Milhões de créditos de carbono só compensam uma fracção do prometido

Estudo mostra que são necessárias medidas para garantir integridade dos mercados voluntários de carbono que prometem conservação de florestas. Há créditos de carbono com impacto oposto ao garantido.

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Na região de Madre Dios, na Amazónia peruana, uma área desflorestada para garimpo ilegal STRINGER Peru
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Os mercados de carbono são apontados como uma ponte promissora para ligar projectos de mitigação de emissões e de conservação de biodiversidade a potenciais financiadores interessados em “compensar” as emissões das suas empresas ou países. Contudo, um estudo conduzido por investigadores de vários países traz novos indícios de que estas compensações voluntárias através de créditos de carbono têm projecções sobrestimadas e nem sempre garantem que os créditos relacionados com redução da desflorestação estejam, efectivamente, a corresponder à preservação dos territórios e aos prometidos cortes nas emissões.

O estudo publicado esta quinta-feira na revista Science, intitulado “Acção necessária para que créditos de carbono para conservação de florestas funcionem para a mitigação das alterações climáticas”, analisou o impacto de projectos REDD+, ou seja, créditos de carbono dedicados a reduzir emissões resultantes da desflorestação e da degradação de florestas em países em desenvolvimento, inseridos num mecanismo criado pelas Nações Unidas. Em teoria, cada crédito de carbono equivale a um milhão de toneladas de emissões de dióxido de carbono que se evitou lançar para a atmosfera através da preservação florestal.

Os resultados, contudo, trazem novas provas sobre a (in)eficácia de milhões de créditos de carbono, baseados em cálculos grosseiros e inflacionados, o que põe em causa a adicionalidade de muitos destes créditos, ou seja, o impacto concreto que o projecto tem na redução de emissões no território abrangido.

A equipa internacional liderada pela Universidade de Cambridge e pela Universidade Livre de Amesterdão analisou 18 projectos REDD+ em seis países tropicais – Peru, Colômbia, República Democrática do Congo, Tanzânia, Zâmbia e Cambodja – certificados através do Verified Carbon Standard (VCS), um programa voluntário de redução de gases com efeito de estufa, e aprovados pela Verra, a maior entidade certificadora do mundo, como nota o jornal The Guardian. Outros oito projectos foram descartados do estudo porque não tinham sequer dados de comparação suficientes.

“Utilizámos locais de comparação do mundo real para mostrar como seria agora, muito provavelmente, cada projecto florestal REDD+, em vez de nos basearmos em extrapolações de dados históricos que ignoram uma vasta gama de factores, desde as alterações políticas às forças de mercado”, explica o autor principal do estudo, Thales West, investigador da Universidade Livre de Amesterdão, que fez parte do Centro para o Ambiente, Energia e Governação dos Recursos Naturais da Universidade de Cambridge.

Com base nestes métodos de “controlo sintético para a inferência causal”, os investigadores concluem que a maioria dos projectos não reduziu significativamente a desflorestação, quando comparadas as projecções com as medições posteriores. Pelo contrário: vários destes créditos de carbono, correspondentes a toneladas de emissões de gases com efeito de estufa consideradas “compensadas” por estes projectos, vieram na realidade aumentar a dívida de carbono.

Mesmo nos poucos projectos que registaram melhorias, a redução da desflorestação esteve muito longe da dimensão alegada (com apenas uma excepção, no Peru).

Créditos vazios

No caso dos projectos analisados, apenas 6% dos créditos estavam ligados a reduções adicionais de carbono, com florestas de facto preservadas. Assim, os 62 milhões de créditos de carbono que foram até agora emitidos para estes 18 projectos – e os 14,6 milhões que foram efectivamente comprados até Novembro de 2021 – quase não reduziram a desflorestação, o que quer dizer que muitos dos créditos comprados por empresas de todo o mundo para declararem que são “neutras em carbono” não se traduziram, no mundo real, na preservação das florestas e redução das emissões.

O resultado: “Estes projectos já foram usados para compensar quase três vezes mais carbono do que o que efectivamente conseguiram mitigar através da preservação florestal”, explica o investigador Andreas Kontoleon, do Departamento de Economia do Solo da Universidade de Cambridge.

Os investigadores identificam quatro possíveis razões para estas estimativas tão exageradas no cálculo de créditos de carbono relacionados com desflorestação: o recurso a informações desactualizadas sobre o território; a localização dos projectos em áreas onde já havia condições anteriores para a redução da desflorestação; a falta de adaptação das projecções ao longo da execução do projecto; e, por fim, o risco de que “a flexibilidade das metodologias de cálculo possam ser oportunisticamente exploradas para maximizar as receitas das vendas dos créditos”.

As conclusões reforçam o anterior estudo conduzido pela mesma equipa sobre 12 projectos REDD+ na Amazónia brasileira, que identificaram o mesmo nível pouco significativo de impacto dos projectos para reduzir a desflorestação. Em Junho do ano passado, numa análise de 40 projectos aprovados pela Verra publicada na revista científica Conservation Biology, outro grupo de investigadores da Universidade de Cambridge revelou que, apesar de haver projectos que de facto impediam a desflorestação, a maioria tinha um impacto negligenciável ou mesmo nulo.

Integridade em causa

Os sistemas de certificação estão em vigor para, em teoria, salvaguardar a adicionalidade das compensações, mas estes resultados indicam que “as metodologias de base actualmente utilizadas não garantem a adicionalidade”, alertam os investigadores, que apelam a revisões urgentes nestas metodologias para garantir não apenas os incentivos à conservação das florestas mas, em particular, a integridade da contabilidade global do carbono.

“É fundamental desenvolver metodologias novas e rigorosas para análises credíveis sobre desflorestação que sirvam de base para as intervenções voluntárias de REDD+ e para avaliar correcta e regularmente a sua contribuição para a mitigação das alterações climáticas”, sublinha-se.

Há incentivos perversos para gerar um grande número de créditos de carbono e, actualmente, o mercado não está regulado. Estão a ser criadas agências de vigilância, mas muitas das pessoas envolvidas estão ligadas às próprias agências de certificação de créditos de carbono”, alerta Andreas Kontoleon. “A indústria precisa de trabalhar para colmatar as lacunas que permitem que agentes de má-fé possam explorar os mercados de compensação de carbono.”

Os investigadores concluem o artigo olhando para o copo meio cheio: alguns projectos voluntários reduzem efectivamente a desflorestação, como foi observado no Peru, e para que as intervenções REDD+ possam ser alargadas é fundamental compreender os factores que estão por trás do bom desempenho em termos de mitigação, assim como os impactos nas comunidades locais. “Com base nesse conhecimento, académicos, profissionais e políticos devem formar parcerias eficazes para ajudar os créditos REDD+ a cumprir a sua promessa original”, lê-se no artigo científico.

Outra via para garantir maior integridade na emissão de créditos é que a avaliação do potencial de compensação seja feito com o envolvimento de autoridades locais, ao invés de entregar essa responsabilidade aos promotores do projecto.

“É preciso desenvolver métodos muito mais sofisticados e transparentes de quantificação da quantidade de floresta preservada para se tornar um mercado fiável”, completa Kontoleon.