Líderes do G20 à procura de uma declaração conjunta que agrade a (quase) todos
A anfitriã Índia garante que a declaração final está praticamente acabada. Ucrânia, China e Rússia são os maiores obstáculos, mas há sinais de distanciamento de Pequim em relação a Moscovo.
Da última cimeira do G20, em Novembro passado em Bali, saiu uma declaração conjunta que mostrava as “diferentes avaliações da situação” na Ucrânia. Na cimeira que começa neste sábado em Nova Deli, capital da Índia, e apesar da pressão diplomática dos Estados Unidos e aliados ocidentais, a história ameaça repetir-se: como chegar a uma linguagem que, no mínimo, não desagrade a toda a gente quando se trata de condenar a invasão russa da Ucrânia.
A anfitriã Índia garantiu, nesta sexta-feira, que os membros do G20 estavam prestes a finalizar a declaração conjunta, sugerindo que os negociadores fizeram progressos para colmatar as diferenças no grupo quanto à guerra na Ucrânia.
Os negociadores das 20 principais economias mundiais lutam há vários dias para chegar a acordo sobre a linguagem do documento, na esperança de conseguir a adesão de Moscovo e Pequim, para produzir uma declaração que aborde também problemas globais urgentes, como a dívida e as alterações climáticas.
“A declaração dos líderes de Nova Deli está quase pronta, não gostaria de me alongar sobre ela”, afirmou Amitabh Kant, o principal negociador da Índia, numa conferência de imprensa. “Esta declaração será recomendada aos líderes.”
Dos líderes que começaram nesta sexta-feira a aterrar na capital indiana, o destaque está nas ausências: Vladimir Putin e Xi Jinping far-se-ão representar por Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, e por Li Qiang, primeiro-ministro da China, respectivamente. E, tal como aconteceu na Indonésia no ano passado, é de Moscovo e Pequim que vêm os principais entraves às palavras a usar na declaração final.
“Nos contactos preparatórios ao nível dos sherpas [negociadores] das diferentes delegações, o que se está a confirmar é que, com as tensões e os bloqueios, há uma grande dificuldade em encontrar consensos, pelo que não é seguro que se possa aprovar um comunicado final. Poderá ser só uma declaração final por parte da presidência indiana, e aí tem de se ver quem é que a subscreve. Do ponto da vista da UE, se no final houver acordo de 19 contra 1 [a Rússia], será uma reunião muito bem-sucedida”, disse ao PÚBLICO esta semana uma fonte diplomática europeia, para quem o rascunho apresentado pela Índia não era “satisfatório para os países da UE e do G7”.
“A dificuldade é que a China e a Rússia estão a recusar qualquer alteração, aliás, nem sequer estão a aceitar reproduzir a linguagem da declaração da cimeira de Bali”, afirmou a mesma fonte.
A China garantiu nesta sexta-feira que está disposta a trabalhar com todas as partes e a pressionar para um resultado positivo na cimeira. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning, fez as declarações depois de meios de comunicação social terem relatado que o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, culpou a China por atrasar um acordo sobre várias questões, incluindo a Ucrânia.
Sunak iria instar o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, a “chamar a atenção” da Rússia para a sua invasão e a usar a sua influência para ajudar a pôr fim à guerra, noticiou na quinta-feira o Financial Times.
Chegar a um texto final forte e consensual que reflicta a posição comum dos membros do G20 é uma tarefa quase impossível, mas a Índia está mobilizada ao mais alto nível para que a “sua” cimeira seja um sucesso. E isso implica que todos os parágrafos têm de ser exaustivamente negociados e aprovados pelas delegações, um processo por causa da Rússia, mas também da China.
Mas há indicações de que, do lado chinês, há menos obstrução do que em anteriores cimeiras. A China tem sido modesta nas suas intervenções e não tem acompanhado a posição da Rússia em cada ponto, como antes, deixando Moscovo manifestamente isolada, nomeadamente quanto à tentativa recorrente da Rússia de usar a questão das sanções para justificar os problemas de escassez alimentar causados pela guerra, retórica que já não convence as economias emergentes, descontentes com o fim do acordo dos cereais do mar Negro. Com Rita Siza, Bruxelas