Uma análise de amostras colhidas na praia fluvial de Bitetos, no concelho de Marco de Canaveses, revelou esta terça-feira valores de contaminação microbiológica acima dos parâmetros de referência. E, por isso, a recomendação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para aquela área balnear do distrito do Porto é: “Banho desaconselhado ou proibido tomar banho.” Não estando Bitetos interditada – cabe à Delegação Regional de Saúde tomar esta decisão –, entrar naquelas águas do rio Douro é algo proibido ou apenas desencorajado?
“Se eu tenho uma análise com valores muito elevados de Escherichia coli ou de enterococos intestinais [bactérias que indicam o nível de contaminação de água], automaticamente a APA vem dizer que é desaconselhado ou proibido o banho. Isto confunde as pessoas. Uma coisa é dizer que não se pode tomar banho, outra é que não se aconselha. Já a interdição é definida pelas autoridades de saúde, sendo certo que a praia pode ser interditada por outras razões além da qualidade da água – é o caso de obras, por exemplo”, afirma ao PÚBLICO Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.
A Zero defende que as recomendações e informações relativas à qualidade das águas balneares sejam apresentadas de forma clara, sem margem para dúvidas. Francisco Ferreira afirma que já fez “informalmente” este apelo à APA e que solicitou um encontro para abordar a falta de clareza “na questão da interdição versus proibição ou desaconselhamento”.
“Estes conceitos têm de ser clarificados, e deve ser definido entre as entidades como são comunicados. Nós precisamos de clarificar a actuação da APA, das direcções regionais de Ambiente e das autoridades de saúde, porque isto está a gerar grande confusão”, acredita Francisco Ferreira.
Numa nota de esclarecimento, divulgada este mês, a APA detalhou quais eram as competências de cada uma das entidades:
- “A imposição de um desaconselhamento [ou uma proibição] ao banho é da responsabilidade da APA”;
- “Já a imposição de uma interdição é da responsabilidade da Autoridade de Saúde Regional. Podem, ainda, acontecer restrições ao banho, por outras razões de segurança, que não relativas à qualidade da água, por iniciativa dos municípios (seja pela Protecção Civil Municipal ou não), ou das capitanias, no âmbito das suas responsabilidades.”
A Zero entende que não é óbvia para os cidadãos a diferença entre interdição, desaconselhamento ou proibição. “Se vem uma análise elevada e levanta-se a bandeira vermelha, o banho é proibido ou desaconselhado – mas a praia não está interdita, porque legalmente são coisas diferentes. Precisamos de uma forma mais expedita, e mais clara, de comunicar o que deve ser feito em cada uma das praias, tanto por parte da APA como das autoridades de saúde”, refere o ambientalista.
Francisco Ferreira nota ainda que a confusão está presente nos próprios meios de comunicação social. “Muitas vezes os jornalistas tratam as duas coisas da mesma forma. Quando se escreve que a praia já não está interdita, por vezes o que ocorreu foi o levantamento do desaconselhamento ou proibição de tomar banho. É muito importante clarificar isto para as pessoas, assim como explicar as razões, comunicar de forma correcta como as coisas estão”, diz o presidente da Zero.
A confusão pode também ter origem nas próprias autoridades. Um comunicado da Autoridade Marítima Nacional, divulgado esta terça-feira, apresentava o título “Praia fluvial de Bitetos no rio Douro interditada a banhos” – quando, na verdade, aquela área balnear teve a bandeira vermelha hasteada, por indicação da APA, uma vez que os banhos ali são desaconselhados (e não interditos).
Quando a água balnear apresenta valores elevados de agentes patogénicos, os banhos são desaconselhados porque representam riscos para a saúde humana. Se engolirmos água muito contaminada com salmonela durante um mergulho, por exemplo, podemos desenvolver sintomas como diarreia, vómitos e febre. Já certas estirpes de E. coli podem ser resistentes a antibióticos e causar infecções.
Informação fragmentada
Actualmente, a informação sobre as águas balneares está fragmentada, espalhada por diferentes páginas. “A indicação dos desaconselhamentos e interdições está disponível no local (afixada no painel informativo da praia), no site da APA (página específica sobre esta matéria) e na app InfoPraia. Para além desta informação, é possível consultar informação mais detalhada dos resultados analíticos no Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNIRH). A sistematização de toda a época balnear está disponível no site da APA”, esclarece a nota da agência.
Nesse documento, a APA afirma considerar que, assim, “a disponibilização da informação nos diferentes meios de comunicação permite efectivamente chegar a diferentes públicos-alvo”. Já a Zero tem uma perspectiva diferente da fragmentação da informação sobre a qualidade da água balnear, defendendo uma reformulação da visualização dos dados do SNIRH.
“O [site do] SNIRH tem de ser revisto. É muito difícil chegar à informação de forma expedita para perceber o que se passou nas diferentes praias e qual a razão [do desaconselhamento ou da interdição]. Consigo ver os dias em que a praia foi interditada, mas não dizem o porquê. Esta explicação está numa outra página da APA. As pessoas têm de ir à página das interdições e, simultaneamente, à página do SNIRH. A app InfoPraia também não nos permite fazer uma análise fácil da situação global das praias”, avalia Francisco Ferreira.
A página do SNIRH também apresenta questões de usabilidade. Um dos separadores intitula-se “Qualidade das águas balneares”. Quem clica nessa opção chega a uma tabela que inclui dados relativos à maioria das 511 águas balneares em Portugal continental. É possível consultar ali “os resultados da presente época balnear e as classificações da qualidade das águas nas épocas precedentes”. Contudo, as duas semanas mais recentes de análise (de 21 de Agosto a 3 de Setembro) não estão visíveis, uma vez que ficam fora da mancha gráfica definida pela página. É preciso clicar na área com o cursor e arrastar a tabela para a esquerda para conseguir ler a informação. Sem forçar o acesso à parte lateral direita da tabela, os banhistas ficam sem saber, por exemplo, que a água da praia fluvial de Bitetos está actualmente imprópria para banhos.
Ainda de acordo com a página do SNIRH, consultada esta quinta-feira, a praia de Azarujinha, em Cascais, com um historial “excelente”, apresenta para a semana de 21 a 27 de Agosto a indicação visual de interdição temporária pelo delegado regional de saúde (há traços vermelhos nesse campo da tabela) e, ao lado, um ícone sorridente verde. Não há informação para a semana de 28 de Agosto a 3 de Setembro.
O banhista que clicar no nome da praia de Azarujinha e, assim, aceder ao relatório de ensaio número 2308011, de 18 de Agosto (data de colheita), verifica que a água ali está ou esteve imprópria para banhos devido a valores elevados de E. coli. Trata-se da análise mais recente disponível para esta praia.
Já na app InfoPraia, a praia de Azarujinha figura como própria para banhos. Neste caso concreto, como deve o banhista interpretar a visualização de dados? A APA afirma que “não existe contradição”.
“Quando ocorrem estes episódios são recolhidas amostras para avaliar a evolução da situação e quando os valores voltam à normalidade o desaconselhamento ou interdição são levantados. Foi, aliás, o que aconteceu com a referida praia da Azarujinha. No dia 21/08 houve a interdição e as análises posteriores à que implicou a necessidade de interditar indicaram valores normais (resultados obtidos a 23/08), [o] que originou o levantamento da interdição. Assim sendo, a informação da InfoPraia está correcta, pois no dia 23/08 a avaliação realizada indicava que a água tinha já a qualidade adequada para a prática balnear. Tal como indica a tabela infra que a seguir à interdição tem já a sinalética a referir que a análise está conforme (carinha verde)”, afirma numa resposta ao PÚBLICO por email.
O referido relatório de 23 de Agosto, contudo, não estava disponível na página do SNIRH até à manhã desta quinta-feira.
A APA entende ainda que a comunicação aos banhistas é clara. “A consulta pelos banhistas pode ser feita na zona balnear no placard informativo, [e] na nossa app InfoPraia, onde a informação está simples e directa.” Esta plataforma, que pode ser utilizada tanto em telemóveis como em tablets e computadores, permite aceder aos dados de forma intuitiva e acessível. Mas não faculta os relatórios de análise nem permite filtrar resultados em função da qualidade da água.
No que toca ao SNIRH, a APA afirma que o serviço será reformulado. “O SNIRH é um sistema de 1995 que está em remodelação, mas neste sistema a informação está mais detalhada e permite incluir mais informação”, refere o gabinete de comunicação da agência.
Recorde-se que a legislação determina um conjunto de análises para avaliar a presença de Escherichia coli ou de enterococos intestinais. São estes dois parâmetros microbiológicos que definem, ao longo de quatro anos, se a qualidade da água balnear é excelente, boa, aceitável ou má. É ao longo do historial de análises que se define a qualidade da água balnear. Uma praia pode ter um historial de excelência e, ao mesmo tempo, ser alvo de uma contaminação pontual na actual época balnear e manter a sua qualidade excelente. Tudo depende do grau de contaminação em causa e também do número de análises efectuadas.
Praias interiores com mais problemas
A Zero fez um estudo das praias a meio da época balnear e verificou que, proporcionalmente, havia mais praias interiores com problemas de qualidade da água do que costeiras. Isto é considerado “normal”, porque, perante uma eventual contaminação num rio ou numa ribeira, a capacidade de diluição é muito menor se comparada à do oceano.
Neste momento, há seis áreas balneares fora da zona costeira que não estão acessíveis: Açude de Vais, em Penalva do Castelo (interdita devido à presença de salmonelas); Albufeira de Odeleite, em Castro Marim (desaconselhada, intervenção em curso); Bitetos, no Marco de Canaveses (desaconselhada); Janeiro de Baixo, em Pampilhosa da Serra (desaconselhada devido a contaminação microbiológica); Paço do Mato, em Vale de Cambra (interdita devido à presença de salmonelas), e, por fim, Ponte da Pedra, em Mirandela (desaconselhada, intervenção em curso).
A época balnear em curso também registou casos de contaminação em praias costeiras ou de transição. A Lagoa de Albufeira, em Sesimbra, por exemplo, foi interdita esta quarta-feira devido a contaminação microbiológica.
“Podemos ter aqui um conjunto grande de possíveis causas, desde a proliferação exacerbada de algas às descargas [oriundas da criação] de gado. O que nós sentimos é que não só a informação deveria ser mais consistente e clara, mas também que deveria ser investigada a origem do problema. A contaminação microbiológica não vem do céu, é possível e necessário identificar a sua origem”, remata Francisco Ferreira.