As Jornadas Mundiais da Juventude: religião ou política?

Façamos uma viagem histórica sobre a realização das Jornadas, realçando tempo (cronológico) e espaço (geográfico).

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O Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude no Panamá, em Janeiro de 2019 HENRY ROMERO/Reuters
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Em 1985, a Organização das Nações Unidas criou o Ano Mundial da Juventude. É neste contexto que o Papa João Paulo II (canonizado/santo em 2014) criou a primeira Giornata Mondiale della Gioventù. O objetivo era divulgar a doutrina católica (verdades de fé), propagar os ensinamentos da Igreja Católica entre os jovens e estabelecer e reforçar pontes de amizade entre povos e culturas.

Na verdade, devido ao contínuo processo de secularização (perda da importância da religião na vida quotidiana), a estratégia é atrair os jovens (garante do futuro) para a Igreja, revitalizando a religiosidade deste importante segmento da sociedade.

Do ponto de vista dos jovens, é um momento privilegiado de encontro com o Papa, convívio, vivências e experiências religiosas e espirituais. Durante o evento acontecem: catequeses, confissões, adorações, vigílias, missas, momentos de oração e conferências sobre temas relacionados com a juventude. Segundo o site oficial da JMJ-2023, “é um encontro dos jovens de todo o mundo com o Papa. É, simultaneamente, uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil”.

Façamos agora uma viagem histórica sobre a realização das Jornadas, realçando tempo (cronológico) e espaço (geográfico):

1. A primeira edição foi realizada, em março de 1986, justamente em Roma, sede da Igreja Católica.

2. Buenos Aires, Argentina, em abril de 1987, em pleno governo de Raúl Alfonsín, que tinha restaurado a democracia no país, após a sangrenta ditadura militar (1976-1983).

3. Santiago de Compostela, Espanha, em agosto de 1989, um dos mais destacados locais de peregrinação do mundo católico.

4. Częstochowa (Virgem Negra), em agosto de 1991, um importante santuário mariano e destino de peregrinação. Este evento teve um forte valor simbólico e político. João Paulo II, que teve um papel político crucial na queda do regime comunista em 1989 (com a queda do Muro de Berlim), escolheu o seu país natal (Polónia) para a realização da Jornada. A intenção era reestabelecer a ponte entre o mundo católico (ocidental) e os (novos) países ex-comunistas, marcadamente de orientação ideológica e política anti-religião.

5. Denver, Colorado, em agosto de 1993. A escolha para sediar a Jornada foi apoiada por Bill Clinton, recém-empossado Presidente dos Estados Unidos, um país ainda maioritariamente protestante, mas com expressivo aumento dos católicos. Clinton esteve pessoalmente com o Papa no evento.

6. Manila, em janeiro de 1995, no governo do militar Fidel Ramos. Filipinas é o único país asiático predominantemente católico (80% da população), mas que estava a sofrer um avanço do Islamismo, vindo da Indonésia e da Malásia.

7. Paris, em agosto de 1997. Realizada no governo do católico Jacques Chirac, na ainda predominante França católica, mas com expressivo avanço do Islamismo, através da imigração.

8. Roma, em agosto de 2000. A escolha do retorno prende-se com o evento mundial Jubileu 2000 (celebração do nascimento de Jesus).

9. Toronto, em julho de 20o2, no católico Canadá. Como recompensa pela realização do evento, o Papa apoiou a criação, em 2003, do Salt+Light Catholic Media Foundation, um importante meio de divulgação da doutrina da Igreja Católica, mas também com grande capacidade de influência e poder político.

10. A católica Colónia, em agosto de 2005. Após a morte do Papa João Paulo II, o alemão Joseph Ratzinger, recém-eleito como Bento XVI, quis fazer a sua primeira Weltjugendtag no seu próprio país.

11. Sydney, em julho de 2008, na Austrália de maioria católica. Foi o primeiro (e único evento) realizado na Oceânia.

12. Madrid, em agosto de 2011, segunda vez realizada na católica Espanha, berço da Opus Dei (1928), o influente ramo económico e político da Igreja Católica.

13. Rio de Janeiro, em julho de 2013, no país com o maior número de católicos do mundo, mas com um fortíssimo crescimento do segmento evangélico. Com a renúncia de Bento XVI, o evento foi conduzido pelo Papa Francisco.

14. Cracóvia, em julho de 2016, cidade de João Paulo II, razão do retorno do evento na católica Polónia.

15. Cidade do Panamá, em janeiro de 2019, no ainda católico Panamá, mas, à semelhança do Brasil, com expressivo crescimento do segmento evangélico. Este evento foi muito importante para Portugal: diante do Cardeal-Patriarca de Lisboa (D. Manuel Clemente), do então Presidente da Câmara de Lisboa (Fernando Medina) e do Presidente Marcelo, o Papa Francisco anunciou Lisboa como sede da próxima Jornada Mundial da Juventude, em agosto de 2023.

Na verdade, a "surpresa" foi uma encenação televisiva, pois a realização do evento em Portugal (de Fátima) tinha sido previamente negociada pelo catolicíssimo Presidente, provavelmente na sua visita ao Papa, em março de 2016, logo a seguir à posse do primeiro mandato. Além disso, foi no Panamá, no âmbito desse evento religioso-espiritual, que Marcelo, unindo religião e política, anunciou a sua recandidatura para Presidente, o que veio a concretizar-se em 2021. Em Portugal, desde a sua fundação, religião/Igreja Católica e política andam sempre de mãos dadas.

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