Português detido por “parecer gay” na Turquia: embaixada “acompanhou” o caso, mas ajuda não chegou

Miguel Álvaro esteve detido 19 dias na Turquia até ser deportado, e diz não ter tido apoio da Embaixada de Portugal. Ministério convidou a ILGA para discutir o caso e “outros que surjam no futuro”.

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Autoridades turcas assumiram, com base na aparência de Miguel, que participaria numa marcha do mês do orgulho LGBTI+ DR
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Miguel Álvaro estava de férias na Turquia no final de Junho quando foi detido em Istambul, depois de a polícia assumir, com base na sua aparência, que participaria numa marcha do mês do orgulho LGBTI+. Acabaria por ficar preso 19 dias sem que a intervenção portuguesa fosse notada. O Ministério dos Negócios Estrangeiros alega "contactos bastante restritos" nos centros de detenção e prisões turcas.

Durante as quase três semanas em que esteve preso, Miguel foi contactado apenas uma vez pela Embaixada de Portugal em Ancara, a 4 de Julho, seis dias após esta ser informada da detenção do cidadão português.

“Assim que as autoridades turcas facilitaram o acesso ao nosso cidadão, a Embaixada de Portugal em Ancara estabeleceu contacto directo com Miguel Álvaro Pereira”, justifica o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), em resposta ao P3. "Os contactos nos centros de detenção e prisões turcas são, por norma, bastante restritos."

Num primeiro breve comunicado em reacção à notícia avançada pelo P3 a 20 de Julho, a Embaixada referiu que, nesse telefonema para a prisão turca de Sanliurfa, onde Miguel estava detido, foi “aferido o bem-estar” do cidadão. Reiteradas as questões feitas pelo P3 ainda antes da publicação da notícia, o MNE deu conhecimento de novas declarações a 30 de Julho, corrigindo a expressão utilizada para dizer que “foi feito um ponto de situação sobre o estado” de Miguel Álvaro.

Nessa chamada, Miguel terá informado que, além das consequências psicológicas e físicas da detenção em prisões sobrelotadas e onde foi ameaçado por outros reclusos, estava com gota e precisava de assistência médica. Pedido de ajuda em relação ao qual os representantes de Lisboa não terão conseguido intervir.

Do outro lado da linha estava João Paulo Brito, encarregado da secção consular da Embaixada em Ancara. Nessa conversa, terão também “revisto os procedimentos para a deportação” para Portugal.

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Miguel Álvaro, de 34 anos, tem nacionalidade portuguesa e sul-africana DR

Questionado pela família de Miguel Álvaro sobre quando seria o voo de regresso, João Paulo Brito disse ter pedido ao cidadão detido que lhe “indicasse os dados do voo assim que estivesse reservado” — apesar de este, sem telemóvel, ter poucos minutos diários para chamadas telefónicas a partir da prisão. “Aqui já é época alta e os aviões estão todos lotados, o que dificulta a obtenção de bilhetes com pouca antecedência”, justificou, em diálogo com os familiares, acrescentando que são as autoridades turcas a tratar das reservas. Na Turquia, a regra é que os detalhes dos voos para a deportação de cidadãos sejam comunicados aos próprios pelas autoridades, reforça o MNE.

Mas neste caso, época baixa ou alta, o Governo turco não reservou qualquer voo. Foi o advogado de uma organização não-governamental (ONG) turca de defesa de direitos humanos que negociou a data de partida, e a associação Istanbul Pride pagou a viagem.

Pedidos de ajuda sem resposta

Por várias vezes, familiares e amigos do português de 34 anos enviaram pedidos de ajuda à Embaixada em Ancara. Primeiro, apelaram à intervenção e apoio na libertação de Miguel. Depois, o pedido de informações sobre o eventual voo de deportação. Outro pedido: que a Embaixada explicasse o caso aos responsáveis pelo apartamento onde Miguel estava instalado, para garantir que a bagagem deixada na manhã da detenção podia ser recuperada.

À excepção do primeiro alerta — a que a Embaixada respondeu dizendo estar a “acompanhar o caso” —, nenhum dos pedidos foi atendido.

Sobre a bagagem deixada no apartamento no bairro de Taksim, João Paulo Brito insistiu: na única conversa entre ambos, Miguel tinha-o informado de que tinha amigos em Istambul que deveriam conseguir ir buscar a bagagem e levá-la ao aeroporto, quando fosse libertado. E caso a senhoria tivesse dúvidas, João Paulo Brito acrescenta que Miguel podia sempre ligar-lhe a partir da prisão e dar-lhe os contactos da Embaixada em Ancara. “Seguramente, o Estado responsável pela deportação o autorizará" a ir buscar o seu passaporte, disse.

A mesma Embaixada garante "ter assegurado a protecção consular prevista perante um caso de detenção e prisão, tendo realizado diligências junto do detido directamente, da família e amigos do detido, do defensor oficioso do detido e das autoridades turcas”.

“O Estado turco não presta apoio jurídico às pessoas que vai deportar. Como a situação era urgente, a organização Istanbul Pride pediu a nossa ajuda”, explica ao P3 Mustafa Vefa, advogado da Associação pelos Direitos Humanos da Turquia (IHD, na sigla original), que acompanhou Miguel enquanto esteve preso.

“A Embaixada de Portugal não foi, de todo, prestável", vinca. "Não me ligaram uma única vez enquanto o Miguel esteve preso. Foi a nossa ONG e a Istanbul Pride a levar a cabo todo o processo", incluindo a recuperação da bagagem e documentos entregues a Miguel no aeroporto de Istambul, já na madrugada de 13 de Julho.

MNE questionou representante turca em Lisboa

O ministério de João Gomes Cravinho informou ainda ter convocado recentemente a encarregada de negócios da Embaixada da Turquia em Lisboa para pedir esclarecimentos sobre o caso. “A representante turca afirmou que a orientação sexual do detido terá sido um facto alheio às razões que presidiram à detenção, tendo insistido tratar-se de um acto motivado por desobediência a uma ordem das autoridades policiais.”

A 25 de Junho, só em Istambul foram detidas mais de cem pessoas. Entre elas, o português e sul-africano Miguel Álvaro. À semelhança do que aconteceu em anos passados, e de acordo com denúncias de várias organizações internacionais de defesa de direitos humanos, o Governo turco terá destacado milhares de agentes das forças de segurança para impedir a realização de manifestações para assinalar o mês do orgulho LGBTI+.

“Portugal pauta a sua actuação, internamente e na esfera internacional, pelo combate a toda e qualquer forma de discriminação, incluindo aquelas que tenham por base a orientação sexual e a identidade de género”, reforça ainda o MNE, que deixa a porta aberta a uma reunião com a ILGA Portugal — Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo.

“É com espírito construtivo e total disponibilidade que acolheremos a ILGA no Ministério dos Negócios Estrangeiros para uma reunião acerca do caso em apreço e outros eventuais casos que surjam no futuro e para os quais importa que a nossa rede externa nunca deixe de estar preparada e sensibilizada”, conclui o ministério, chamando à conversa sobre o combate à discriminação as embaixadas e postos consulares que tutela.

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