O Stop e a cidade que queremos construir

O que está em causa no caso Stop é o tipo de cidade que queremos construir. Se mais quartos para inglês-passear, se mais cidade para portuense viver.

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Vivi 30 anos na Rua do Heroísmo. No número 235. Ali, gravei integralmente o meu primeiro disco, Viagens, e trabalhei com, entre muitos outros, Maceo Parker, Ornette Coleman ou MC Spider. Foi também ali que nasceram os Bandemónio e onde o então jornal de música BLITZ, na sua edição de Abril de 1994, fazia primeira página com ‘Pedro Abrunhosa & Os Bandemónio’ em foto ali captada. Ao lado de minha casa, depois de passar a peixaria, o barbeiro, a ‘ilha’ e o café, era ao Centro Comercial Stop que eu ia lanchar, jogar Pac-Man e dar uma escapadela ao cinema. A cidade respirava. A cidade vivia.

No final dos anos 80, o centro comercial entrou em declínio pela abertura na periferia de uma miríade de mega-shoppings. Foi então que inúmeros músicos, artistas e produtores, apercebendo-se dos espaços entretanto deixados vagos pelos lojistas desanimados, ancoraram no Stop a sua actividade profissional.
Sempre se soube da precariedade com que este ‘laboratório musical colectivo’ funcionava no Stop. A verdade é que nunca houve um protocolo firmado entre os utentes e os proprietários. Mas a verdade também é que foi a comunidade musical do Porto, e arredores, que salvou o Stop de se ter transformado numa sucata urbana. Mais: foi essa mesma comunidade que resgatou aquela zona da cidade da desertificação inevitável e projectou a zona Oriental do Porto para o putativo desígnio de ‘bairro cultural’ que hoje possui.

A intensa pressão imobiliária que, por vias do turismo, toda aquela zona sofre tornava expectável que os proprietários do imóvel e terrenos adjacentes viessem um dia a fazer prevalecer o seu direito, legal, de reivindicação da propriedade para o fim que bem entenderem. Mas nem tudo o que tem cobertura jurídica tem imediata cobertura ética.

O que está em causa no caso Stop é o tipo de cidade que queremos construir. Se mais quartos para inglês passear, se mais cidade para portuense viver. A proliferação do turismo, apesar dos benefícios económicos, pelo menos para alguns, traz a jusante uma pesada factura de abastardamento cultural, de vergar a espinha à normalização da ‘cidade-montra’ versus a textura sociológica que salva qualquer cidade de se transformar numa fachada.

O mesmo aconteceu em todo o mundo: do londrino, e agora muito chique, Soho, aos pátios da Village e do Bronx em Nova Iorque. Primeiro os artistas evitam que as paredes caiam de podres, depois as lojas de alta-costura e os hotéis tomam conta delas. O modelo de cidade que queremos todos, ou quase, para o Porto, e, estou certo, até pela pujança da política cultural que tem levado a cabo de forma continuada, também Rui Moreira quererá, é aquele no qual a diversidade ombreia com a funcionalidade. Podemos ter uma cidade que usufrua das mais-valias do turismo sem ter de abdicar do melhor que o seu tecido de cidadãos produz: o comércio tradicional, a tasca, a tabacaria, o talho, o ‘laboratório criativo colectivo’. Numa palavra: Cultura.

Creio que uma intervenção financeira musculada por parte do Ministério da Cultura, que financia com 10 milhões de euros anuais a Casa da Música (Boavista), outorgando a privados a liderança estratégica deste equipamento vital, não retirando dele, para a cidade, as mais-valias de usufruto que deveria, em concertação com o peso político da CMP, poderia evitar que o Stop se transformasse em apenas mais um hotel do qual os portuenses apenas conhecerão o letreiro.

Caso seja de todo impossível salvar o Stop deste destino, então que se abra a Casa da Música (Boavista) aos projectos estabelecidos no Stop, que se crie um espaço de raiz digno, que acolha a bem-aventurança que é ter dentro de portas tanta gente com tanto talento. E que deu tanto, exigindo tão pouco.

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