O que é preciso saber sobre os protestos em França
A morte de um adolescente às mãos da polícia nos arredores de Paris reacendeu a tensão social e as acusações de racismo institucional nas forças de segurança.
O que está a acontecer em França?
Pela quarta noite consecutiva, várias cidades francesas foram palco de protestos violentos, acompanhadas de vandalismo de edifícios públicos, viaturas e lojas. Na noite de sexta-feira, os episódios de violência diminuíram de intensidade, de acordo com as autoridades, que mobilizaram um contingente de 45 mil efectivos. Foram detidas mais de 1300 pessoas, o que representa um aumento face ao número de prisões na noite anterior (875). Mais de 200 agentes policiais ficaram feridos na sequência de confrontos nas últimas noites, segundo o Ministério do Interior.
O que tem motivado os protestos?
A onda de protestos surgiu como resposta à morte de Nahel, um jovem de 17 anos que foi morto pela polícia durante uma operação rodoviária em Nanterre, nos arredores de Paris. Segundo o Ministério Público, o adolescente estava a conduzir na faixa reservada aos autocarros e foi mandado parar pela polícia, mas continuou a marcha. Um dos agentes atirou sobre Nahel, matando-o. A bala atingiu-o no braço esquerdo e no peito.
A versão da polícia é de que o agente que baleou o adolescente queria fazer mira na perna, apenas para o imobilizar, mas foi abalroado quando o carro acelerou e errou o tiro. O momento do disparo foi filmado, pondo em causa as alegações do advogado de defesa do polícia que está a ser investigado por homicídio voluntário.
A notícia da morte do jovem, de nacionalidade francesa, mas de origem marroquina e argelina, foi vista como mais um exemplo do racismo estrutural presente nas forças de segurança. O caso reavivou a memória de um incidente de 2005, quando dois jovens morreram durante uma perseguição policial nos arredores de Paris, desencadeando protestos violentos que duraram semanas. Na altura, o então Presidente Jacques Chirac decretou o estado de emergência para conter a onda de violência.
Quais têm sido as reacções?
O recrudescimento da situação obrigou o Presidente francês, Emmanuel Macron, a regressar mais cedo de Bruxelas, na sexta-feira, onde participava numa reunião do Conselho Europeu.
Macron lamentou a morte do jovem, que considerou “indesculpável”, mas não chegou ao ponto de admitir a existência de um problema de racismo estrutural nas forças de segurança francesas. Dirigindo-se directamente aos franceses, Macron pediu aos pais de jovens e adolescentes para não deixarem os filhos saírem de casa para participar em acções violentas como as dos últimos dias.
“Não cabe ao Estado agir por vós”, declarou o Presidente, pedindo ainda às plataformas que gerem redes sociais a retirada de “materiais sensíveis” que possam inflamar ainda mais os ânimos.
O Governo não exclui decretar o estado de emergência, que daria ao Ministério do Interior poderes excepcionais como a imposição de toques de recolher. A última ocasião em que este regime foi adoptado foi em Novembro de 2015, na sequência dos atentados terroristas em Paris que causaram mais de cem mortos.
Alguns dos jogadores de futebol mais conhecidos de França também vieram a público com mensagens para tentar apaziguar a tensão social. Um deles foi a estrela do Paris Saint-Germain e da selecção francesa, Kylian Mbappé, que pediu o fim da violência para que se dê lugar “ao luto, diálogo e reconstrução”.
A agência de direitos humanos da ONU sublinhou a necessidade de se proteger o direito à manifestação em França, pedindo um recurso à força proporcional por parte das autoridades policiais. “Este é o momento para que o país debate de forma séria as questões profundas do racismo e da discriminação racial nas forças de segurança”, afirmou a porta-voz Ravina Shamdasani.
Este são os maiores protestos em França nos últimos anos?
Ainda não. Os últimos anos têm sido pródigos em ondas de protestos maciços em França. No final de 2018, o chamado movimento dos coletes amarelos (gilets jaunes) organizou enormes manifestações semanais que se prolongaram durante meses e que frequentemente degeneraram em violência.
Em causa estava um conjunto de causas muito amplas, que iam desde a oposição ao aumento dos preços dos combustíveis até a exigências de subida dos salários e de mudanças constitucionais.
No início do ano, as principais centrais sindicais uniram-se para organizar protestos maciços contra a proposta de subida da idade da reforma para os 64 anos, chegando a reunir quase três milhões de pessoas mobilizadas em todo o país no pico da tensão.
O Governo não abdicou da medida e accionou um mecanismo constitucional muito controverso para aprovar a proposta legislativa sem passar pela Assembleia Nacional.