Feijóo dominou num debate em que Sánchez não teve iniciativa

O líder do PP propôs um pacto que lhe permitiria governar sem o Vox. Sánchez riu e ignorou a proposta, num debate onde a inexistente moderação deixou a verificação de factos de fora do platô.

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O líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, [à direita na imagem] propôs um pacto que permita excluir os extremos do poder Reuters/JUAN MEDINA
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Na noite desta segunda-feira, Espanha fez uma espécie de regresso aos tempos do bipartidismo em directo na TV. O debate eleitoral frente-a-frente entre Pedro Sánchez [PSOE] e Alberto Núñez Feijóo​ [PP] deixou bem clara a existência de duas visões bem distintas para o país. Mas ambos sabem que, depois de 23 de Julho, dificilmente algum chegará sozinho à Moncloa e haverá cedências com custos ainda por determinar.

Feijóo, adoptando a postura de estadista, tomou a iniciativa do debate e criticou a actuação do Governo de Sánchez. Ao líder dos socialistas, visivelmente mais nervoso, restou jogar à defesa, num debate marcado pela tentativa constante de desmentir as acusações do líder da oposição. A postura de chefe de Governo de Sánchez foi inexistente ao longo dos cento e poucos minutos que demorou o debate nas televisões do grupo privado líder de audiências em Espanha, Atresmedia, ao ponto de o socialista ter perdido largos minutos do seu tempo a justificar a utilização de aviões Falcon nas suas deslocações.

A quase ausência de moderação criou um problema: ambos os candidatos pautaram o debate com dados – muitos deles errados e imprecisos – sem que qualquer jornalista trouxesse a verdade para a mesa perante acusações de mentira.

E foram várias as falsidades: Pedro Sánchez mentiu sobre os números da inflação antes da guerra e disse que o PP votou sempre contra os avanços nos direitos das mulheres ou do colectivo LGBTI. Já Feijóo mentiu sobre a pré-primária só ser gratuita na Galiza [região que governou até Maio de 2022] ou sobre a intenção da Comissão Europeia de acabar com a excepção ibérica nos preços da electricidade. Depois há uma série de imprecisões, tradicionais neste tipo de debates, mas cuja verificação ficou exclusivamente para a imprensa no pós-debate.

O Vox foi o ausente mais presente. Num momento em que pactuar com a extrema-direita se revelou necessário para que o Partido Popular (PP) pudesse chegar ao poder em cerca de 140 municípios e em regiões como a Comunidade Valenciana ou a Estremadura, Sánchez repetiu que "PP e Vox são o mesmo", acreditando que vai "ganhar as eleições" porque fez "as coisas bem" e porque a sociedade espanhola "não vai permitir a entrada num túnel de tempo tenebroso entre PP e o VOX que não sabemos onde acaba".

O momento mais relevante do debate está no pacto de regime proposto pelo líder do Partido Popular. Perante o persistente argumento da colagem do PP ao Vox por parte de Pedro Sánchez, Núñez Feijóo colocou na mesa uma folha A4 com uma proposta que assinou no cenário do debate. A proposta trazida pelo líder dos populares permite que, caso os socialistas sejam os mais votados [cenário altamente improvável tendo em conta os dados das sondagens dos últimos dias], o PP se vai abster, devendo os socialistas fazer o mesmo se forem os populares a vencer de forma a evitar a chegada do Vox ao poder. Sánchez disse que Feijóo "tinha sentido de humor", falou da Estremadura, e ignorou a proposta.

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Pacto proposto pelo Partido Popular ao PSOE. Atresmedia

Nunca a Estremadura tinha sido assunto num debate nacional, mas Sánchez respondeu à proposta pedindo que Feijóo falasse antes com Guillermo Fernández Vara, presidente do Governo regional e candidato do PSOE que ganhou as eleições naquela comunidade, mas que vai ser afastado do poder graças a um pacto pós-eleitoral do PP com o VOX, que terá um lugar no governo regional.

Foi a política de pactos que provocou o maior ponto de discórdia entre os dois candidatos. Sánchez acusou o PP de governar com o Vox em sítios onde se apagaram as bandeiras LGBTI+ dos edifícios municipais. Feijóo, com resposta pronta, contrapôs com o facto de o PSOE governar com partidos que "nem a bandeira de Espanha metem nas instituições que governam" [numa referência a várias formações independentistas].

Feijóo - que pediu "uma maioria para fazer frente aos extremos" - recordou os 26 anos que se passaram do sequestro do vereador do Partido Popular em Ermua, País Basco, Miguel Ángel Blanco, morto às mãos da organização terrorista basca ETA. O galego defendeu que “nunca vai governar nem pactuar com o braço político [Bildu] de quem matou Ángel Blanco", aproveitando também para propor uma revisão das leis eleitorais para proibir a participação eleitoral de condenados por crimes de sangue, algo que, diz Feijóo, “resolvia o problema do Bildu”.​

A resposta veio em forma de crítica à utilização política das vítimas da ETA para a campanha política, depois de meses em que o slogan "que te vote Txapote" tem sido utilizado pela direita na campanha, relembrando Sánchez que a irmã de um dos assinados por este terrorista se mostrou publicamente contra a utilização do nome do assassino do seu irmão como arma política. Feijóo evitou demarcar-se da utilização deste slogan.

O líder dos Populares acusou o Governo de Pedro Sánchez de custar “oito milhões de euros” por dia aos espanhóis, com uma dívida que "aumenta ao dobro do ritmo da europeia". Sánchez, aproveitando para realçar os bons números económicos que o seu Governo conseguiu alcançar, respondeu que se “endividou para proteger as famílias e as empresas, comprar vacinas e máscaras” e defendeu as políticas sociais do Governo - que, no entender de Feijóo, “financiam a ida de Amancio Ortega [dono do grupo de moda Inditex] ao cinema às terças-feiras” ou oferece o “passe de comboios urbanos a Juan Roig [director-executivo da Mercadona]”.

Em síntese: falou-se muito de pactos, da ETA, da ameaça dos extremos e do uso dos aviões Falcon, mas pouco de saúde, educação, pensões ou de respostas para a crise da habitação.

Sánchez queria seis frente-a-frente, Feijóo aceitou um. Este foi o primeiro e único debate desta campanha eleitoral a que o líder do Partido Popular aceitou ir. Fora os encontros a dois, Sánchez queria apenas um debate a quatro (com o Vox e a plataforma Sumar), Feijóo queria com sete, incluindo os independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha e do Bildu. Assim, quanto a mais debates nestas eleições, resta o de 19 de Julho, no grupo de rádio e televisão pública RTVE. Confirmados estão os nomes de Pedro Sánchez, o líder do Vox, Santiago Abascal, e a líder da plataforma Sumar, Yolanda Díaz. Faltam 12 dias para as eleições.

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