Não me dês moral, dá-me um ideal social, um Pêra Manca branco banal

Os munícipes de Oeiras estão dispostos a abdicar de princípios em nome do desejo que têm de que as coisas funcionem.

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Em Oeiras, o presidente de câmara foi escolhido mediante um fascinante processo. Os munícipes, eleitores, são pessoas instruídas; diz-se que é o concelho com maior número de licenciados e doutorados. Diz-se também que são eleitores com elevado poder de compra. Certo é que, nas eleições autárquicas, continuam a fazer de conta que não têm acesso a informação.

Mas falava-vos do processo. Tem de existir uma justificação para os oeirenses escolherem para presidente de câmara um homem que já foi condenado por evasão fiscal e branqueamento de capitais e que até já cumpriu pena.

Será uma questão de empatia? Talvez, mas apostaria noutra coisa. Os munícipes de Oeiras estão dispostos a abdicar de princípios em nome do desejo que têm de que as coisas funcionem. Para muitos, Isaltino dá essa garantia. Com ele, há um concelho dinâmico e empreendedor. Oeiras funciona e os munícipes têm a vida de que gostam ou, pelo menos, a vida facilitada.

Continuamos, assim, a ter Isaltino Morais na cena política. Um homem que conheceu a prisão mas que, em momento algum, perdeu a confiança no seu capital eleitoral. Quando Isaltino foi preso, um homem da sua mão saltou para a linha da frente: Paulo Vistas. Identificava-se como pertencendo ao movimento de Isaltino e anunciava Oeiras mais à frente. Todos sabiam o que de facto viria mais à frente e identificaram o voto em Paulo Vistas como sendo o voto possível em Isaltino. Resultado? Paulo Vistas ganhou as eleições autárquicas em 2013.

Mas a seguir seria o regresso de Isaltino, e Paulo Vistas, que entretanto tinha ambições próprias, não teve qualquer hipótese. O povo de Oeiras não queria o substituto, queria o original, e o original estava de volta ao ativo, vindo da prisão.

É dessa invencibilidade que Isaltino Morais é feito. Um homem que tem boas razões para crer que em Oeiras ninguém tem capacidade ou popularidade para lhe ganhar em eleições. Talvez seja essa a explicação para a oratória impune de Isaltino Morais e refiro-me especialmente à da sua intervenção na última Assembleia Municipal de Oeiras, onde se justificou relativamente a acusações de que teria esbanjado o erário público em centenas de almoços de luxo.

Isaltino nada temeu. Em vez de ser evasivo ou de falar do assunto de forma contida, vimos Isaltino destravar a fundo. Fez um discurso longo e vibrante, através do qual ficámos a saber muito sobre restauração no concelho de Oeiras. Os nomes de dezenas de restaurantes e as especialidades de cada um deles. Pois se não conhecem o arroz de lavagante do Galego, deveriam conhecer. “Ainda há quem fique deslumbrado com um arroz de lavagante”, disse Isaltino. De facto as pessoas deixam-se impressionar por aquilo que não podem fazer. Mas para Isaltino é um prato do dia e não há aqui razão para alvoroços.

Havia mais: “E o Faustino? Um dos melhores cozidos do mundo”, mas também pataniscas e peixinhos da horta, peixe grelhado, marisco a preços módicos, etc. Notem que o preço é aqui uma questão importante. Isaltino faz questão de que se saiba que não tem gastos perdulários. Nada disso. Por exemplo, é verdade que bebe vinho Pêra Manca, mas é Pêra Manca branco, que custa um décimo do Pêra Manca tinto. O tal jornalista que falou apenas em Pêra Manca — criando a ilusão de que Isaltino bebia tinto não foi nada rigoroso, atenção.

Este assunto do vinho Pêra Manca não é de menor importância. Através dele podemos ter uma noção da falta de noção de Isaltino. O branco custa, segundo Isaltino, cerca de 55 euros, enquanto o tinto cerca de 500 euros. Isaltino esclarece os oeirenses: é que nas suas facturas estava apenas vinho Pêra Manca branco, ou seja, um vinho banal. Não venham com moralidades, está tudo bem. Se arroz de lavagante é prato do dia, Pêra Manca é vinho da casa.

Vi muitas pessoas irritadas com Isaltino, desde logo a deputada à Assembleia Municipal, da IL, Mariana Leitão. Lamento, mas estão a bater à porta errada. Isaltino Morais cumpre o seu mandato e procede de acordo com as expectativas. A única surpresa que pode existir aqui é que diz estar a fazer um sacrifício enorme; que está farto de almoçaradas e que tenta emagrecer. Já bebe uns copinhos de água e petisca umas saladas. Se os oeirenses sabem desta singeleza ainda mudam de candidato.

Isto irrita-vos? Apontem para os oeirenses ou para a própria democracia.

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