Marcelo promulga lei da transparência fiscal das plataformas digitais

Diploma chega com meses de atraso. Demora já motivou um processo de infracção europeu. Novas regras terão de ser aplicadas às actividades iniciadas a 1 de Janeiro.

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As actividades geradas com o alojamento local também fazem parte dos dados trocados entre as autoridades fiscais Matilde Fieschi
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Portugal está a transpor para o direito nacional, com meses de atraso, as novas regras europeias de transparência fiscal sobre os rendimentos obtidos pelos vendedores de produtos ou serviços através de plataformas digitais (da Vinted ao Olx, passando pelo Instagram, Amazon ou mesmo o Airbnb).

O diploma foi promulgado na terça-feira pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sem qualquer referência à demora do Governo na transposição, que já valeu ao Estado português a abertura de um processo de infracção por parte da Comissão Europeia.

As regras deveriam ter sido transpostas para o plano nacional até 31 de Dezembro de 2022, o que obrigava o Governo de António Costa a apresentar uma proposta ao Parlamento ainda durante o ano passado, mas só em Fevereiro de 2023, um mês e meio depois da data-limite para a conclusão da transposição, é que o executivo deu o passo que deveria ter dado em 2022, quando a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais estava sob a alçada de António Mendonça Mendes, hoje secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro.

Perante a ausência de acção portuguesa, Bruxelas abriu um processo de infracção contra Portugal logo em Janeiro, ao verificar que o Estado não tinha comunicado à Comissão Europeia informação sobre o ponto de situação da transposição da directiva e, entretanto, já em Julho, seguiu em frente com esse procedimento formal. Na passada sexta-feira, quando o diploma já se encontrava aprovado pelo parlamento e fora enviado para apreciação do Presidente da República, a Comissão enviou ao Estado português um parecer fundamentado sobre o assunto.

A maioria dos Estados-membros já transpôs as regras. Portugal encontra-se no grupo minoritário que ainda não o fez, ao lado da Grécia, Chipre e Polónia.

A primeira notificação de infracção aconteceu a 26 de Janeiro; a 16 de Fevereiro, o Governo aprovou a iniciativa no Conselho de Ministros e a 28 desse mês fez chegar a proposta à Assembleia da República, começando aí a sua discussão parlamentar.

Como o processo legislativo se prolongou até agora e, do ponto de vista formal, Portugal continua sem transpor as regras porque esse acto só termina com a publicação das “disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento” à directiva, Bruxelas mantém de pé o processo de infracção. E foi por essa razão que deu o segundo passo formal desse processo na semana passada.

A legislação europeia vem alargar a troca automática de informação entre as autoridades tributárias dos 27 países da União Europeia (UE), para que entre o leque que dados alvo de intercâmbio automático façam parte os rendimentos gerados nas plataformas a partir de um determinado patamar.

As regras tinham de ser transpostas até ao final de 2022 porque vão cobrir as actividades comerciais desde 1 de Janeiro de 2023, tanto que a lei prevê que as principais regras “produzem efeitos” a partir dessa data.

Os sites e aplicações como o Airbnb ou a Amazon são obrigadas a recolher certas informações sobre os vendedores e, como as regras europeias já têm de ser implementadas neste momento, as grandes empresas já o estão a fazer neste momento. Caso o valor das vendas ou o número de operações supere um determinado patamar — 30 “actividades relevantes” (operações) por ano ou rendimentos de pelo menos 2000 euros — ficam obrigados a comunicar à autoridade tributária nacional correspondente um conjunto de informações.

As informações serão depois trocadas entre as administrações fiscais dos países dos territórios com que os vendedores em causa estão relacionados, sejam empresas ou vendedores individuais.

No caso das pessoas singulares que vendem nas plataformas, o leque de informações a trocar na UE inclui, por exemplo, o nome, o número de identificação fiscal (NIF), o respectivo Estado-membro ou jurisdição emissor, o número de identificação de IVA se estiver disponível, a data e o local de nascimento, a morada, a referência da conta bancária para a qual a plataforma digital faz o pagamento da contrapartida da venda, o valor pago em cada trimestre e o número de operações e as taxas, comissões ou impostos retidos ou cobrados pela plataforma em cada trimestre.

Um exemplo: se um português tiver um apartamento de alojamento local anunciado no Airbnb e ganhar por ano mais de 2000 euros, a multinacional terá de comunicar as informações com a autoridade tributária da Irlanda e esta irá partilhar os dados com a administração portuguesa.

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