Golpe no Níger causa preocupação por causa da dependência europeia do urânio
Instabilidade pode diminuir possibilidades para a UE impor sanções ao sector nuclear russo. O Níger é o segundo fornecedor de urânio para o bloco dos 27.
O golpe militar no Níger pode representar um desafio para a União Europeia, já que a instabilidade no segundo maior fornecedor do bloco pode levar a maior dificuldade em diminuir as importações de outro fornecedor do metal radioactivo, a Rússia, diz o jornal Politico.
Phuc-Vinh Nguyen, especialista em energia no Instituto Jacques Delors em Paris, declarou ao Politico que a tensão no Níger poderá desincentivar ainda mais a União Europeia de adoptar sanções ao urânio russo utilizado para as centrais nucleares. O sector nuclear da Rússia tem ficado, até agora, fora dos vários pacotes de sanções à Rússia, já que vários países europeus usam combustível nuclear russo e por isso são contra estas sanções. “Se a instabilidade [no Níger] continuar, isso irá certamente complicar a adopção de sanções ao urânio russo”, declarou Ngyuen.
A Agência Europeia de Energia Atómica (Euratom) declarou à Reuters que não havia riscos para o fornecimento de urânio à União Europeia apesar de o Níger ter sido, no ano passado, o segundo maior fornecedor de urânio ao bloco, representando 25,4% do total das importações a nível europeu. O Níger é o sétimo produtor mundial do metal radioactivo, usado como combustível para gerar energia nuclear, para o fabrico de armas atómicas, ou ainda para o tratamento de cancro.
O Cazaquistão foi, em 2022, o principal fornecedor de urânio para a União Europeia, com o Canadá em terceiro lugar.
A empresa francesa Orano, que segundo o diário francês Le Monde, está presente há quase 50 anos no Níger, com três minas de urânio (apenas uma actualmente activa), garantiu que a extracção continuava e iria manter-se apesar do início da retirada dos cidadãos franceses do país, esta terça-feira, já que 99% das pessoas que trabalham na empresa são do Níger.
Em França, as autoridades apressaram-se a sublinhar que o impacto da situação no Níger nunca seria imediato; mesmo que a extracção parasse, o urânio armazenado seria suficiente para aproximadamente dois anos de operação das centrais nucleares.
O mesmo fez a Comissão Europeia: “A médio e longo prazo, há depósitos suficientes no mercado mundial” para suprir as necessidades europeias, disse um porta-voz citado pela Reuters.
A agência noticiosa britânica dizia ainda que o preço do urânio aumentou apenas de modo ligeiro desde o golpe militar da semana passada. No entanto, citava Jonathan Hinze, presidente da consultora UxC, que admitia uma mudança: “Um acontecimento destes pode demorar um pouco mais a afectar a psicologia dos mercados”, declarou Hinze. “Poderemos ver um impacto maior nos próximos dias ou semanas.”
Na véspera, a junta que tomou o poder deteve vários políticos, incluindo o ministro das Minas, apesar dos apelos internacionais para o regresso do poder ao executivo eleito. A pressão veio também de outros países da região: no domingo, a Comunidade Económica de Desenvolvimento da África Ocidental (CEDEAO), que não reagiu noutros golpes como no Burkina Faso ou no Mali, deu uma semana aos golpistas do Níger para recuar, ameaçando com “uso da força” caso não o façam.
Mesmo antes do golpe, a exploração de urânio no Níger esteve envolvida em polémicas, com incidentes de negligência documentados por organizações ambientais, lembra o diário norte-americano The Washington Post, como por exemplo a existência de resíduos com níveis perigosos de radioactividade deixados perto de comunidades, deixando-as em risco.
O Governo do Níger também tentou, há dez anos, conseguir um novo contrato com termos mais favoráveis, e já antes do golpe, o Níger estava a explorar outras possibilidades de investimento no país, incluindo a exploração de uma nova mina de urânio em conjunto com a China, lembra o Post. O golpe veio assim, comentava o jornal, intensificar questões já existentes sobre a indústria de urânio do Níger.
Na Rússia, o golpe foi apresentando como uma oportunidade para entrar no país por vários comentadores, segundo a emissora britânica BBC, incluindo o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin (Ievgueni Prigojin na transliteração portuguesa), com presença e interesses em vários países africanos.