No mar, a estratégia da Rússia “baseia-se na intenção de causar danos e escapar impune”
Tenente-general Hans-Werner Wiermann, da Célula de Coordenação para a Protecção da Infra-estrutura Crítica Submarina da NATO, diz que Moscovo “está a investir em capacidades marítimas há décadas”
O tenente general Hans-Werner Wiermann dirige a Célula de Coordenação para a Protecção da Infra-estrutura Crítica Submarina que a NATO decidiu estabelecer no rescaldo da sabotagem do gasoduto Nord Stream e funciona no gabinete do secretário-geral da aliança. É um sinal da importância política atribuída à vigilância e protecção da vasta rede de tubos e cabos que assegura a vida moderna — do fornecimento de energia às comunicações e serviços financeiros — que se tornou um alvo.
O que é que as nações e a NATO podem fazer para garantir a segurança de infra-estruturas críticas?
O nosso objectivo é conseguir detectar e identificar comportamentos suspeitos em tempo real, e, para isso, dispomos da capacidade crescente das imagens de satélite, ópticas e infravermelhas. No futuro não muito longínquo, teremos provavelmente a capacidade de vigiar constantemente certas partes do oceano. Isso é importante porque envia um sinal de dissuasão ao inimigo, seja este a Rússia, um outro país, ou um actor não-estatal. Nós temos os meios necessários para proteger esta infra-estrutura, e temos todo o conjunto de ferramentas da NATO, desde medidas diplomáticas a medidas militares, para lidar com qualquer caso concreto. Se detectamos algo suspeito, podemos mostrar que estamos presentes, através de uma aeronave ou um navio. Temos a opção de verificar se algo foi largado sobre a infra-estrutura. O que precisamos, acima de tudo, é de ter uma base sólida de informação e de conhecimento da situação, para poder levar o caso ao Conselho do Atlântico Norte para uma avaliação.
Sabemos o suficiente sobre a actividade dos navios russos que andam a percorrer a costa de vários países aliados, no Báltico, no mar do Norte ou no Atlântico, como aqui em Portugal?
A Rússia está a investir em capacidades marítimas há décadas, desde o início da Guerra Fria. Sabemos que há um programa russo de investigação submarina, que utiliza navios de guerra e navios científicos. Temos uma boa noção onde eles estão. Estes navios operam em todo o lado: podem estar aqui agora e dentro de um mês no Pacífico. Mas também sabemos que a Rússia está a utilizar embarcações pesqueiras como arrastões, navios da marinha mercante como porta-contentores, e petroleiros, para mapear as nossas infra-estruturas críticas. Tudo isto faz parte de uma estratégia híbrida – e uma estratégia híbrida baseia-se na intenção de causar danos e escapar impune, sem ser identificado.
A sabotagem de infra-estruturas críticas é a principal ameaça, ou também existe um risco de espionagem?
A questão da espionagem de cabos entre os Estados Unidos e a Europa é do tempo da Guerra Fria, ligada à guerra anti-submarina. Não é uma questão agora, porque já não é esse o estado da arte. Se queremos fazer espionagem e aceder a centros de dado já não precisamos de mergulhar, podemos fazê-lo quase sem deixar rasto. Ainda é possível escutar os cabos, sem dúvida, mas isso obriga sempre a instalar um dispositivo, por mais pequeno que seja, que pode ser detectado. Quando falamos com a Google ou a Meta, o que eles nos dizem é que partem sempre do princípio de que vão ser “escutados” em qualquer altura e em qualquer lugar. Eles partem do pressuposto de que haverá sempre alguém a querer controlar os nossos dados, por isso, para garantir uma ligação segura aos seus clientes, tratam de encriptar as mensagens na fonte onde os dados são gerados.
É possível antecipar um cenário em que um ataque contra infra-estruturas críticas possa levar à invocação do artigo 5.º da defesa colectiva?
Não há uma receita para decidir sim ou não, cada caso é um caso e é diferente. Trata-se de uma decisão puramente política, que tem alguns critérios ligados à Carta das Nações Unidas neste contexto. A questão interessante tem a ver com os danos que devemos considerar para fazer uma avaliação: um corte num oleoduto tem efeitos ambientais generalizados que podem ser muito nefastos, um corte num cabo de fibra óptica pode fechar a City de Londres, e ter um impacto devastador sobre o sector financeiro, ou pode parar cirurgias controladas remotamente e provocar centenas ou milhares de mortes. Por isso, diria que dependendo da gravidade das consequências do acto, o Conselho do Atlântico Norte fará uma avaliação diferente, e os aliados assumirão uma resposta diferente. Ao mesmo tempo, chamo a atenção para uma declaração repetida no Conceito Estratégico da NATO, de que um ataque híbrido pode equivaler a um ataque armado, que pode gerar uma resposta defesa colectiva. Parece-me óbvio que um ataque a infra-estruturas submarinas críticas corresponde a um ataque híbrido, portanto se somarmos um mais um, chegamos às discussões do artigo 5.º. É aí que estamos.