Uns cantam, outros escrevem sobre romance

Os níveis de romance nunca estiveram tão baixos. Não há estudos que revelem os ditos valores. De qualquer das formas, o romance não se estuda: pratica-se e sente-se.

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Megafone P3: Uns cantam, outros escrevem sobre romance Git Stephen Gitau/Pexels
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Sei a que é que Alex Turner se refere quando canta “And there's the truth that they can't see / They'd probably like to throw a punch at me / And if you could only see 'em, then you would agree / Agree that there ain't no romance around there”.

É certo que o então adolescente fluorescente procurou fazer um desenho da indústria musical britânica e internacional da época, mas é notório que aproveitou a letra de A Certain Romance para sintetizar uma das mais belas e importantes experiências da juventude, também britânica e internacional: o romance — neste caso, a falta dele.

Em Whatever People Say I Am, That's What I’m Not, Turner escreve sobre os jovens ingleses de Sheffield. À partida, semelhanças entre determinadas ocorrências na cidade inglesa no início dos anos 2000 e fenómenos que, hoje, tomam lugar nas cidades portuguesas mostram-se improváveis, mas verificam-se. Resta-nos saber porquê.

Sabemos é que também por aqui não há romance — ou o que existe anda pelas ruas da amargura. Os jovens casais continuam por aí, mas os níveis de romance nunca estiveram tão baixos. Contudo, não há estudos que revelem os ditos valores. De qualquer das formas, o romance não se estuda: pratica-se e sente-se. Trata-se de uma questão geracional.

Hoje, as pessoas conhecem-se, mesmo que não se conheçam. Não deixa de ser impressionante como, a partir de algoritmos macabros e de redes sociais com fins suspeitos, as pessoas têm a possibilidade de não de se conhecerem, mas de saberem, meramente, quem é quem — não conhecemos ninguém, mas sabemos quem é toda a gente e acabamos por saber demais: não conhecemos, mas sabemos que cursou leis; não conhecemos, mas sabemos que esteve em Budapeste; não conhecemos, mas sabemos que jantou no Panda Cantina na terça-feira passada; não conhecemos, mas sabemos que tem um Border Collie.

Por isso, como sabemos tudo, mas não conhecemos nada, nem sempre consideramos meter conversa na noite, porque é para isso e por isso que temos a idade que temos. Devemos assumir as nossas falhas: somos todos uns grandes covardes e temos receio — com cada vez mais frequência, basta-nos aquilo que vemos na superfície dos nossos telemóveis e distanciamo-nos das superfícies de outras peles. Assim, falamos menos e, quando ou se falamos, fazemo-lo com pouca convicção, isto é, sem romance na ponta da língua.

Já discuti este ponto com amigos que não são, de todo, a voz da razão neste e noutros assuntos, mas é nos amigos em quem devemos confiar. Também eles sentem que, em Lisboa, sobretudo, o romance tem os dias contados. Normalmente, costumo puxar este tema apenas com aqueles amigos que já leram, de trás para a frente e de frente para trás, a obra de Miguel Esteves Cardoso, cujos tratados sobre o romance fazem dele o académico de referência.

Quase sempre, concluímos que estamos por nossa conta: não nos parece que, no nosso caso, a CML auxilie os jovens da cidade neste ponto. Realmente, porque é que os autarcas devem estar preocupados em resolver o problema da habitação de Lisboa se, depois, as pessoas constroem existências e lares desprovidos de romance?

Ainda assim, confio em nós — e confio na música que, no interior de uma boîte ribeirinha, é seleccionada pelo DJ de serviço, porque só ele sabe como recuperar o romance na vida dos jovens que fazem desta cidade a sua casa: normalmente, escolhe um tema indie rock, conhecido e cantado por todos. Daí que as noites lisboetas continuam intensas. No interior de bares e discotecas bafientas, beijos continuam a ser dados e promessas, totalmente sustentadas por suspiros alcoólicos, são feitas — mas apenas para caírem no esquecimento no momento em que o Sol triunfa sobre a linha distante do Tejo.

Enfim, no fim, os cigarros caem e os copos sobem. Os corpos aproximam-se e as vozes, também. A noite está perto do fim, mas a juventude ainda está longe de acabar. O DJ não tem noção do poder que reúne, mas ele é um agente decisivo; na escuridão da discoteca, ninguém repara nele, mas todos escutam o que ele tem a dizer. Entra uma nova música e chegam as baterias e as guitarras. E as pessoas cantam — as pessoas cantam mal, mas cantam.

Não nos iludamos: é o álcool a falar. Mas é quando ele fala, Alex Turner canta e MEC escreve, que o romance, afinal, aparece, fica e não se vai embora — mesmo que os académicos e os estudiosos do romantismo da era virtual escrevam sobre a sua iminente falência.

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