Seca no Iraque pode levar ao desaparecimento do seu arroz característico

Escassez hídrica está a impossibilitar o cultivo do arroz âmbar, um cereal considerado parte da identidade cultural iraquiana. Desemprego e criminalidade batem à porta das comunidades afectadas.

Amber rice cultivation is an integral part of the local identity in Al-Mashkhab. MUST CREDIT: Photo for The Washington Post by Abdullah Dhiaa Al-Deen.
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O cultivo do arroz âmbar é considerado uma parte integrante da identidade local Abdullah Dhiaa Al-Deen/The Washington Post
 Cows graze in a dry rice field in Al-Mashkhab. MUST CREDIT: Photo for The Washington Post by Abdullah Dhiaa Al-Deen
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Vacas pastam num campo de arroz seco em Al-Mashkhab, no Iraque Abdullah Dhiaa Al-Deen/The Washington Post
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Quando Abbas Al-Zalemi caminha pelos campos, recorda-se de melhores dias. No passado, o arroz florescia ao longo dos 32 mil metros quadrados que o agricultor herdou do pai, pintando-os com um verde exuberante. Agora o solo está seco e estéril, invadido por plantas do deserto, a única vegetação forte o suficiente para sobreviver ali.

“Sem o cultivo do arroz âmbar, tenho uma sensação de perda”, disse Al-Zalemi, de 50 anos. “Evito vir aqui, para contornar a tristeza”, confessa.

O arroz âmbar é muito valorizado no Iraque pela sua fragrância distintiva. No dialecto iraquiano, a palavra “âmbar” é usada para descrever qualquer aroma doce.

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Agricultores trabalham num campo de arroz em Al-Mashkhab, onde apenas 2% do terreno dedicado à rizicultura está a ser cultivado Abdullah Dhiaa Al-Deen/The Washington Post

Este cereal é um alimento básico da dieta nacional consumido em quase todas as refeições – e, na cidade de Al-Mashkhab, na província de Najaf, o cultivo do arroz âmbar é parte integrante da identidade local.

À medida que os efeitos das alterações climáticas se tornam mais visíveis no Iraque, o arroz âmbar torna-se a vítima mais recente. Os agricultores estão a enfrentar não apenas a perda de um meio de subsistência, mas também de um modo de vida.

Assolado por anos de seca, o Iraque agora está a passar pela pior onda de calor em décadas. Os fluxos de água nos rios Eufrates e Tigre estão perto de mínimos recordes, levando a uma crise de água no interior do país, onde as técnicas agrícolas não acompanharam o progresso dos tempos.

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Agricultor caminha num campo ressequido da cidade de Al-Mashkhab, no Iraque Abdullah Dhiaa Al-Deen/The Washington Post

O cultivo deste arroz, que normalmente vai do final de Junho a Outubro, exige que o arroz permaneça submerso na água durante todo o Verão. Em 2021, o Ministério da Agricultura do Iraque tomou a “difícil” decisão de proibir a maior parte do plantio de arroz numa tentativa de economizar água.

“Devido à diminuição das descargas de água dos países vizinhos, e também à escassez de chuva, tivemos de reduzir as áreas de cultivo de âmbar”, disse Hakim Al-Khazraji, director-adjunto do departamento de agricultura de Najaf.

Especialistas dizem que as políticas governamentais deixaram o sector particularmente vulnerável à escassez de água. Embora os ministérios tenham oferecido equipamentos subsidiados para apoiar a custosa transição para métodos de irrigação menos intensivos, as grandes empresas agrícolas, com uma boa rede de conhecimentos na política, receberam mais apoio do que os pequenos agricultores. Nos campos, a infra-estrutura de drenagem construída há décadas foi deixada ao abandono.

Proteger as sementes

Os campos de arroz ocupam mais de 54 quilómetros quadrados na província de Najaf. Agora, menos de 2% dessa área está a ser oficialmente cultivada, de acordo com Al-Khazraji. “O objectivo não é produzir, mas sim preservar as sementes e proteger da extinção essa variedade única de arroz”, refere o director-adjunto do departamento de agricultura.

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O ministério da Agricultura no Iraque proibiu o cultivo de arroz em muitas zonas numa tentativa de economizar água Abdullah Dhiaa Al-Deen/The Washington Post

Abbas Al-Zalemi, pelo menos, teve a sorte de encontrar um emprego no governo. Muitos outros agricultores, como Riyadh Abdulameer, de 53 anos, estão neste momento desempregados.

“Tínhamos uma auto-suficiência económica muito boa, não nos importávamos com mudanças políticas ou com a alta do dólar”, disse Riyadh Abdulameer. “O âmbar era a nossa moeda, mas agora nem consigo pagar as despesas diárias da minha casa.”

O filho mais velho de Riyadh Abdulameer planeava herdar a fazenda. Ele agora trabalha na construção e viu-se obrigado a adiar os planos de casar.

“Al-Mashkhab está a testemunhar uma nova era, um período único na sua história”, disse Abdulameer. “Não posso sequer chamá-lo de morte lenta. É uma morte rápida e não temos alternativas.”

Aumento da criminalidade

Muthanna Al-Salami, cientista social, afirmou que as taxas de criminalidade na área estão a aumentar, algo que atribui para o desemprego generalizado.

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Riyadh Abdulameer, um agricultor de 53 anos, num campo de arroz em Al-Mashkhab Abdullah Dhiaa Al-Deen/The Washington Post

“Jovens cujo potencial é desaproveitado podem recorrer a outras actividades se não encontrarem alternativas económicas disponíveis”, alertou.

Até recentemente, o arroz âmbar estava presente em todas as mesas e era exportado para toda a região. Agora, a população local teve de recorrer a variedades importadas, e mais caras, oriundas da Índia e do Irão.

“Os preços do arroz dispararam, atingindo cinco vezes o valor normal”, conta Hussein Aqil, de 41 anos, enquanto faz compras num mercado local. Mais angustiante do que o aumento do preço, contudo, foi o desaparecimento do alimento mais característico da região. “As nossas refeições não têm o mesmo sabor nem interesse”, lamentou Aqil.

No exterior de uma fábrica próxima, uma placa anuncia que “a produção de arroz âmbar é de excelência”. A fábrica, agora, é usada para armazenar arroz importado.

Dakhil Bidaiwi, de 53 anos, acaba de estacionar o veículo para fazer uma entrega de arroz iraniano. O ex-agricultor agora trabalha como camionista.

“Antes, eu era como um rei, produzia o melhor arroz”, disse Dakhil Bidaiwi. “Agora sou como um escravo.”

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Condutor passa diante de um moinho de arroz fechado em Al-Mashkhab Abdullah Dhiaa Al-Deen/The Washington Post

Como o arroz âmbar desapareceu, o mercado negro desenvolveu-se. “Perguntar sobre isso agora é como perguntar sobre drogas”, disse Hussein Ali, de 20 anos, um comerciante local. “Há quem o cultive em segredo e venda o arroz secretamente, mas apenas em quantidades muito limitadas.”

Enquanto os repórteres do Washington Post percorriam a cidade, os agricultores podiam ser vistos a cavar numa área onde o cultivo de arroz já não é permitido.

“Não há nada na vida que façamos tão bem como cultivar arroz”, explicou um homem mais velho, falando sob condição de anonimato por receio das autoridades.

Outro homem acenou ameaçadoramente com uma pá na direcção dos repórteres, exigindo que os jornalistas fossem embora.

Al-Khazraji disse que o orçamento federal, aprovado recentemente, inclui “uma compensação para agricultores que não conseguiram cultivar as próprias terras”. No próximo ano, referiu, a província começará a testar a semeadura mecânica, numa tentativa de cultivar o arroz âmbar com menos água.

Mas Abbas está céptico quanto às promessas do governo e está cansado de esperar. “Vou cultivar a minha terra no ano que vem, não importa o que aconteça, não posso simplesmente deixá-la como está”, disse, a olhar para os campos. E concluiu: “A minha alma está enraizada aqui.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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