Ao fim de 40 anos, Vicente não queria sair da prisão

Até há pouco, nem tinha registo de nascimento. Saiu graças à nova lei de saúde mental, que acabou com o internamento perpétuo de inimputáveis. A sua história é um enigma que só se decifra em parte.

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PP - 14 SETEMBRO 2023 - VICENTE PUBLICO Paulo Pimenta
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A notícia chegou-lhe pelo pequeno rádio a pilhas. No dia 20 de Agosto de 2023, com a entrada em vigor da nova lei de saúde mental, seriam libertados todos os inimputáveis cuja medida de internamento ultrapassara a pena máxima prevista para o crime cometido.

Assustou-se. Estava encarcerado havia quase 40 anos. O que seria a vida para lá do muro de pedra que rodeia o Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos? O que seria a vida sem “as doutoras”, os guardas, os colegas?

Tantas ideias lhe passaram pela cabeça. “Há muitos que vão sair. Vão fazer-me a vida impossível. Já começaram a aborrecer. ‘Ai vou matar o Vicente.’ ‘Ai vou roubar o Vicente.’ Eu quero ficar mais dois anos na cadeia. Eu não quero ir embora. Eu estou bem.”

Imaginava-se a falar com o juiz do Tribunal de Execução de Penas (TEP) do Porto, a pedir-lhe que o deixasse estar. Há tanto tempo que a cada dois anos o magistrado Manuel Ramos da Fonseca lhe prorrogava a medida de internamento por outros dois.

"Escreva ao juiz; peça mais dois anos", instou-me, meio a sério, meio a brincar.

"Dois anos para quem?", perguntei, no mesmo tom.

– Para mim! Eu estou bem. Aqui faço a minha vida. Ninguém se mete comigo. Eu não me meto com ninguém. Respeitinho e tal, pronto. Faço a minha vida na cadeia. Morro na cadeia. Está previsto que eu morro na cadeia.

– Quem fez essa previsão?

– É a idade. Sessenta e dois anos tenho eu. Medicação, injecções. Isso dá cabo de mim.

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Vicente entrou em Santa Cruz do Bispo no dia 23 de Março de 1984
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Foi um detido que se habituou bem à rotina da prisão

Sem registo civil

Conheci Vicente na Primavera de 2016. Suscitava então no director do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, Hernâni Vieira, uma preocupação particular: “Este homem, quando morrer, nunca existiu.”

Não tinha número de identificação civil, número de identificação fiscal, número de utente do Serviço Nacional de Saúde. Não tinha registo de nascimento. Se ali morresse, o director avisaria o Ministério Público. E depois? Sem um registo de nascimento, como fazer um registo de óbito?

Era “O Homem que Não Existe”. Era “o 222”, número plasmado no dossier dos serviços prisionais e afixado na porta da sua cela. Era "o Vicente".

Pequeno, franzino, encolhido, tinha a cabeça calva descoberta, a barba grisalha por fazer, os ombros caídos, as mãos amarelecidas pelo tabaco. Usava umas calças largas na cintura e um blazer uns números acima, tudo gasto, tudo saído do armário de doações da prisão.

Não era um lugar recomendável, a Clínica Psiquiátrica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo. Sobravam doentes mentais oriundos de todo o país. Escasseavam médicos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, auxiliares de acção médica. Havia poucos anos, os guardas prisionais ainda andavam de cassetete. Por diversas vezes, o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes recomendara o seu encerramento.

Quando lá entrei pela primeira vez, somava 158 doentes. Alguns frequentavam actividades, mas muitos deambulavam pelos corredores e pelo pátio sem ninguém nem nada que os estimulasse; outros passavam grande parte do tempo na enfermaria, um depósito de idosos à espera do último suspiro.

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Vicente ganhava 15 euros por mês para apanhar o lixo do pátio da cadeia

Havia um ruído permanente que sorvia a energia. O som das portas a abrir e a fechar ressoava. Muitos doentes falavam alto. Amiúde, soltavam gritos que ecoavam pelos corredores separados por gradões.

Contou a médica psiquiatra Amélia Bentes, responsável pelos serviços clínicos, que às vezes estava a dar consulta e tinha de parar. Levantava-se, abria a janela que dava para o pátio interior ou a porta que dava para a enfermaria e pedia que se falasse mais baixo.

Vicente dava pelo barulho, mas estava adaptado. “Aqui tenho paz e sossego”, afirmava. “Todos são meus amigos.” Nos melhores dias, até cantava. Cantava variações sobre os mesmos temas: o mar, a solidão, o amor, a linda cigana com quem se queria casar. As cantigas, "em português, 'cigano' ou inglês", podiam reduzir-se a uma frase. Ou contar uma história inteira.

Quem era aquele homem de ar reverencial que se precipitava para beijar a mão do director? Por que se mantivera tantos anos encarcerado e por registar? Por que não fora entregue à família ou transferido para um hospital, um centro assistencial na área da psiquiatria ou um lar residencial para pessoas com deficiência? Como podia estar tão dentro do sistema e, ao mesmo tempo, tão fora dele?

A captura

Pedi ao TEP do Porto para consultar o processo. Detive-me na folha de rosto, coberta com carimbos de cores diversas — os vistos da reavaliação que a lei obrigava a fazer a cada dois anos aos inimputáveis privados de liberdade.

De acordo com o relatório policial, Vicente foi detido pelas 12h30 do dia 22 de Março de 1984, em Ermesinde, Valongo. Um polícia, que trajava à civil, viu-o fugir pela Rua Rodrigues de Freitas acima. “Persegui o capturado cerca de 500 metros a pé e já na rua Filipe de Vilhena fiz dois disparos de intimação para o ar com a minha pistola particular”, escreveu. De imediato, deitou-se no chão. Ouvida a voz de prisão, foi levado para a esquadra local. “Manuel Torres Vicente que também diz chamar-se José Navarro Dias, solteiro, de 23 anos de idade, sem profissão, de raça cigana [sic], filho de José Torres Vicente e de Cármen Navarro Dias, natural de Braga, sem residência certa, não possuía qualquer documento de identificação que pudesse confirmar a mesma.”

Naquela época, o Porto era atravessado por troleicarros, viaturas que se alimentavam a electricidade através de uma catenária de dois cabos superiores e que garantiam a ligação entre vários concelhos da área metropolitana. Tudo acontecera na linha número 9, a que fazia o trajecto Praça do Marquês de Pombal – Rua de Costa Cabral – Areosa – Águas Santas – Ermesinde.

Ouvido pelo juiz de instrução criminal, o suspeito não negou os factos. Vira um homem a contar dinheiro. Servindo-se de uma navalha que comprara havia pouco na cidade, roubara-lho. Envolveram-se numa luta, e o outro cortou-se.

A vítima, António de Magalhães, então com 49 anos, era motorista da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP). Foi surpreendido pela retaguarda. “Dê-me para cá o dinheiro todo, se não eu mato-o”, ouviu. Pensou que era uma brincadeira. Quem no seu juízo faria um assalto em plena luz do dia num transporte público? Percebendo que a ameaça era a sério, entregou o dinheiro. Ainda com a navalha apontada, recebeu ordem para sair. Para onde o levava? Para quê? Tentou apoderar-se da navalha. Na luta, cortou-se nos cinco dedos da mão esquerda.

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A cela de Vicente estava sempre despida de imagens ou objectos pessoais

O dinheiro não pertencia ao motorista. Recebera-o da mão de passageiros. Era o apuro da carreira. Tinha de o entregar à STCP no final do turno. Em causa estavam 2.300 escudos. Fazendo o câmbio, pouco mais de 11 euros. Para ter uma ideia do valor, fui ver em quanto estava fixado o salário mínimo: 90,8 euros.

Esta história criminal parecia tão distante da dos colegas encarcerados havia mais de 25 anos, cujo processo consultei naquele mesmo dia — um matara o pai; outro um irmão; outro o presidente da sua junta de freguesia. E, no entanto, nenhum inimputável daquele estabelecimento prisional estava há tanto tempo privado de liberdade.

Perigosidade em vez de culpa

Entrou como Manuel Torres Vicente/José Navarro Dias no Estabelecimento Prisional do Porto, em Matosinhos, no dia 23 de Março. Com esses dois nomes, foi transferido para o Anexo Psiquiátrico de Santa Cruz do Bispo no dia 12 de Abril.

Não sabia a data de nascimento. Não sabia ler nem escrever. Não era capaz de fazer cálculos simples. Não conseguia dizer os meses de seguida. Tão-pouco o dia, o mês e o ano em que se encontrava.

Quando se sujeitou a um exame médico-legal mais aprofundado, já em 1987, percebeu-se a extensão do deficit cognitivo. Na escala de WAIS, apresentava um quociente de inteligência de 56, na fronteira do baixo com o muito baixo. O teste de Goodenough indicava uma idade mental de sete anos.

No dia 14 de Setembro de 1984, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto deu como provado que cometera dois crimes: detenção e uso de arma proibida e roubo agravado, por haver ofensa à integridade física e envolver dinheiro de pessoa encarregada de o transportar. Um dava até três anos de prisão, e o outro, de cinco a 15.

Havia um regime especial para pessoas inimputáveis “por força de anomalia psíquica”. O Código Penal distinguia penas de medidas de segurança, baseando umas na culpa e outras na perigosidade.

Considerado inimputável perigoso, Manuel Torres Vicente/José Navarro Dias deveria cumprir uma medida de internado num “estabelecimento de tratamento, cura ou segurança”. Ninguém podia dizer por quanto tempo. Por lei, o internamento podia acabar a qualquer momento, se o TEP entendesse já não haver perigosidade. Também podia prolongar-se até quatro anos além da pena máxima correspondente ao crime, ou seja, 22 anos.

Uma consistente vontade de ficar

Na primeira audiência com o juiz do TEP, em 1988, Vicente disse que não queria sair. Argumentou que ali o tratavam bem, que lá fora não teria o que comer, teria de roubar para sobreviver.

A primeira instância assumira que fora vendedor ambulante e atribuíra-lhe tal profissão, mas alguma vez teria trabalhado? Só tem ideia de ter tirado uns tapetes ao pai dele para vender. Estivera seis anos preso, por roubo, na Galiza, em Espanha. Cruzara a fronteira um par de meses antes de ser capturado.

A deficiência mental não, mas a perturbação do comportamento, associada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, era tratável. Entendia o perito Brandão Flores, já em 1987, que Vicente poderia sair se tivesse retaguarda familiar. Sem isso, só se fosse dali para um “estabelecimento de apoio e protecção”.

Em vão, os serviços de reinserção social procuraram solução. Os parentes alegaram “não possuir condições habitacionais, económicas, familiares e profissionais” para acolhê-lo e apoiá-lo cá fora. E as instituições consultadas também se mostraram indisponíveis.

A revisão do Código Penal de 1995 abriu caminho à eternização do internamento num país que abolira a prisão perpétua havia mais de cem anos: estando em causa crimes com pena igual ou superior a oito anos, a medida de segurança podia ser prorrogada sucessivamente, por períodos de dois anos.

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A qualquer hora os barulhos ecoam pelos corredores da prisão

Vicente percebeu essa possibilidade. Conformou-se com ela. E defendeu-a, por vezes de forma inusitada.

Em 2017, um ano depois daquela primeira reportagem que fiz com Paulo Pimenta sobre o seu internamento perpétuo e o de outros, uma equipa da TVI foi à clínica e também quis falar com ele. Apareceu, de frente para a câmara, a dizer que bateu na mãe e matou uma mulher que não lhe quis dar dinheiro.

"Sei a minha história, não é? Eu não matei ninguém… eu disse que matei uma velha, mas não matei", contou-me numa longa entrevista que lhe fiz, em 2018, para um projecto documental ainda em curso.

– Para quê inventar?

– Para ficar preso, para o juiz dar mais dois anos. E deu-me mais dois anos…

Tentativa falhada

Houve um interregno nesta longa estadia. Em 2007, com obras na prisão, impunha-se reduzir o número de internados: os doentes mais estáveis foram transferidos para o Hospital Psiquiátrico do Lorvão, em Penacova. Vicente seguiu para lá no dia 28 de Maio.

Sandra Bernardes de Jesus, psicóloga que agora é adjunta do director do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, trabalhava naquele hospital. “Enquanto os outros se adaptaram bem, o Vicente dizia que queria voltar para Santa Cruz. Dizia que era a casa dele. E sempre que recebíamos algum doente de Santa Cruz tínhamos o Vicente a correr atrás da carrinha celular. Num desses dias, fugiu.”

Deram pela sua falta ao almoço. “Contactámos o TEP, a dizer que o doente se tinha ausentado e a pedir a recaptura dele. Pedimos à Direcção Geral dos Serviços Prisionais que o deixasse voltar para Santa Cruz, como era sua vontade. E foi isso que aconteceu. A Polícia de Penacova encontrou o Vicente no meio de um pinhal, perdido. Ele disse imediatamente que queria ir para casa dele.”

No dia 12 de Setembro de 2007, Vicente estava de volta à prisão. Nunca esqueceu aquela experiência hospitalar. Volta e meia falava nela.

– Já fui para o Lorvão, nem uma beata tinha. Não gostei daquilo. A comida era mesmo para os porcos. Eu disse à senhora: “Estou a chorar, quero ir para a cadeia.” “Ai não pode.” Fugi de lá para vir para aqui.

– Porquê?

– Aqui tenho paz e sossego. Aqui tenho a minha precária. Como e bebo e fumo, quando me dão. E arranjo um dinheiro de um trabalho para comprar um rádio. Que mais quero?

– E tem amigos!

– Todos são meus amigos. Dão-me uma ponta, dão-me duas, dão-me um cigarro, dão-me dois e é assim. Somos todos amigos. Um cigarro, um café. E vou fazendo a minha vida.

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Na prevenção do suicídio, na clínica psiquiátrica de Santa Cruz do Bispo, uma rede impede o salto de um andar para o outro

Ao ver Sandra Bernardes Jesus pela primeira vez na prisão, em 2012, reconhecera-a. “Não veio para me levar para o Lorvão, pois não?” Nem podia. O Lorvão encerrara, como o Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, e outras unidades semelhantes. A ambição nacional era deixar de ter doentes residentes em hospitais psiquiátricos, recorrer às famílias, às comunidades, ao ambulatório.

Acompanhando-o, enquanto técnica de reeducação, Sandra percebeu o seu apego àquele lugar. “É um doente afectuoso, simpático. Facilmente estabelece relações com as pessoas. Terá recebido aqui a atenção e o afecto que não teve no exterior. E isso fez com que estabelecesse este sentimento, esta sensação de estar em casa.”

“Ele habituou-se”, resumiu, por sua vez, Amélia Bentes. Ali dentro, tudo está determinado. Há hora para despertar, sair da cela, comer, tomar medicação, saborear o recreio/fazer actividades, recolher. “Isso dá-lhe uma certa segurança. Depois de uns anos, tirar disto é difícil. A vida está facilitada. Mais difícil é adaptar-se no exterior.”

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Na quinta-prisão de Santa Cruz do Bispo há um rebenho e uma vacaria

Dias sempre iguais

Uma vez por semana, Vicente dava um passeio terapêutico pela quinta-prisão. Outrora lugar de recreio e repouso de bispos, a quinta fora adaptada a colónia penal em 1935, na sequência da implementação da república e dos processos de expropriação da Igreja Católica. Conta com uma vasta área que combina bosque com cultivo agrícola.

Doentes havia que não aguentavam estar sozinhos. Vicente gostava de ter o seu canto.

– Eu tenho um quarto só para mim. Quando vim da Enfermaria, o senhor director deu-me um quarto. Estavam-me a comer o cérebro…

– Gosta de estar sozinho?

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Uma vez por mês, Cláudia Assis Teixeira, voluntária da Foste Visitar-me, leva três inimputáveis a passear

– Gosto de estar sozinho. Oiço o meu rádio sozinho. Não querem ouvir música, chateiam-se, porrada e tal. Ah, apaga isso. Eu não quero. Assim é melhor. Tenho mais paz e sossego.

Na sua cela individual, cabia apenas uma cama de solteiro, uma mesa-de-cabeceira, um armário estreito, um espelho de parede, um lavatório, uma sanita. Se tivesse vontade de urinar no escuro era um desastre. E um pivete.

É comum ver-se nas celas imagens e objectos pessoais, a denotar uma apropriação do espaço, mas também uma existência para lá dos muros da prisão. Vicente não guardava qualquer fotografia. Vicente não guardava nada que não fossem tabaco, mortalhas, isqueiro, rádio e auscultadores.

O seu maior desafio, intramuros, era arranjar cigarros e cafés. Cravava guardas e doentes. Metia-se nas filas para ceder o lugar a algum internado apressado em troca de um cigarro ou um café. Apanhava beatas do chão. No limite, pedia que lhe atirassem fumo para a boca.

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As saídas ao exterior seguiam uma rotina que passava por almoçar e caminhar na marginal de Vila do Conde

Não recebia pensão de invalidez, como outros doentes. E não tinha capacidade para assumir um lugar na faxina ou nos jardins, como outros ainda. No âmbito da ergoterapia, partilhava com outro a tarefa de recolha do lixo do pátio e recebia 15 euros por mês.

O mais certo era gastar o dinheiro em cigarros, mas falava muito em guardar para comprar um rádio nas saídas de curta duração autorizadas pelo juiz ou pelo director. Como não tinha relações familiares, só saía umas horas com Cláudia Assis Teixeira, voluntária da associação Foste Visitar-me. Desde 2004, uma vez por mês, ela alia-se a outro voluntário para dar uma volta a doentes sem visitas.

Também havia uma rotina naquelas saídas, que acompanhei várias vezes ao longo dos anos. Vão três inimputáveis de cada vez. Cláudia leva-os, no seu carro, a almoçar a um restaurante de Vila do Conde. Caminham um pouco à beira-mar. Há sempre alguém que quer ir à tabacaria e a uma ou duas lojas comprar algo. A obsessão de Vicente é o pequeno rádio a pilhas.

“É muito minha amiga”, repetia em cada ocasião. “É mais que uma mãe para mim.” Para agradecer, já fizera de conta que lhe oferecera um carro (um Alfa Romeu) e outro ao filho (um Ferrari).

O dinheiro do almoço Cláudia garante, o resto não. E perdeu a conta às vezes em que, à mesa, Vicente lhe disse que não queria comer, que usasse o dinheiro do almoço num rádio, mas lá comia. Uma vez, protestou: “Dei-lhe um Alfa Romeu, dei um Ferrari ao seu filho; peço-lhe um rádio e não me dá!” Noutra, insistiu tanto que Cláudia o questionou. “Porque havia de lhe dar um rádio?” “Porque sou pobre”, respondeu. “O que é ser pobre?”, tornou ela. “Ser pobre, ser pobre é fumar as beatas do chão.”

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Vicente gosta de imitar os gestos de artes marciais para as fotografias

Depressa esquecia o protesto. Num gesto único, alindava o cabelo e a barba. Repunha o sorriso. Encenava golpes de artes marciais para as fotografias. Testava as máquinas de exercício físico disponíveis na marginal. Às vezes, punha-se a imitar as gaivotas, baixando-se e movendo os braços para cima e para baixo. Cláudia desafiava-o a cantar e ele lá inventava qualquer coisa, às vezes num inglês muito seu.

“Olha, és muito querido”, disse-lhe Cláudia, na última “saída precária”, cerca de duas semanas antes da data da libertação. Vicente não a refutou. Pelo contrário. Virou-se para mim e explicou: “A minha alegria é conversar com as pessoas, dar coisas às pessoas, fazer o bem às pessoas e para as pessoas gostarem de mim e falarem comigo.”

Dizia que dava “poderes” ou “milagres”. Na prática, imaginava algo bom para alguém. O rádio entrava nesse jogo. “Interessa-me ouvir as notícias para ajudar.” Um exemplo? “Penso numa mala cheia de dinheiro e ponho essa mala cheia de dinheiro nas tropas. E acaba a guerra.”

Quando o viam entrar na prisão, os guardas já sabiam que trazia um pequeno rádio, cuja entrada tinha de ser registada. Não costumava tardar a desmontar o aparelho para logo tentar remontá-lo. Desmontar o rádio e tentar remontá-lo também fazia parte da sua rotina.

Uma história inverificável

A sua identidade estava alicerçada na prisão. Antes disso era um nevoeiro cerrado. Nem sabia se nascera no seio de uma família cigana ou apenas fora criado por uma. E não tinha como perguntar a quem sabia. Só no início recebera visitas de familiares.

– Não sei em que ministério foi, abandonaram-me. Diz o papel do juiz que eles abandonaram-me, não sei porquê…

– Lembra-se deles?

– Eu conheço a minha família toda.

Procurando perceber o que era a sua vida antes do dia 22 de Março de 1984, só consegui chegar a um percurso difuso, por vezes divergente. A inexistência de laços familiares tornava o passado inverificável.

No relatório médico-legal de 1987, com base nas suas declarações, escreveu-se que nasceu em Braga, que os pais lhe morreram em bebé, que viveu com um pai “adoptivo” até aos 16 anos na Figueira da Foz, altura em que fugiu para Espanha, onde esteve preso seis anos. O perito notou “frequentes imprecisões e contradições”. “Tanto diz ter vivido na Figueira da Foz até aos 16 anos como ter ido viver para Braga até aos 14.”

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Vicente em Setembro de 2023
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Ouvindo “os pais adoptivos”, no mesmo ano, a equipa da reinserção social escreveu outra história: Vicente seria originário de uma família nómada. Teria meses quando lhe morreu a mãe. O pai seria alcoólico. Foi acolhido por uma avó, que lhe morreu aos cinco anos. Integrou outra família da comunidade cigana formada por José Vicente e Carmo Torres, assumindo o seu nome. Não se adaptou. Fugia. Desapareceu aos 10 anos, retomando contacto aos 22, pouco antes de ter sido detido.

Uma irmã, que o visitara nos primeiros anos, contou ainda outra história no processo de omissão de assento de nascimento: Vicente não fora criado com os pais e irmãos “adoptivos”, mas com uma madrinha, residente em Braga, chamada Teresa.

Começava a fazer sentido que dissesse ter dois nomes. José Navarro Dias seria o nome dado pela família biológica e Manuel Torres Vicente o nome atribuído pela “família adoptiva”? Talvez, mas não era certo. Vicente mencionava Cármen Navarro Dias como “mãe adoptiva”. Pertenceria a “mãe adoptiva” à sua família biológica? Quem poderia dizer?

Mais de 30 anos para ter documentos

Fiquei presa à sua história. Quis desenvolvê-la, contá-la noutro formato. Uma questão continuava a intrigar-me mais do que qualquer outra. Como poderia continuar sem nome ao fim de tantos anos à guarda do Estado?

Todo o ser humano tem direito ao nome. Sem nome, muitos outros direitos ficam por cumprir. Sem nome, não podia requerer qualquer prestação social. Sem nome, que estrutura o receberia para lá dos muros da prisão?

Não é que a sua inexistência administrativa tivesse sido ignorada. O Tribunal de Instrução Criminal informou logo o TEP que não tinha tido acesso à certidão de nascimento pelo que não podia juntá-la aos autos.

Na primeira avaliação, o TEP questionou a prisão. “Cumpre-me informar V. Ex.ª que se aguardam esclarecimentos de familiares do recluso, dado que o mesmo ignora qualquer referência quanto ao seu registo de nascimento”, escreveu o chefe de repartição, no dia 1 de Abril de 1985.

Havia que averiguar. O Registo Civil de Braga informou em 1987 que percorrera os índices de 1960, 1961, 1962, 1963, 1964 e nada encontrara. A Conservatória dos Registos Centrais admitiu estar-se perante um caso de omissão de assento de nascimento. Havia que regularizar a situação.

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O Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo concentra a maior parte dos inimputáveis a cargo do sistema judicial

A questão foi colocada ao Ministério Público (MP) de Matosinhos, que a remeteu para o MP de Braga. Já em 2002, não havendo “qualquer evolução”, o TEP solicitou à Direcção-Geral de Registo e Notariado que “tomasse as devidas providências”.

O processo arrastou-se. O MP só ouviu a já referida irmã em 2007. Ela era natural de Vila Nova de Famalicão. Ele também seria? Braga remeteu para lá o processo de omissão de registo. Não havendo qualquer desenvolvimento, “por falta de colaboração dos familiares”, esse acabou por ser arquivado. Uma jurista voluntária tentou, em 2012, desbloquear o caso, mas não foi longe.

“O trabalho aqui também foi da comunicação social”, diz Hernâni Vieira. “Vocês amplificaram um pedido que nós fazíamos para este homem existir. A vossa reportagem chegou à Procuradoria-Geral da República, que despachou. Quem tratou de todo o processo foi o MP do TEP.”

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Na primeira saída do lar para lazer, pensava que era preciso levar uma autorização escrita, como na prisão

O assento foi lavrado em 2020 na Conservatória de Famalicão, com base num processo iniciado em 2017. Quando o TEP mandou tratar do cartão do cidadão, o conservador resistiu por estar por apurar a naturalidade. O TEP não deixou cair o caso. Apoiando-se no facto de Vicente residir em Matosinhos desde 22 de Abril de 1984, ordenou que se avançasse. No dia 22 de Março de 2022, Vicente foi ao Registo Civil com duas testemunhas tratar do cartão do cidadão.

Ficou como Manuel Torres Vicente, com 1,60 de altura, nascido no dia 7 de Abril de 1961, no município de Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, filho de José Torres Vicente e de Cármen Navarro Dias.

– Tem usado o cartão de cidadão?

– Não.

– Quando sai tem de levar.

– Não, não. A senhora Cláudia é que leva.

– O Vicente não quer levar?

– Não. Posso perder ou assim. Eles dizem: tem de ter documentos para tirar a reforma.

– Para que seria o dinheiro da reforma?

– Para o meu tabaco, os meus cafés. E, às vezes, um rádio.

– Como vê o seu futuro?

– O meu futuro é eu arranjar a minha vida com uma reforma. E ir para um lugar melhor do que este. E ter lá mais regalias, mais coisas.

– Que regalias?

– Melhor vida, tudo. Já perguntaram se queria sair daqui e eu disse que não, que aqui estava bem. E estou bem.

– Se saísse agora, o que acontecia?

– Vinha para aqui outra vez. Lá fora um homem sem dinheiro está morto. Fica morto como um carvão. O que faço, com a idade que já tenho? Aqui ninguém me chateia e eu não chateio ninguém.

Saída não era prioridade

Deixou de haver desculpa para manter Vicente na prisão. Tendo cartão do cidadão, podia ser referenciado para o Programa de Gestão dos Doentes Mentais Internados em Instituições do Sector Social, como pedia o TEP.

A realidade estava a mudar. Em 2019, os ministérios da Justiça e da Saúde tinham-se posto de acordo, decidindo criar mais vagas em ambiente hospitalar para os inimputáveis que não levantavam problemas de segurança.

Vicente foi vendo alguns amigos serem transferidos para o Hospital Magalhães Lemos, que abriu uma unidade de internamento forense em Dezembro de 2019. E foi ficando na quinta-prisão, com as roupas uns números acima, o andar arrastado, o esfregar de mãos, o afã de arranjar um cigarro, um café, um novo rádio para ouvir, desmontar e tentar montar, como segredo impossível.

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Todo o tempo dos internados está determinado

Santa Cruz concentrava os inimputáveis à guarda do sistema prisional — no Hospital Prisional de São João de Deus, em Caxias, deviam estar apenas os agudos, embora também lá houvesse um grande número de doentes já estáveis. Somava 170, 180, 190 ou 200, mas dedicava-lhes muito mais espaço e contava com mais médicos, mais enfermeiros, mais terapeutas ocupacionais, mais auxiliares de acção directa, mais técnicos de reeducação.

A saída de Vicente não era prioritária. Diz Sandra Bernardes de Jesus que há que distinguir os que têm uma expectativa de reinserção social (na família, na comunidade, porventura no mercado de trabalho) dos que não têm (“passam da instituição A para a instituição B”). “Havendo poucas vagas, acho preferível insistir com a reinserção social para arranjar solução para um doente que não está adaptado a Santa Cruz do que para o Vicente.”

Vicente não se queixava dessa lógica. Repetia que, ali dentro, toda a gente gostava dele. “Não vou ao 'segredo' há 30 e tal anos”, gabava-se. O "segredo" era a cela disciplinar. E afiançava que nem sempre fora assim. “Nem falar com as pessoas sabia. Nem dizia bom dia, nem boa tarde, nem nada. Tratava mal. Foi aqui na cadeia que me curei, com remédios, injecções. Foi aqui que me curei.”

Já este ano, foi-lhe diagnosticada uma doença oncológica associada ao consumo de tabaco. Mesmo assim, mantinha a boa disposição. “Está estável”, garantia a psiquiatra Filipa Veríssimo. “Não levanta problemas em termos de relação com os outros internados, com a equipa técnica. Cumpre bem a medicação. É simpático connosco. Pede-nos em casamento quase diariamente.”

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Além da clínica, os inimputáveis agora ocupam a antiga ala livre de drogas, a ala b e a casa de transição

Forçado a sair

A nova lei da saúde mental obrigou a encontrar uma alternativa. Estabeleceu que os doentes têm o direito de “não ser sujeitos a medidas privativas ou restritivas da liberdade de duração ilimitada ou indefinida”. Alcançado o máximo previsto para o crime cometido, têm mesmo de sair do sistema judicial. Se ainda representarem um perigo para si ou para os outros, ficarão no sistema de saúde.

Estimou-se que estivessem privados de liberdade há demasiado tempo 46 doentes. Dali, da agora chamada Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, iam sair nove. Vicente era o mais antigo de todos.

Formou-se uma equipa multidisciplinar — envolvendo Saúde, Justiça e Segurança Social. Os casos foram analisados um a um. Uns ainda precisavam de estar numa unidade de saúde mental, outros não. A Vicente e a outros bastava uma resposta social. Atendendo à idade, uma estrutura residencial para idosos. Não muito longe, já que precisava de dar continuidade aos tratamentos oncológicos.

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Depois de um passeio, Vicente quis uma cerveja sem álcool

A uma semana do dia marcado para a libertação, ainda não havia lugar para os doentes que tinham de sair de Santa Cruz. A meia semana, no desespero, já se equacionava deixar uns em urgências hospitalares e chamar a emergência social para tomar conta dos outros.

Vicente suscitava grande preocupação entre técnicos e guardas que por ele nutriam amizade. Depois de tantos anos preso ali dentro, iriam entregá-lo a um albergue para pessoas em situação de sem-abrigo, como têm feito com tantos inimputáveis ao longo dos anos? Que seria dele num ambiente desses? Acabaria nas ruas?

Continuava a não ter prestação para a inclusão nem pensão. “Nós nunca pedimos isso”, explicara antes Sandra Bernardes Jesus. “Sempre tivemos o entendimento de que, a partir do momento em que o sistema prisional assegura o alojamento, a alimentação, a medicação, não devemos pedir reforma.” Seria onerar o Estado duas vezes. Para os reclusos do regime comum, tratam de solicitar rendimento social de inserção para começar a receber à saída. Para os inimputáveis que vão daquela instituição para outra, não.

O técnico de reinserção desdobrava-se em telefonemas para encontrar uma alternativa temporária, um sítio para ele ficar até surgir uma vaga da Segurança Social num lar. A vaga de Vicente foi a última a chegar. Já estavam a bater as 17h de sexta-feira.

No domingo de manhã, ao fim de 39 anos, quatro meses e 29 dias, Vicente virou costas à sua cela, percorreu pela última vez aqueles corredores entrecortados por grades. Na mão, levava apenas um saco de plástico com umas mudas de roupa do armário das doações.

Um dos seus guardas favoritos, o chefe Vieira, é que o conduziu, trajado à civil. “Eu disse que não queria sair. O chefe disse: ‘Por ordem do juiz, do governo, da lei, você tem de ir embora. Você já cumpriu a sua condena.’” Chegados ao destino, um aperto. “Despedi-me do chefe Vieira a chorar. Abracei-me a ele. Ele pagou-me um café. Deu-me cinco euros.”

Uma nova casa

Cláudia Assis Teixeira não quer deixar de visitá-lo nem a outros inimputáveis desacompanhados que pareciam fadados a morrer na prisão. E a verdade é que, ao fim de tantos anos, eu também não quero deixar de o visitar.

O lar funciona num edifício moderno, cuja decoração combina madeiras com cortinados leves. Dei com Vicente a fumar um cigarro no relvado. Nunca o vira tão asseado. Tinha o cabelo rente, a barba feita.

Muito magro, naquela tarde vestia um par de boxers e uma camisola de manga comprida — anda há anos de manga comprida para esconder as marcas da psoríase. “Agora, se fugir, já não vou preso. É liberdade, é liberdade. Só se fizer asneiras. Aqui não faço asneiras. Eu tirei as minhas calças para as senhoras não terem medo [que fuja].”

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Primeiro passeio pela natureza após a libertação

Perguntou-me logo como o tinha encontrado, se ia visitá-lo mais vezes, se lhe tinha trazido um rádio. Perante Cláudia Assis Teixeira acrescentou outras preocupações. Quis saber como estavam todos, se alguém tinha ido parar ao “segredo”, quem ia sair com ela.

– Tem saudades?

– Passei muitos anos com eles.

– Gostava de voltar?

– Gostava. Lá tinha mais liberdade.

Fora libertado havia uma semana. E tinha uma escabiose, uma doença cutânea infectocontagiosa. Estava confinado ao quarto. Passava os dias na cama a ver televisão. Ainda não pudera participar nas actividades disponíveis. Mas estava a gostar das pessoas. Apreciava a comida. Davam-lhe alguns cigarros para amansar o vício — “Quatro por dia.”

No decurso da terceira semana, quando lá voltámos, a conversa já era outra. “Isto é um luxo”, disse-me, puxando-me para me mostrar a sala de refeições a que chama “restaurante”, a sala de convívio com diversos jogos, o quarto que partilha com dois idosos.

“Agora tenho liberdade”, enfatizou. Podia andar pelo edifício e pelos jardins, só não podia “ir para a estrada”. “Fumo o meu cigarro. Bebo um café de vez em quando. Depois vou para a cama. Meto a música. Apago. Vejo televisão. Dá-me o sono, durmo.”

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Cláudia Assis Teixeira visita Vicente desde 2004
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Vicente caminha devagar
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Um novo caminho começa, após quase 40 anos de reclusão

Parecia outro. Usava roupas do tamanho certo, toda no mesmo tom de azul — as calças de ganga, a camisa às riscas, o casaco de fecho. Pela primeira vez, tinha um cinto e não um atilho a segurar as calças.

Muito perguntara na recepção quando teria uma “saída precária”, recebendo como explicação que agora “não tem saídas precárias, apenas saídas”. Antes de sair pela primeira vez para dar um passeio e lanchar connosco, quis saber se levávamos os “papéis”. Na prisão, só saía com uma autorização assinada pelo juiz.

Já não queria voltar para a cadeia. “Gostava de ver os presos e os guardas e de [lhes] dar mãozadas e de abraçá-los e vir para aqui.” Não podendo fazer uma visita, gostava que lha fizessem. Agradar-lhe-ia ver, por exemplo, “o chefe Vieira, o chefe Ribeiro”. “Davam-me tabaco. Pagavam-me cafés e tudo.” Fora “uma alegria” ver-nos, à Cláudia e a mim. "Estou mais interessado em ver vocês as duas para eu não estranhar tanto." À mesa do café, ofereceu-nos os seus “poderes” e os seus “milagres”.

Caminhámos um pouco entre o arvoredo. Deu-me o braço, como faz uma das auxiliares quando o leva às consultas de oncologia. “Estou ali internado, mas não estou preso. Tenho mais liberdade. Posso passear, ir ao restaurante. Tenho mais paz e sossego. Ali é só velhotes. Eles não se metem com ninguém. Eu não me meto com ninguém. Tomo o meu café. Fumo o meu cigarro, pronto. Quando chega as nove horas estou a dormir."

A prisão, agora, parece-lhe um sítio indesejável. “Barulhos, porradas e tudo. Porrada havia pouca. Era de vez em quando. Para arranjar um café via-me à rasca. Fumar? Beatas do chão.” Mas não lhe importa tanto olhar para trás, para o que não foi e podia ter sido. Importa-lhe o presente. Sempre lhe importou o presente. Agora, à sua volta, há homens e mulheres e uma delas fá-lo sonhar. Pela primeira vez, ouvi-o cantar em francês.

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