um deputado para uma aliança parlamentar maioritária: podem facilmente ir buscá-lo à IL (Iniciativa Liberal) e/ou ao PAN (Pessoas, Animais e Natureza) – mais dois seria, aliás, o ideal, para uma maioria com menos eventuais sobressaltos (vide os Açores após 2020) e para uma imagem de uma maioria mais dialogante do que a do PS…

Por outro lado, não vão precisar do Chega para fazer maioria, facto que permite a Miguel Albuquerque não perder totalmente a face devido a ter dito que não governaria sem maioria absoluta.

Finalmente, neste domínio a questão relevante não é o pequeno refluxo das direitas coligadas, mais importante e surpreendente é a manutenção de uma maioria tão forte, 47 anos depois das primeiras eleições regionais: é obra! Mesmo que a falta de alternância completa signifique que a qualidade da democracia é problemática na Madeira…

Em 2019, as eleições regionais não resultaram apenas numa alternância parcial, permitiram a afirmação do PS como uma efetiva alternativa ao PSD: 35,76% dos votos (51207) e 19 deputados. Foram eleições muito renhidas e competitivas: a participação foi então (55,51%) maior do que em 2023 (53,34%), por isso mesmo. Pela primeira vez, a lista do PS, liderada pelo independente Paulo Cafofo, que tinha liderado uma "gerigonça" (sem o PCP-PEV) avant la lettre na Câmara do Funchal (2013-2017), a lista do PS, dizia, posicionava-se como uma efetiva alternativa ao PSD na Madeira. Foi esse élan que se perdeu, em 2023, passando o PS de 19 para 11 deputados (e 21,30% dos votos: 28844). O PS é claramente o maior perdedor da noite, sem sombra de dúvida. Pergunta-se: com que consequências e porquê?

Quanto às consequências, além da queda na participação, a perda de élan do PS libertou todo o voto útil à esquerda de 2019, o qual deixou de verificar-se em 2023: o PCP-PEV manteve o seu deputado, o BE e o PAN ganharam representação (um deputado cada), o JPP (Juntos Pelo Povo, um movimento cívico liderado por dissidentes do PS) passou de três para cinco deputados.

Mas a ausência de voto útil também terá funcionado à direita, com a IL a obter um deputado e o Chega quatro. O Chega é o segundo grande vencedor da noite, mas apenas em parte, porque ao não ser necessário para uma solução de governo, como foi nos Açores em 2020, tem claramente uma vitória agridoce.

Quanto ao porquê da enorme derrota do PS na Madeira, em 2023, haverá duas ordens de razões. Primeiro, fatores regionais: o cabeça de lista do PS era muito menos conhecido e carismático do que Paulo Cafofo, que além do mais tinha uma imagem de agregador político: vide a "geringonça" do Funchal, de 2013-2027. Segundo, há claramente que ter em conta os fatores nacionais: a penalização do PS regional pela governação do PS nacional.

Ao fim de 47 anos na oposição, é difícil perceber como o PS não só não se afirma como alternativa face ao PSD como recua enormemente nesse estatuto face a 2019. Tal só é explicável por efeitos negativos da governação nacional. O PS nacional foi eleito em 2022 com uma plataforma de valorização salarial e de reforço dos serviços públicos: recorde-se o objetivo de aumentar o peso dos salários, face ao capital, no PIB, durante a legislatura 2022-2026. Mas esta é claramente uma promessa grosseiramente incumprida: recordem-se os aumentos de salários a cresceram muito abaixo da inflação (0,9%, em 2022, e 3% nalgumas categorias, sobretudo das profissões científicas e técnicas assalariadas do Estado, em 2023) e o aumento exponencial dos lucros da banca, da distribuição e das petrolíferas, em 2022 e 2023.

Acresce que a insatisfação e os insucessos na Educação e na Saúde evidenciam que o PS não incumpre apenas a promessa de valorização salarial, incumpre também a promessa de reforço dos serviços públicos. Daí o enorme castigo na Madeira, em 2023, que irá provavelmente continuar nas europeias de 2024, etc., a não ser que haja inflexão profunda de rumo… E mesmo que seja plausível, o que não é nada líquido, resta ver se ainda viria a tempo…

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico do PÚBLICO

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