Carros chineses: Bruxelas defende que “não há razão” para retaliações de Pequim
Comissário da pasta da Economia vê como possível uma reacção negativa da China, mas defende que é preciso uma averiguação “séria”.
O responsável pela pasta da Economia na Comissão Europeia admite que é possível que a China tente responder à investigação por eventuais práticas de dumping nos carros eléctricos chineses, anunciada na semana passada pela presidente do executivo europeu, Ursula von der Leyen, mas argumenta que "não há razão" para retaliações.
"Não há uma razão específica para haver retaliações", defendeu o comissário Paolo Gentiloni, "mas há sempre essa possibilidade de as haver", prosseguiu, na última sexta-feira, falando aos jornalistas em Santiago de Compostela, na região espanhola da Galiza, onde se reuniram os ministros das finanças dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE). "Temos de olhar para isto de forma séria."
No seu mais recente discurso sobre o estado da União, Von der Leyen anunciou a abertura de um procedimento de averiguações para determinar se as subvenções estatais concedidas por Pequim aos fabricantes de carros eléctricos na China desvirtuam as regras no mercado interno europeu, ao permitir que esses modelos sejam postos à venda na UE a preços mais baixos do que os da concorrência.
A questão central para Bruxelas é apurar se os preços de venda estão abaixo do custo de produção – e nesse caso haveria dumping – ou se, pelo contrário, decorre de vantagens competitivas da China, que controla praticamente toda a cadeia de abastecimento dos carros eléctricos, ao contrário da UE, que depende do lítio e das baterias importadas, material que representa até 40% do custo de produção de um carro eléctrico.
Na definição do Parlamento Europeu, há dumping "quando as empresas estrangeiras que procuram ter acesso ao mercado europeu vendem os seus produtos a preços anormalmente baixos". É uma "forma de concorrência desleal" porque "os produtos são vendidos a um preço que não reflecte o custo real". "Isto torna extremamente difícil que
A preocupação com eventuais práticas anti-concorrenciais já tinha sido referida em Junho pelo comissário Thierry Breton, responsável pelo mercado interno. Nessa altura, Breton defendeu a abertura dessa investigação, que se concretiza agora. O procedimento arranca na mesma altura em que o vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovskis, que tutela a pasta do comércio, viaja para a China, numa deslocação que já estava programada. A investigação pode demorar até nove meses.
Se se concluir que há práticas de dumping por parte dos fabricantes chineses, a resposta pode ser a imposição de taxas aduaneiras sobre eléctricos importados para a UE, taxas essas que podem ir até aos 27,5%.
O anúncio por parte de Von der Leyen mereceu uma resposta em tom ameaçador por parte do Governo chinês. O Ministério do Comércio classificou a investigação como um "evidente acto de proteccionismo" que "vai distorcer e dividir a cadeia logística da indústria automóvel mundial, incluindo a da UE, e terá um impacto negativo nas relações comerciais e económicas entre a China e a UE".
No mercado português, os modelos de carros 100% eléctricos de marcas chinesas estavam com preços médios 10% a 14% mais baixos do que os seus concorrentes mais directos de fabricantes ocidentais, segundo contas feitas pelo PÚBLICO em Junho.
A UE precisa do lítio e das baterias feitas na China para os carros eléctricos que produz no seu espaço geográfico, porque está longe de ser auto-suficiente nesses componentes. Em caso de retaliação, a China pode limitar essas exportações para a UE ou agravar os preços. A perspectiva de uma guerra comercial começou a pairar no horizonte, mas foram os fabricantes chineses cotados em bolsa que sentiram de imediato os efeitos negativos do anúncio de Von der Leyen, com as acções a desvalorizarem nas horas seguintes.
Em 2022, as marcas chinesas tinham uma quota de 8% no mercado europeu de veículos eléctricos, segundo dados compilados pelo Citigroup e citados hoje pela agência Bloomberg.
No entanto, com preços médios 20% abaixo dos dos rivais, a mesma fonte estima que a quota possa quase duplicar para 15% até 2025.
Os fortes laços comerciais entre os dois blocos tornam a posição europeia relativamente difícil de gerir. Bruxelas quer reduzir ao mínimo os riscos de dependência da China em sectores estratégicos da economia, como a área dos semicondutores, da inteligência artificial e da computação quântica, por exemplo, mas quer fazê-lo sem cortar laços.
Em inglês, o desafio de Bruxelas é fazer o de-risk sem fazer o de-coupling. Cortar laços pode ter efeitos negativos maiores na economia europeia actual, por exemplo no sector dos automóveis, dada a elevada exposição da indústria europeia (designadamente os grupos alemães como VW, Mercedes ou BMW) ao mercado chinês.