Google em 2005: a minha década dentro do gigante da tecnologia
Filipe Almeida conta como foi trabalhar na Google entre 2005 e 2015. No começo, “a empresa defendia a transparência de uma forma invulgar e sem precedentes”. Um tempo que já não volta.
Entrei para a Google no Verão de 2005, apenas sete anos após a sua fundação por Larry Page e Serguei Brin, período que ainda considero como os primórdios da empresa. Durante a minha década de trabalho, que terminou em 2015, a força de trabalho da Google aumentou 35 vezes e o crescimento das receitas foi ainda mais surpreendente. Apesar de já ter passado quase uma década desde a minha saída, guardo boas recordações desses anos.
Em 2004, apenas um ano antes de eu entrar para a Google, o Gmail revolucionou o correio electrónico ao disponibilizar um espaço de armazenamento sem precedentes de 1GB, mais de dez vezes superior ao oferecido pela concorrência. Estas acções audaciosas, que deixaram muitos fora da Google a questionar a sua viabilidade financeira, eram a essência da empresa: "Lançar algo em grande agora e descobrir como rentabilizá-lo mais tarde" — parafraseando o que ouvi muitas vezes durante os meus anos na empresa.
O mesmo espírito aplicou-se quando a empresa adquiriu o YouTube. Embora a plataforma estivesse a servir um grande número de vídeos online gratuitamente — na altura, os criadores tinham de pagar pelo tráfego da Internet —, a Google acreditava tanto no seu potencial que estava disposta a geri-la com prejuízo durante os primeiros anos, enquanto procurava uma estratégia de monetização. E essa espera valeu a pena, pois actualmente a plataforma de vídeo representa mais de 10% das receitas globais.
O meu percurso começou com uma breve passagem por Mountain View, na Califórnia, em 2005. A Google dava as boas-vindas aos novos contratados com três meses de formação na sede principal antes de os enviar para as suas localizações permanentes — a minha foi em Zurique, na Suíça, apenas para me mudar cinco anos mais tarde para Silicon Valley. O Googleplex — a sede da empresa — evocava a energia de um campus universitário movimentado ou, talvez, o que ouvi do dinamismo histórico dos Bell Labs — o local de nascimento do transístor.
Entrar no Googleplex foi como mergulhar no centro nevrálgico da inovação digital. O edifício, anteriormente propriedade da Silicon Graphics, irradiava uma aura moderna e futurista com as suas arestas vivas. Apenas um ano depois, uma réplica da nave espacial One, da Virgin Galactic, foi suspensa no tecto do átrio principal. Para mim, isto era mais do que uma exibição: simbolizava a procura da Google em explorar o desconhecido.
A empresa defendia a transparência de uma forma invulgar e sem precedentes. Todos os engenheiros tinham acesso a toda a documentação, código-fonte, planos de futuro e demonstrações internas de produtos e funcionalidades ainda por lançar. A Google chamava a estes testes iniciais dos funcionários “dogfooding”, ou seja, “comer a comida do cão”, para limar as arestas dos produtos antes de estarem prontos para adopção alargada.
Os funcionários eram também incentivados a aventurar-se fora das suas responsabilidades imediatas e a investir 20% do seu tempo em projectos exploratórios. Esta cultura aberta deu origem a inovações como o Gmail. De facto, os funcionários eram tão fortemente encorajados a colaborar com outras equipas que, se algo não funcionasse noutro produto, éramos encorajados a enviar um pedido de correcção — que é uma gíria técnica para submeter uma alteração ao código do software para resolver um problema específico.
Outra atracção do campus era o Charlie's Café, que recebeu o nome do seu primeiro chef de cozinha, que foi o antigo chef da banda The Grateful Dead. O café dispunha de um vasto buffet com ofertas que iam desde pizzas a vários peixes, carnes e entradas, sobremesas e gelados.
A empresa também organizava sessões TGIF — Thank God It's Friday (Graças a Deus que é sexta-feira) — onde todas as sextas-feiras eram partilhados anúncios internos e planos futuros. Mas o ponto alto foi a sessão de perguntas e respostas sem guião com os fundadores, mostrando a abertura sem paralelo, naquele tempo, da cultura da empresa. As perguntas versavam sobre a futura direcção da empresa, mas ocasionalmente surgiam perguntas incómodas, que colocavam os fundadores no centro das atenções. Dito isto, à medida que a empresa crescia, também cresciam os riscos, e a abertura destas sessões passou para segundo plano, mas continuaram a ser interessantes até ao dia em que saí.
Depois de me adaptar ao ambiente da Google, comecei a minha jornada como engenheiro de segurança na equipa ISE, que significa Information Security Engineering (Engenharia de Segurança da Informação). Tive o privilégio de avaliar os futuros produtos Google para garantir que eram criados com medidas de segurança robustas. A nossa missão era clara: integrar a segurança nos produtos Google para que estes permanecessem protegidos e seguros para os utilizadores. Trabalhei com produtos tais como o Gmail e o Google Docs até ao YouTube e às estruturas fundamentais do que mais tarde viria a ser a infra-estrutura Google Cloud, e até investi bastante tempo a fortalecer o sistema de contas — a espinha dorsal do acesso dos utilizadores aos serviços da Google.
Por volta do meu quinto ano na Google, depois de me mudar para Silicon Valley, passei de uma função que consistia principalmente em identificar problemas de segurança para uma que envolvia a criação e o desenvolvimento de sistemas. Esta fase foi particularmente enriquecedora, marcando a minha transição para funções de produção de software. Desenvolvi grande parte da infra-estrutura utilizada para o início de sessão e protecção das contas na Google, como por exemplo o “iniciar sessão” no Gmail. A emoção não era apenas a de escrever código; era saber que o meu trabalho tinha impacto em mais de mil milhões de pessoas. A escala da Google já era avassaladora, pois até o sistema mais pequeno processava pedidos mais de um milhão de vezes por segundo.
À medida que o Verão de 2015 se aproximava, marcando a minha jornada de uma década na Google, senti os ventos da mudança. Não é que o meu amor pela Google tivesse diminuído, mas o panorama da empresa tinha-se transformado drasticamente. Vi algumas equipas crescerem de apenas três membros para mais de cem. Senti que precisava de regressar à agilidade e à rapidez dos primeiros tempos. Nesse mesmo ano, dei o passo em frente e juntei-me à Snap — uma empresa relativamente pequena na altura. Fiquei lá durante mais de sete anos e foi fascinante observar muitos dos padrões familiares de uma empresa jovem a transformar-se numa empresa grande.
Durante o ano passado, dei por mim a precisar de dar um passo atrás para respirar e reflectir. Tendo estado afastado do mundo empresarial durante alguns meses, encontro-me numa licença sabática auto-imposta. Estou a viajar, a explorar e a aprender novos assuntos e objectivos, que vão desde tornar-me fluente em espanhol a aprender a construir sistemas de inteligência artificial, um tópico recentemente impulsionado pelo ChatGPT. Embora esteja ansioso por voltar a entrar no mundo profissional, estou novamente inclinado a juntar-me a uma equipa mais pequena ou a criar algo próprio.
Reflicto nos meus anos na Google com nostalgia e vejo-os como algo mais do que um simples emprego. Tratava-se de fazer parte de algo revolucionário e, mesmo que apenas por um momento, testemunhar o futuro em construção.
Filipe Almeida é Principal Information Security Engineer nos EUA