Eleições na Madeira: clima de tensão perdura há décadas na relação com a República

A região queixa-se do poder “centralista” do Governo da República; António Costa diz que “a Madeira não gosta do PS”.

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A nova lei das drogas foi o mais recente foco de tensão entre a Madeira e o governo da República Miguel Nobrega

O programa Mais Habitação e a lei da droga entraram este ano no rol das queixas da Madeira à actuação do Governo central, reforçando o contencioso que marca há décadas o relacionamento entre o arquipélago e Lisboa.

O executivo regional (PSD/CDS-PP), liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque, entende que a nova lei da droga vai agravar o tráfico e o consumo na região, onde o impacto das novas substâncias psicoativas é particularmente expressivo, e, por outro lado, no caso do pacote da habitação, considera que o fim dos "vistos gold" penaliza a economia insular.

A tensão entre os governos da Madeira e da República subiu assim de tom, numa altura em que a região se prepara para ir a eleições legislativas, marcadas para 24 de Setembro, com Miguel Albuquerque a concorrer a um terceiro mandato, agora à frente da coligação Somos Madeira - PSD/CDS-PP.

Albuquerque, que assumiu a presidência do PSD/Madeira e do Governo Regional em 2015, herdou e prosseguiu o contencioso com a República iniciado por Alberto João Jardim, que liderava o executivo e o partido na região desde 1978, e manteve-o após 2019, quando os social-democratas perderam pela primeira vez a maioria absoluta e formaram um governo de coligação com o CDS-PP.

O primeiro-ministro socialista, António Costa, que também tomou posse pela primeira vez em 2015, tornou-se alvo de inúmeras críticas do executivo madeirense, que o acusa de ser o governante "mais centralista" da Europa e de "falta de solidariedade" para com as regiões autónomas.

Entre as matérias que o executivo regional reivindica, contam-se a clarificação do financiamento do novo hospital da Madeira (obra orçada em 340 milhões de euros), os encargos com os subsistemas de saúde do Estado que são pagos pela região (a dívida já ultrapassou os 30 milhões de euros), o regime da zona franca, o subsídio de mobilidade aérea e os elevados preços cobrados pela TAP nas passagens para o continente, as ligações marítimas e, sobretudo, a revisão da Constituição e da Lei das Finanças Regionais.

Também na Assembleia da República é comum os três deputados social-democratas eleitos pelo círculo madeirense lamentarem o tratamento dado à região.

Quando António Costa anunciou a composição do seu terceiro executivo, saído das eleições de 30 de Janeiro de 2022, que o PS venceu com maioria absoluta, Miguel Albuquerque deu sinais de querer abrandar o conflito, ao classificar o novo Governo da República como "mais equilibrado" e manifestando "total disponibilidade" para colaborar.

"A Madeira não gosta do PS"

Mas, em poucos meses, a situação voltou à "estaca zero", com o PSD e o executivo regionais a criticar os "chumbos permanentes" das pretensões da Madeira em sede de Orçamento do Estado, o que ocorreu também com o documento aprovado para 2023.

Já em Junho deste ano, foi a vez de António Costa se queixar do estado da relação com a Madeira. "Sabemos que a Madeira nem sempre gosta do PS, mas os madeirenses podem estar certos de que o PS gosta da Madeira", disse, falando na qualidade de secretário-geral do partido, durante as jornadas parlamentares que decorreram na região.

Albuquerque criticou o "tom paternalista" de António Costa, mas corroborou a opinião de que "os madeirenses não gostam do PS", explicando que "ninguém pode gostar de quem os trata de forma discriminatória".

Antes, a tensão tinha subido por causa do pacote da habitação, apresentado em Março de 2023, com a região a defender uma "solução específica" para o arquipélago e a recusar algumas das medidas, como o mecanismo de arrendamento forçado de habitações devolutas, o condicionamento da actividade de alojamento local (entretanto foi confirmado que a suspensão de novas licenças não se aplica nas ilhas) e o fim do programa de Autorizações de Residência para Actividade de Investimento, vulgarmente designado por "vistos gold".

Mais tarde, em Agosto, a lei da droga motivou outro momento de tensão, já que as autoridades regionais consideram que vai contribuir para aumentar o tráfico e o consumo, agravando a problemática da toxicodependência no arquipélago, ao determinar que a quantidade em posse das pessoas constitui apenas um "mero indício de que o propósito pode não ser o de consumo".

O parlamento regional solicitou ao Presidente da República que não promulgasse a nova lei, alegando "violação da Constituição da República Portuguesa", e Marcelo Rebelo de Sousa enviou o decreto para o Tribunal Constitucional, considerando a "falta de consulta" dos órgãos de governo das regiões autónomas da Madeira e Açores, mas este "decidiu por unanimidade não se pronunciar pela inconstitucionalidade".

Miguel Albuquerque reagiu declarando que as decisões do Tribunal Constitucional "têm sido sempre contra a Madeira".

Para as eleições de 24 de Setembro, foram validadas 13 candidaturas: PTP, JPP, BE, PS, Chega, RIR, MPT, ADN, Somos Madeira (coligação PSD/CDS-PP), PAN, Livre, CDU -- Coligação Democrática Unitária (PCP/PEV) e IL.

Em 2019, o PSD perdeu pela primeira vez a maioria absoluta na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que detinha desde 1976. Elegeu 21 deputados e formou um governo de coligação com o CDS-PP (três deputados). O PS elegeu 19 deputados, o JPP três e o PCP um.