Incêndios rurais: a “mão criminosa” e a mão preventiva

Já (quase) nos habituámos a darmo-nos por satisfeitos com a explicação do “erro humano” ou do “crime”, da “culpa” individual em muitos domínios. Um deles é o dos incêndios rurais.

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“Caça aos incendiários”. Não há muito tempo, lia isto, discussão a condizer, no rodapé de uma televisão. Com propriedade, o título do programa é Análise Criminal.

Talvez inspirado por este título, o presidente de um partido político com representação na Assembleia da República publicou nas redes sociais (aliás, em condições formais que já deram lugar a uma queixa na ERC) a opinião de que “os incêndios só vão parar quando não houver um incendiário em liberdade”.

Como conclusão prévia deste artigo, dois exemplos de aproveitamento dos incêndios rurais em desvio do interesse público: um aproveitamento televisivo indiciando visar interesses comerciais; um aproveitamento “político” com fins partidários.

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Incêndio de Aljezur, Odemira, há cerca de duas semanas LUÍS FORRA/LUSA

Mas esta conclusão carece de sustentação. É o que se fará quanto ao primeiro exemplo, dispensando-nos de o fazer quanto ao segundo, tão substancial já foi a sua análise na comunicação social.

Os incêndios rurais são um dos tipos de situações (outro é, por exemplo, os acidentes de trabalho) em que uma característica do tratamento habitual pelas televisões é a de que a pedagogia preventiva obtida é inversamente proporcional ao sensacionalismo e histeria criada.

Tal como nos acidentes de trabalho a “certeza” nas causas tende a ser a “culpa do trabalhador”, no caso dos incêndios rurais, a “certeza" imediata é, por regra, a da “mão criminosa”.

“Certeza” que, de tal modo “certa”, tende a dispensar muitas perguntas.

De facto, já (quase) nos habituámos a darmo-nos por satisfeitos com a explicação do “erro humano” ou do “crime”, da “culpa” individual em muitos domínios. Um deles é o dos incêndios rurais.

Assim, dispensam-se perguntas sobre condições contextuais (temperatura elevada, alta velocidade do vento, pouca humidade, solo muito seco, orografia propícia ao desenvolvimento do fogo) de avanço rápido dos incêndios.

E, sobretudo, dispensam-se perguntas sobre combustível (arborização seca) ali há muito em condições de arder, bem como, mais ainda, sobre que (não) ordenamento, diversificação e compartimentação florestal, além da (não) monitorização pela vigilância das condições de prevenção inerentes a estes e outros aspectos.

Perguntas nas quais, há muitos anos, vêm a insistir especialistas e cientistas da área.

Por isso, mais importante que saber se houve “mão criminosa” nos incêndios rurais é saber se não houve falta de “mão”. “Falta de mão”, no sentido de ali não haver, no devido tempo, espaço e modo, falta de prevenção.

Neste como noutros domínios, a “mão criminosa” como paradigma preponderante pode ser, como certamente já tem sido, o manto negro que escamoteia outras responsabilidades, mormente as relacionadas com a não assunção das medidas adequada, suficiente e prontamente preventivas.

De facto, esta “explicação” instintiva de fogo posto intencionalmente para os incêndios rurais é um pressuposto que, por tender a tornar-se paradigma, corre o risco de se tornar (mais) … um risco. O risco de, polarizando exclusivamente nele o enfoque, desviar a atenção de falhas ou deficiências da (na) prevenção que, a assim não serem (bem) supridas ou corrigidas, vão permitir a ocorrência de mais incêndios.

Hipótese que deve ser ponderada e a analisar / investigar disso havendo fundamento, a “mão criminosa” nos incêndios rurais não pode passar a pressuposto de regra como base da teoria do incendiarismo.

Se bem que pouca esperança reste de que o objectivo de rendimento comercial (porque tidas como de interesse do público) das “audiências” assentes no sensacionalismo e na superficialidade de análise, venha a ser prejudicado por um tratamento dos incêndios rurais na comunicação social (mormente na televisão) efectivamente social. Ou seja, em que a mão preventiva prepondere sobre a “mão criminosa”, isto é, visando essencialmente a pedagogia da sua prevenção, o interesse público.

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