Não gosto de reclamar. Quando o faço é por sentir que será egoísta da minha parte não o fazer. Contudo, neste caso em específico, trata-se de não me sentir seguro depois de tantos limites serem ultrapassados.
Há cerca de um ano que luto de forma pública contra a discriminação, especialmente no mundo dos TVDE. Quero acreditar que a minha forma de protestar é, desde o princípio, frutífera – não aponto o que está mal sem apontar o que está bem e, mais do que isso, não digo os defeitos do sistema sem ter uma solução.
Com a Bolt, conseguimos construir a categoria de Acessibilidade, que permite aos passageiros com necessidades especiais motoras (e não só) sentirem-se mais seguros e com a certeza de que a pessoa que os transporta não os vai tratar como extraterrestres por estarem numa cadeira de rodas — que se desmonta e cabe em quase qualquer carro — ou ter a conversa mais inconveniente que começa com “então, isso é de nascença ou foi acidente?”.
Acredito que esta última frase não é dita por mal, mas já a ouvi centenas de vezes. No passado dia 13 de Julho, estava a sair de um tratamento no Hospital de Santa Maria e tinha de chamar um TVDE para poder ir para casa. Não havia em nenhuma das aplicações um veículo da categoria Acessibilidade disponível, então, acabei por chamar um Uber X.
Contrariamente ao que muita gente acredita, estes motoristas não têm o direito de poder escolher se me levam ou não. São obrigados a transportar-me como a qualquer outra pessoa, salvo excepções em que não caiba mesmo a cadeira ou se, por exemplo, o motorista tiver uma condição de saúde que o impeça de pegar em pesos.
Quando está a chegar, aceno. Passa ao meu lado, de vidro aberto, e diz simplesmente “você tinha de chamar um Assist para pessoas da sua espécie”. Nem bom dia nem boa tarde. Só isto já é mau o suficiente, mas piora. Respirei fundo e esperei só que o Sr. Carlos viesse abrir a mala. “Eu até lhe faço isto, mas não devia”, disse-me. Expliquei-lhe, com muita calma, que estava a par dos meus direitos. Responde-me que não queria saber se eu estava por dentro do assunto ou não e que fazia o que lhe apetecia. Contudo, que me ia conceder o favor de transportar. Que sorte a minha!
Para facilitar o processo, enquanto continuava a reclamar comigo, já tinha eu desmontado os “pés” da cadeira, posto dentro do porta-bagagens, quando pega na cadeira de rodas e diz: “Eu nem devia transportar isto, porque você não precisa da cadeira. Está aí de pé a fingir que precisa de usar isto!”. Confesso que fiquei em choque e nem estava a conseguir acreditar no que ouvia. Foi aí que comecei a gravar o vídeo que publiquei no Instagram e que mostra parte do que me foi dito. Como é que acabou? Com o motorista a tirar as coisas de dentro da bagageira e a deixar a cadeira no meio da estrada.
Insultou-me mais um bocadinho, virou as costas e cancelou a viagem. Por mais que eu tenha a plena noção de que há motoristas impecáveis — e não são poucos! —, deixei de me sentir seguro. Senti-me humilhado e discriminado da pior forma. Deixei de conseguir chamar um TVDE sem pensar automaticamente que este ser pouco humano continua a poder transportar pessoas e a dizer e a fazer o que quer.
Claro que fiz queixa e a solução para a Uber passou por devolver-me o dinheiro daquela viagem e dizer que o que aconteceu vai contra as políticas da empresa. No entanto, expliquei que isso era insuficiente e que precisava de uma garantia de que o motorista em causa seria suspenso, mesmo que temporariamente, pois de outra forma era impossível sentir-me seguro de novo. Não quiseram saber, pois a política de protecção de dados é mais importante do que garantir o bem-estar e segurança dos clientes. Não é como se eu tivesse pedido a morada da pessoa em causa para fazer um ajuste de contas. Só mesmo a garantia de que não vou apanhar o mesmo motorista hoje quando voltar a sair de casa.
A inércia destas empresas é revoltante. Quantas vezes já me foi prometido que “iriam tomar as medidas necessárias” e depois chego a apanhar o mesmo motorista, com a mesma atitude na semana seguinte? Dá trabalho fazer justiça, dá trabalho perceber que não é qualquer um que pode transportar pessoas, dá trabalho castigar, diferenciando o certo do errado. Dá trabalho e custa dinheiro. É sempre mais fácil fechar os olhos, encobrir um crime, até porque as queixas vão acabar por se desvanecer devido à falta de resposta e à necessidade das pessoas de seguirem com as suas vidas. Não deixem de reclamar, por mais cansativo que seja. Não deixem de viver o melhor de cada dia por situações como estas.