Rússia entra esta noite na corrida espacial para encontrar água na Lua
A madrugada desta sexta-feira ficará marcada pelo regresso da Rússia aos lançamentos espaciais para a Lua. Quase 50 anos depois, os russos tentarão ser os primeiros a chegar ao pólo Sul da Lua.
A Rússia já terminou as preparações para o primeiro lançamento de um módulo de pouso lunar em 47 anos – é a entrada na corrida para se tornar o primeiro país a alunar no pólo Sul da Lua, uma região que pode ter quantidades significativas de água.
Ao longo de séculos, os cientistas questionaram-se sobre a hipótese de haver água na Lua, que é cem vezes mais seca do que o deserto do Sara. Os mapas obtidos pela NASA em 2018 mostraram água gelada nas zonas com mais sombra na Lua. Em 2020, a agência espacial norte-americana confirmou também a existência de água nas áreas com luz solar.
O foguetão Soiuz 2.1v com a nave Luna-25 acoplada vai descolar do cosmódromo de Vostochny, a 5500 quilómetros de Moscovo, na sexta-feira, a partir das 00h11 (hora em Portugal continental), e deverá pousar na Lua a 23 de Agosto, segundo a agência espacial russa, a Roscosmos.
Esta missão lunar russa, a primeira desde 1976, está a competir com a Índia, que enviou o seu módulo lunar Chandrayaan-3 no passado mês de Julho, e de forma mais ampla com a China e os Estados Unidos, que têm programas avançados de exploração lunar.
“A última vez foi em 1976, portanto há muito em jogo”, afirmou Asif Siddiqi, professor de história da Universidade Fordham (EUA), em declarações à agência Reuters. “As aspirações da Rússia em relação à Lua estão embrulhadas em muitas coisas diferentes. Acima de tudo, creio que é uma expressão do poder nacional num palco global.”
O astronauta norte-americano Neil Armstrong é reconhecido por em 1969 ter sido a primeira pessoa a pisar a Lua, mas a primeira nave a cair na superfície lunar foi a missão Luna-2 da União Soviética em 1959 e a primeira a pousar foi a Luna-9 em 1966.
No entanto, a Rússia concentrou-se em explorar Marte e, desde a queda da União Soviética em 1991, não tem enviado sondas para lá da órbita da Terra. Há, por isso, muito em jogo na missão Luna-25 – especialmente porque o Kremlin afirma que as sanções devido à guerra na Ucrânia não conseguiram paralisar a economia russa.
Água na Lua?
Grandes potências espaciais como os Estados Unidos, a China, a Índia, o Japão e a União Europeia têm enviado sondas para a Lua nos últimos anos, apesar de uma tentativa de alunagem de uma empresa japonesa ter falhado em Abril deste ano, tal como uma missão israelita tinha falhado em 2019.
Ainda nenhum país pousou com sucesso no pólo Sul da Lua. A tentativa anterior da Índia, com a Chandrayaan-2, falhou em 2019. O terreno acidentado dificulta a alunagem, mas o prémio de descobrir água gelada pode ser histórico: quantidades significativas de gelo podem ser usadas para extrair combustível e oxigénio, bem como água para beber.
“Do ponto de vista da ciência, a tarefa mais importante, para simplificar, é pousar onde mais ninguém pousou”, diz Maxim Litvak, responsável da equipa de planeamento científico da Luna-25. “Há sinais de gelo no solo da área em que a Luna-25 deverá pousar; conseguimos ver isso através dos dados de órbita”, refere, acrescentando que está previsto a nave trabalhar na Lua durante pelo menos um ano terrestre, recolhendo amostras.
A Roscosmos explica que a Luna-25 levará cinco dias para chegar até à Lua. A partir daí, passará entre cinco a sete dias em órbita lunar antes de descer para um dos três possíveis locais de pouso perto do pólo Sul – um cronograma que indica que pode igualar ou vencer o seu rival indiano na chegada a esta região da Lua.
O Chandrayaan-3, que já está na órbita da Lua, deverá realizar experiências durante duas semanas, enquanto a Luna-25 estará um ano no satélite natural da Terra.
Com uma massa de 1,8 toneladas e carregando 31 quilos de equipamento científico, a Luna-25 usará uma pá para recolher amostras de rocha até 15 centímetros de profundidade, para testar a presença de água congelada. Esta pá pode explorar o regolito da Lua, a camada solta de material que cobre uma rocha, até uma profundidade de dez centímetros, e carrega um monitor de poeiras e equipamento para receber medições dos parâmetros de iões na exosfera da Lua.
Há décadas que a Rússia planeia esta missão. O lançamento estava planeado para Outubro de 2021, mas foi adiado por quase dois anos. A Agência Espacial Europeia queria testar a sua câmara de navegação Pilot-D acoplando-a ao Luna-25, mas saiu do projecto depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, em Fevereiro do ano passado.
Os moradores de uma aldeia no Leste da Rússia serão retirados das suas casas às 7h30 desta sexta-feira (hora local), já que há uma “hipótese em um milhão” de que um dos andares do foguetão que vai levar a Luna-25 para o espaço possa cair em Terra, afirmou um responsável local.