Protestos mantêm-se no dia seguinte ao “dia negro” para a democracia de Israel

Antigo primeiro-ministro Ehud Olmert fala em “guerra civil” após a aprovação da primeira lei do “golpe judicial”. Agência Moody’s revê avaliação de Israel.

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Primeiras páginas do diário "Israel Hayom": "um dia negro para a democracia", um anúncio pago por um grupo de protesto de empresas do sector da tecnologia EPA/ATEF SAFADI
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No dia seguinte à aprovação, pelo Governo de Benjamin Netanyahu e os seus parceiros de coligação (que incluem figuras de extrema-direita além dos partidos ultra-ortodoxos), do fim de uma das possibilidades do Supremo vetar leis e medidas do Governo, vários grandes jornais de Israel publicaram, na primeira página, uma mancha gráfica negra. Era um anúncio, pago por “trabalhadores high-tech preocupados”, sobre o “dia negro” para a democracia de Israel.

Muitos responsáveis de empresas de sectores tecnológicos de Israel – que se apresenta como a “Startup Nation” pelo grande número de empresas da área – têm manifestado oposição aos planos do Governo mudar o equilíbrio de poderes, algo que para o executivo é necessário, e que para o movimento de protesto é o acabar, a pouco e pouco, com contrapeso ao poder legislativo.

O antigo primeiro-ministro Ehud Olmert disse, numa entrevista ao britânico Channel Four, que o país “está à beira de uma guerra civil”. A expressão está a ser cada vez mais utilizada por comentadores.

A favor da reforma - a lei aprovada na segunda-feira é uma de várias propostas - estão movimentos de colonos, ultra-ortodoxos, e a direita mais radical e extrema, que vêem o Supremo como influenciando a política de Israel numa direcção demasiado progressista. Contra estão muitos nas Forças Armadas, com um movimento cada vez maior de reservistas a “recusar servir uma ditadura”, as secretas, o sector de high-tech, a economia, pessoas que são, em geral, activistas, mas que temem agora o futuro, e a oposição de centro-esquerda.

Também do estrangeiro têm vindo avisos, sobretudo dos Estados Unidos, directamente do Presidente, Joe Biden, que tentou impedir a aprovação da reforma. No dia seguinte, de Londres veio um aviso também sobre a “necessidade de preservar o sistema de pesos e contrapesos” dos poderes.

Sem uma Constituição, com um Presidente sem direito de veto, com um Parlamento com apenas uma câmara, os tribunais são dos poucos contrapesos a uma maioria no Parlamento, notou numa entrevista à rádio pública norte-americana NPR a analista Dahlia Scheindlin.

Na área da economia e finanças, a aprovação, na segunda-feira, da primeira medida de limitação do poder judicial, teve efeitos imediatos.

“Estava a seguir a votação e os índices” bolsistas, contou uma pessoa num cargo de responsabilidade no mercado de capitais ao diário israelita Haaretz. “No momento em que [o ministro da Defesa, Yoav] Galant votou ‘sim’, a bolsa começou a cair.” Os índices da Bolsa de Telavive caíram e o shekel desvalorizou face ao dólar.

Galant tinha-se manifestado, em Março, contra a aprovação das medidas, e tinha recebido os vários avisos sobre o potencial efeito na prontidão das Forças Armadas destas reformas e sobre o dano já causado entre as forças militares. Num programa humorístico popular, Eretz Nehederet (quer dizer algo como País maravilhoso), um sketch revela “a mais recente inovação israelita: uma ditadura sem Exército!”, conta a jornalista Noga Tarnopolsky no Twitter. Depois de segunda-feira, nota Tarnopolsky, já poucas pessoas terão vontade de rir.

No dia seguinte, as agências de notação financeira anunciaram revisões da sua avaliação de Israel – a Moody’s alertou para um “risco significativo” de tensão social e política em Israel numa avaliação extraordinária divulgada esta terça-feira. O banco Morgan Stanley baixou as perspectivas em relação à classificação da dívida soberana do país, admitindo uma trajectória desfavorável, invocando a acção pela “redução da influência judicial sobre o legislativo e as políticas públicas”.

A lei que o Governo de Netanyahu aprovou irá facilitar nomeações de responsáveis corruptos, evitar o seu afastamento e justificar admissões ou demissões de pessoas conforme concordem ou não com políticas do Governo ou outros motivos, que poderiam ser vetadas se fossem contra o interesse publico ou tivessem consequências desproporcionadas para o público.

Uma declaração do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e do ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, diz que se trata de “reacções de momento” e que tudo se irá normalizar. Antes, a ministra dos Transportes, Miri Regev, afirmara: “Não temos nada a temer. Temos o criador do Universo.”

Em luta contra a mudança estavam também os médicos, que começaram uma greve de 24 horas esta terça-feira. O Presidente do sindicato dos profissionais, Zion Hagay, disse à estação de televisão pública Kan que havia o perigo de médicos descontentes considerarem emigrar.

Nas ruas, os manifestantes continuavam a protestar, apesar do uso de meios cada vez mais fortes para os impedir: a polícia usou canhões de água e, pela primeira vez, bombas de mau cheiro contra os manifestantes. As autoridades proibiram a continuação de um acampamento de protesto em Jerusalém.

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