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Lançamento da bomba atómica: 78 anos depois, um dilema ético

Elizabeth Anscombe sustenta que um indivíduo é responsável pelas consequências intencionais de um acto, bem como pelas consequências não intencionais, quando previstas e evitáveis.

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Nestes dias 6 e 9 de agosto de 2023, completam-se 78 anos sobre o lançamento das bombas atómicas nas cidades de Hiroshima (com a fusão nuclear de urânio 235) e Nagasaki (com a fusão nuclear de plutónio), no Japão.

Como resultado, estima-se que as duas explosões tenham vitimado cerca de 129.000 e 226.000 pessoas, a maioria delas civis. Os efeitos nefastos foram sentidos por muitos anos e ainda hoje continuam a ser identificados.

Desde o seu início, esta tragédia tem sido tema tratado nas mais diversas áreas: militar, médica, social e ética.

Curiosamente, acaba de se estrear no cinema a longa-metragem Oppenheimer, que aborda a trajetória do cientista e a sua participação no conflito nuclear.

Por ocasião de mais um aniversário do primeiro e, felizmente, único conflito nuclear, recordamos o confronto ético entre duas visões antagónicas: a justificação para o lançamento da bomba atómica e a condenação do seu uso.

Como surgiu a bomba atómica

Dois meses antes do início da Segunda Guerra Mundial, três físicos nucleares alemães – Otto Hahn, Lise Meitner e FritzStrassman – descobriram a fissão nuclear, num laboratório em Berlim.

A fissão nuclear – que consiste na divisão do núcleo de um átomo radioactivo em dois ou mais núcleos menores – provoca uma libertação repentina e intensa de energia. Esta descoberta abriu o caminho para novas tecnologias e armas nucleares.

Em Dezembro de 1942, o presidente Franklin D. Roosevelt autorizou a criação do "Projeto Manhattan" para desenvolver uma bomba atómica pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. J. Robert Oppenheimer, um físico teórico considerado o "pai da bomba atómica", foi o responsável por este projeto. “Cerca de dois meses após o termo do conflito na Europa (8 de Maio de 1945), com a rendição total da Alemanha nazi, a primeira bomba atómica foi detonada experimentalmente no deserto de Alamogordo, no Novo México.

No entanto, no Extremo Oriente, as forças armadas japonesas ainda lutavam, apesar de não terem qualquer possibilidade de triunfar ou sequer de enfrentar o poderio militar dos Estados Unidos.

Harry S. Truman, que sucedeu ao presidente americano Franklin D. Roosevelt, falecido a 12 de abril de 1945, autorizou o lançamento das bombas atómicas sobre o Japão, que se concretizou nos dias 6 e 9 de agosto de 1945. Na origem da autorização estiveram os estudos das autoridades militares americanas que previam cerca de 500.000 baixas em caso de invasão das ilhas nipónicas.

Essas baixas aumentavam drasticamente o número de mortos e feridos das forças norte-americanas no Pacífico, desde o ataque a Pearl Harbour (Havai) em 7 de Dezembro de 1941.

Confronto dos princípios filosóficos

Em 1956, a Universidade de Oxford concedeu o grau de Doutor em Direito Civil a Harry S. Truman. No entanto, essa decisão foi altamente criticada pela filósofa analítica inglesa Elizabeth Margaret Anscombe, aluna de Ludwig Wittgenstein e professora de Filosofia na Universidade de Cambridge. Segundo ela, Truman tornou-se um "assassino em massa", ao permitir o uso de armas atómicas.

Num folheto em que criticava a Universidade de Oxford por ter concedido o grau a Truman, escreveu: “Escolher matar o inocente como um meio para atingir seus objetivos é sempre assassínio.”

Consequencialismo/Utilitarismo vs Intencionalismo.

Como já foi mencionado, a decisão de lançar as bombas atómicas baseou-se na perspectiva das baixas nas forças armadas aliadas do Pacífico, no princípio consequencialista/utilitarista.

O consequencialismo é uma corrente ética que sustenta que as consequências da acção são a base fundamental para a verificação da justeza ou do erro de uma conduta. Sendo assim, do ponto de vista consequencialista, um ato moralmente correcto é aquele que produzirá um bom resultado.

Dessa forma, de acordo com a perspectiva americana, o lançamento de bombas atómicas seria moralmente aceitável, uma vez que causaria menos baixas nas forças aliadas do que uma eventual invasão.

O utilitarismo, que foi defendido por Jeremy Bentham (1789), John Stuart Mill (1861) e Henry Sidgwick (1907), é um exemplo de consequencialismo.

No entanto, Elizabeth Anscombe, no seu artigo Modern Moral Philosophy, publicado em 1958, sustenta que um indivíduo é responsável pelas consequências intencionais de um acto, bem como pelas consequências não intencionais, quando previstas e evitáveis.

Dado que as consequências tardias do lançamento das bombas atómicas eram previsíveis, a autorização para o lançamento das bombas foi, de acordo com esta filósofa, moralmente criminosa.

Foi nesse pressuposto, para além do facto de a população das duas cidades ser largamente civil, que Elisabeth Anscombe fundamentou a censura e condenação de Harry S. Truman.

Essa questão é relevante, porque, na grande maioria das vezes, a responsabilidade individual é somente atribuída por uma ação intencional e sob o seu controlo.

A questão que se coloca é se é possível pensar e analisar um conflito bélico sob uma perspectiva filosófica?

A filosofia é uma área do conhecimento que se dedica à criação de conceitos lógicos e racionais e é intrínseca à condição humana. Com base nessa definição, a utilização da filosofia como suporte de argumentos racionais é crucial para prevenir conflitos armados.

No entanto, a maioria dos conflitos armados tem como origem um conflito de interesses. Qual é a probabilidade de uma argumentação racional ser bem-sucedida numa discussão onde o primo movens é um conflito de interesses?

O conflito bélico, uma vez iniciado, é, numa concepção filosófica, um ato falhado. Porque o conflito em questão não foi resolvido através do diálogo, ou seja, da argumentação racional. Ao invés disso, a força da razão foi substituída pela razão da força.

Sendo assim, num conflito bélico há um retrocesso na evolução antropológica do Homem, no seu processo de evolução da biologia humana.

Em 1962, a possibilidade de instalação de mísseis da antiga União Soviética em Cuba pelo regime de Fidel Castro parecia próxima de originar uma nova guerra. Felizmente prevaleceu o bom senso e desde essa data as duas superpotências fizeram acordos no sentido de não proliferação do arsenal atómico, inclusive do seu desmantelamento.

Desde o lançamento das bombas atómicas, não tivemos nenhum outro conflito nuclear.

Porém, nos dias de hoje, aumentam os riscos de um novo conflito nuclear, de consequências terríveis, pois as armas nuleares são muito mais potentes do que em 1945 e seria um conflito a nível mundial com vários intervenientes.

Aliás, a ameaça de utilização tornou-se uma constante, fazendo temer o pior. Como disse, Albert Einstein, “a bomba atómica mudou tudo, exceto a natureza do homem".

Mais do que um ato falhado, um novo conflito nuclear poderia ser o fim da Humanidade, razão pela qual a posição filosófica utilitarista deve ser rejeitada.

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