Governo alemão aprova legalização de uso recreativo de cannabis

Será permitido autocultivo e posse de até 25 gramas. Está ainda previsto o cultivo, e consumo, em “clubes de cannabis

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O ministro da Saúde da Alemanha, Karl Lauterbach, prometeu uma campanha chamando a atenção para os perigos do consumo diário de cannabis CLEMENS BILAN/EPA
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O Governo alemão aprovou, nesta quarta-feira, uma série de medidas para legalizar a utilização de cannabis para fins recreativos, incluindo a posse de até 25 gramas por pessoa adulta. Apesar de não ir tão longe como o executivo pretendia, quando for aprovada pelo Parlamento, a lei alemã deverá, diz a agência Reuters, ser uma das mais liberais da Europa e assim impulsionar mais países a fazerem o mesmo.

Mas ainda o Governo não tinha anunciado a aprovação das medidas – o último passo antes de serem discutidas no Parlamento – já os media alemães davam conta de um acordo de críticas da oposição conservadora e de especialistas em saúde pública dizendo que as medidas são problemáticas e podem aumentar o consumo diário.

Já o Governo diz que a lei irá proteger consumidores de cannabis adulterada, reduzir a criminalidade ligada à cannabis e diminuir o mercado paralelo.

A legislação inova não só por permitir a adultos ter até 25 gramas de cannabis e plantar até três plantas, como também regulamentará a existência dos chamados "clubes de cannabis" para cultivar e ter acesso a cannabis cultivada – estes clubes, que terão de respeitar uma série de regras, incluindo medidas reforçadas contra roubo, terão de ser aprovados por cada um dos estados federados.

O ministro da Saúde alemão, Karl Lauterbach, defendeu as medidas apontando para um “consumo crescente e problemático” de cannabis na Alemanha. “Não podemos simplesmente permitir que isto continue”, declarou, numa conferência de imprensa de uma hora sobre as mudanças, que caracterizou como “um importante ponto de viragem na política de drogas”.

Lauterbach tem posto a tónica na defesa de consumidores, em especial jovens, que “não são protegidos com os procedimentos actuais” – de facto, quem passear em alguns parques, ou até ruas, de cidades alemães como Berlim poderá pensar que o consumo de cannabis é legal no espaço público.

“Prefiro brócolos”​

“Vamos pôr a tónica no sublinhar dos danos que o consumo de cannabis pode causar, em especial no grupo de pessoas com menos de 25 anos”, prometeu ainda o ministro. O debate sobre as medidas, que, admitiu, são controversas, “não é prejudicial, pelo contrário, é benéfico”, já que a questão “deixa de ser um tabu”, considerou Lauterbach.

O ministro apresentou ainda um cartaz alusivo à legalização dizendo: “​Cannabis: legal, mas... prefiro brócolos”​, com grandes letras, e, mais pequeno, a informação de que “a utilização regular de cannabis não se coaduna com um estilo de vida saudável”.

O Governo queria ter ido muito mais longe, com um mercado de cannabis legalizado e regulamentado, o que não foi possível por causa das regras do espaço Schengen, em que os países proíbem “a exportação de todo o tipo de narcóticos, incluindo produtos de cannabis”, assim como a sua venda e entrega.

Para dar um primeiro passo nessa direcção, no entanto, o Governo apostou na possibilidade de cultivo nos chamados clubes de cannabis. Este é o meio para conseguir preços “competitivos”, confiança na qualidade do produto e, assim, deverão funcionar para fazer diminuir o mercado paralelo, disse também na conferência de imprensa o ministro da Saúde, do Partido Social-Democrata (SPD), que ganhou proeminência no debate público na Alemanha durante a pandemia (é epidemiologista e especialista em saúde pública).

A descriminalização da cannabis foi um dos temas de campanha dos outros dois partidos que integram a coligação de Olaf Scholz, os Verdes e o Partido Liberal Democrata (FDP), e que foram claramente os mais votados entre os jovens.

As críticas às medidas do Governo têm sido feitas precisamente por quem não considera que se preste atenção aos problemas do consumo de cannabis entre adolescentes e jovens, dizendo que, ao aumentar o acesso e a normalização, as medidas irão fomentar o aumento de consumo nestas faixas etárias.

Apoiam-se num relatório do ano passado do organismo da ONU dedicado a drogas e criminalidade indicando que a legalização da cannabis em algumas partes do mundo parecia ter acelerado o consumo diário do produto.

Um exemplo foi uma intervenção de Rainer Thomasius, responsável do Centro para Questões de Dependência de Crianças e Jovens no canal Phoenix (um canal conjunto das duas TV públicas ARD e ZDF), apontando precisamente para o aumento de consumo diário quando há legalização, segundo dados dos Estados Unidos.

Vários países da Europa permitem o uso de cannabis por alguns motivos de saúde e outros, como Portugal, descriminalizaram o seu uso em geral. Mas não o legalizaram, nem permitem o autocultivo: isso só aconteceu em 2021, com Malta a tornar-se o primeiro país da Europa a permitir o autocultivo e posse (limitados) de cannabis para uso pessoal.

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