O “inacabado” golpe do Níger
A posição estratégica do Níger no Sahel causa alarme em Paris e Washington. EUA têm como prioridade salvar a base de Agadez e evitar deslizamento da junta golpista para o Wagner.
Os estados-maiores da Comunidade de Desenvolvimento da África Ocidental (CEDEAO) efetuaram duas reuniões para análise de cenários e meios, no sentido de intervenção contra o golpe de Estado de 26 de julho no Níger e unidades especiais de alguns dos países membros já realizam exercícios preparatórios. Porém, a decisão está longe de ser tomada. A maioria dos membros hesita, sobretudo após o Comité de Paz e Segurança da União Africana se ter oposto – na sequência de encontro marcado por agressivas divergências.
O receio é que tal intervenção provoque uma guerra generalizada na sub-região, uma vez que os governos militares do Mali, Burkina Faso e República da Guiné prometeram apoio aos golpistas de Niamey. Dos outros vizinhos, o Chade declara-se contrário à ação militar, a Argélia procura fazer mediação, a Líbia não diz nada, enquanto a Nigéria aparece como favorável e o Benim fechou as fronteiras com o Níger.
Apesar de tudo, estas duas posições são perigosas para os golpistas, na medida em que o Benim é a mais curta distância para acesso nigerino ao mar e a Nigéria é não só a maior força armada do oeste africano como fornece dois terços da eletricidade consumida no Níger.
A junta militar conduzida pelo general Tiani, comandante da Guarda Presidencial que mantém preso o Presidente civil, Mahamud Bazoum, formou um “conselho de salvação nacional” e indicou um primeiro-ministro civil, Mahamane Lamine Zeine, ex ministro das Finanças no governo ditatorial de Mahamud Tandja, conhecido pelas suas ligações ao regime da Venezuela e derrubado em 2010, embora o seu partido, MNSD, tenha continuado ativo.
Parte da base de apoio civil ao golpe vem desse partido e a outra parte é composta por jovens desempregados ou radicais opositores à presença francesa. Aliás, o golpe assumiu um perfil abertamente antifrancês, tal como os do Mali e Burkina Faso.
As implicações internacionais da atual situação nigerina incidem em dois pontos maiores: aproveitamento jihadista para novas operações, seja do Boko Haram, da Al-Qaeda do Magreb Islâmico ou do Estado Islâmico do Grande Saara, e eventual entrada do grupo Wagner, já presente no Mali.
A posição estratégica do Níger no Sahel causa, portanto, alarme em Paris e Washington que possuem, cada um, contingentes terrestres superiores a mil efetivos no local, tendo os Estados Unidos uma base de drones em Agadez, segunda cidade do país, essencial para a vigilância antiterrorista em toda a sub-região.
Com a impopularidade francesa, os Estados Unidos estão, discretamente, a dialogar com os militares no poder em Niamey, um dos quais, chefe do estado-maior, foi formado numa das academias norte-americanas. Além disso, a nova embaixadora dos EUA é esperada este fim de semana na capital nigerina e a junta militar não fez, até aqui, nenhuma declaração hostil a Washington.
Em Dakar e Yamoussoukro (capital da Costa do Marfim), meios diplomáticos e políticos africanos admitem cada vez mais que a influência de Washington irá superar a de Paris, não só no Níger. Decisões e declarações na Cimeira US-Africa de dezembro deram sinais nesse sentido e, quanto a mediações, os mesmos meios acreditam que a diplomacia norte-americana venha a ser mais eficaz até que a CEDEAO.
Washington tem como prioridade salvar a base de Agadez, manter o contingente e evitar deslizamento da junta golpista para o Wagner. Assim, não é de excluir uma “solução” do tipo Chade, onde os militares permanecem no poder com apoio de setores civis e não tocam na base francesa de N'Djamena.
Mas há um fator complementar que pode tornar-se de primeira grandeza. O ministro de Estado do detido Presidente Mohamed Bazoum, Rhissa Ag Boula, passou à clandestinidade e lançou um Conselho de Resistência da República (CRR) para repor a normalidade constitucional. Ag Boula é um antigo líder rebelde Tuaregue que depôs as armas em 2011, pouco depois da derrubada da ditadura, passando a exercer funções de topo no posterior governo de Mahmadu Issoufu e do seu sucessor, Bazoum, ambos do Partido Nigerino da Democracia Socialista (PNDS), membro da Internacional Socialista e também com elementos na clandestinidade.
O Níger, quarto alvo de golpes de Estado em tempo reduzido no oeste africano, é um caso com todas as probabilidades de se repetir mesmo nas outras macrorregiões. Vem num contexto de novas definições de poderes mundiais. Em situações semelhantes anteriores, o continente perdeu várias décadas.