O canto das cigarras: o som estridente (e característico) do Verão

As cigarras apareceram neste ano em Portugal mais cedo do que é normal. O som único de cada espécie (usado para atrair, acasalar e proteger) marca o início da estação mais quente do ano.

Foto
A cigarra-comum (Cicada orni) é uma das espécies mais comuns em Portugal e tem um canto repetitivo e monótono Marcello Consolo/DR
Ouça este artigo
00:00
04:17

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Os dias quentes mal começam e o ambiente passa a ser preenchido por um som estridente que anuncia a chegada do Verão: o canto das cigarras. Por todo o país, há 13 espécies destes pequenos insectos — de corpo verde, castanho ou preto, asas translúcidas e olhos grandes e redondos —, e pelo mundo existem mais de 3000 espécies. As cigarras possuem um ciclo de vida curioso, repleto de peculiaridades, que pode durar mais de uma década. Apesar da sua importância para o ecossistema, enfrentam desafios que ameaçam a sua sobrevivência.

As cigarras pertencem à família Cicadidae. Entre as espécies mais comuns em Portugal estão a cigarra-comum (Cicada orni) e a cigarra-comum-do-sul (Cicada barbara), frequentemente vistas e ouvidas na zona centro-oeste, devido às altas temperaturas; a principal diferença está no canto que produzem.

A investigadora do projecto Cigarras de Portugal, Vera Nunes, define o som produzido pela cigarra-comum como um “'che-che-che' repetitivo e monótono”, enquanto o canto da cigarra-comum-do-sul é um “zumbido forte e contínuo como uma sirene.”

Uma “existência solitária”​

Nos Estados Unidos, algumas espécies de cigarras podem viver até 17 anos debaixo de terra, mas o mesmo não ocorre em Portugal, visto que o desenvolvimento desses invertebrados dura em média dois a três anos, explica Vera Nunes.

Foto
Alguns dos milhares de milhões de cigarras que surgem à superfície nos Estados Unidos após 17 anos JOHN PRYKE/REUTERS

A investigadora Vera Nunes define o desenvolvimento das cigarras como uma “existência solitária” em que cada insecto vive no seu túnel quando ninfa (entre a fase de larva e a fase adulta dos insectos que passam por metamorfoses)​. Nesse período, alimentam-se da seiva das raízes de plantas e mudam de pele diversas vezes. “Quando chegam à idade adulta, precisam de encontrar-se para acasalar. Então sobem à superfície, nas árvores, por ser mais fácil para elas encontrarem-se.” Assim, passam pela última transformação e ganham asas. E os machos adquirem a capacidade de cantar.

O canto alto e estridente, que pode ser ouvido a longas distâncias, tem dois propósitos: proteger dos predadores e atrair as fêmeas para o acasalamento. O período de reprodução destes insectos ocorre no Verão. As fêmeas depositam os ovos nos troncos das árvores e, de três a quatro semanas após acasalarem, morrem. Os ovos eclodem após aproximadamente duas semanas, dando continuidade ao processo.

Declínio acentuado em Portugal

No entanto, nem tudo são canções e encantos para as cigarras em terras portuguesas. Nos últimos cinco anos, algumas espécies sofreram um declínio acentuado, principalmente devido à agricultura intensiva e à mecanização, que podem destruir as ninfas que se alimentam das raízes, declara Vera Nunes.

A investigadora destaca ainda o uso de pesticidas como um vilão na preservação das cigarras. Em outras zonas onde o turismo está mais presente, como no Algarve, “a urbanização torna-se um grave problema porque é preciso impermeabilizar o solo, reduzindo o habitat disponível para as cigarras.”

O Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal revelou que quatro das 13 espécies de cigarras nativas do país estão em estado vulnerável, sendo a cigarra-verde-do-Alentejo (Euryphara contentei) a mais ameaçada.

Para mapear a distribuição das cigarras em Portugal e avaliar o estatuto de conservação das espécies, um grupo de investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa lançou o projecto Cigarras de Portugal em 2019. A iniciativa promove a "ciência-cidadã", em que qualquer pessoa pode contribuir com fotos e áudios das cigarras, hospedados na plataforma BioDiversity4All.

As cigarras costumam aparecer em Maio. Neste ano, contudo, a primeira aparição foi em Abril, em Santarém, o que surpreendeu os investigadores por ocorrer duas semanas mais cedo do que o esperado, conforme os dados disponibilizados pelo projecto. Os especialistas apontam as temperaturas mais quentes como uma possível causa.

As cigarras podem ser vistas até Setembro, principalmente nas regiões Centro e Sul. Quando estiver de férias no meio a natureza, tem boas hipóteses de avistá-las ou até de ouvi-las durante o dia. Caso queria contribuir para o projecto Cigarras de Portugal, basta aceder à plataforma e registar o seu áudio ou imagem.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva


Animais de Verão é uma minissérie do Azul sobre animais que podemos ver em Portugal na época estival. Sai um artigo por semana