De saída, Elisabete Matos reclama ter levado o São Carlos a um “auge de qualidade”

A directora artística cessante, que este sábado será rendida por Ivan van Kalmthout, despede-se com um balanço positivo e o anúncio de que as obras no teatro começarão mais tarde do que o previsto.

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Elisabete Matos despede-se do São Carlos após um mandato que se estendeu por quatro anos nuno ferreira santos

O Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), em Lisboa, inicia em Setembro uma nova temporada lírica e sinfónica, "num momento de auge de qualidade", disse à agência Lusa a directora artística da instituição, Elisabete Matos.

A temporada 2023/2024 do TNSC, divulgada esta quinta-feira, é a última com a assinatura de Elisabete Matos e será executada pelo seu sucessor, o neerlandês Ivan van Kalmthout, que entra em funções já este sábado.

O São Carlos reabre a 17 de Setembro, no Centro Cultural de Belém, com a Orquestra Sinfónica Portuguesa a interpretar a Sinfonia n.º 8 em Dó menor, de Bruckner, sob a direcção musical do maestro titular Antonio Pirolli. Em Outubro, inicia-se a temporada lírica,com seis récitas da Madama Butterfly, de Puccini, numa encenação de Jacopo Spirei.

Das óperas programadas para a próxima temporada, Elisabete Matos destacou a elevada presença de artistas portugueses, nomeadamente com a apresentação de Falstaff, de Verdi, em Maio, ou as operetas em versão de concerto O Morcego, de Johann Strauss, e A Viúva Alegre, de Franz Lehár, a primeira em Lisboa e a segunda em Almada.

"Antes do meu mandato nunca houve tanto português a trabalhar no TNSC: não só a cantar, mas a dirigir, a encenar. Tem sido uma preocupação juntar a qualidade com uma política de inclusão e poder catapultar os nossos", sublinha Elisabete Matos, que assumiu funções em 2019.

Outro exemplo dessa aposta nos artistas nacionais é a já anunciada opereta satírica do século XIX Maria da Fonte, de Augusto Machado, que se estreará em Novembro no Centro Cultural de Belém, com direcção musical de João Paulo Santos e encenação de Ricardo Neves-Neves.

A temporada lírica fechará em Junho também em toada portuguesa, com a celebração do centenário do nascimento do compositor Joly Braga Santos. Foi escolhida para a ocasião, em versão semi-encenada, a ópera Trilogia das Barcas, com o coro do teatro nacional e a orquestra sinfónica, sob encenação de Luca Aprea e direcção musical de José Eduardo Gomes. Será a última apresentação no edifício do São Carlos antes do seu fecho para obras, financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência.

O TNSC também se associa aos 50 anos do 25 de Abril de 1974, com o violoncelista Bruno Borralhinho a dirigir, em Março, a orquestra sinfónica num programa com obras de Fernando Lopes-Graça.

Obras vão ser adiadas

O encerramento do edifício para uma operação de reabilitação que estava previsto iniciar-se em Janeiro do próximo ano foi entretanto adiado para o segundo semestre de 2024 "por questões internas, que se prendem com concursos e o PRR", revelou a directora artística cessante. "Teremos programação [no São Carlos] até 16 de Junho [de 2024]", acrescentou.

O PRR destinou 27,93 milhões de euros à requalificação do edifício. Inicialmente, o plano era que as obras decorressem entre Janeiro de 2024 e Setembro de 2025.

"É o nosso único teatro lírico, é património português que vai sofrer, no bom sentido, alterações. Finalmente, a Orquestra Sinfónica Portuguesa vai ter uma sala para ensaiar, é a nossa preocupação maior. Vamos ter um teatro no qual poderemos ter produções oriundas de todas as partes da Europa e do mundo", sublinhou, lembrando o "handicap" do palco actual, com uma "inclinação de 6%" e "onde tudo funciona a pau e corda".

Mais dinheiro precisa-se

Elisabete Matos foi a primeira mulher a liderar a direcção artística de um teatro de ópera com mais de dois séculos de história (o seu 230.º aniversário cumpre-se esta sexta-feira) e faz um balanço "absolutamente positivo" do seu mandato, ainda que atravessado por uma pandemia.

"É minha função, enquanto directora artística, programar para todos os públicos, programar a contemporaneidade; fizemos óperas para crianças, para famílias, com encomendas de ópera, um concurso de incentivo à criação e composição", enumerou.

Para a soprano, o teatro nacional está "em condições de elevar a bitola do rendimento artístico". Para tal, disse, terá contribuído a entrada de Giampaolo Vessella, maestro titular do coro do São Carlos, e Antonio Pirolli, maestro titular da orquestra sinfónica.

"Os corpos artísticos estão satisfeitos, estamos a fazer um upgrade no resultado final artístico da orquestra. Este é um dos pontos fundamentais da minha passagem pelo São Carlos", resumiu.

A directora artística apontou também o aumento de públicos, mesmo que tenha havido uma subida do preço dos bilhetes. A temporada de 2021/2022 acolheu cerca de 25.496 espectadores e a de 2022/2023 contabilizou 28.500.

Para 2023/24, Elisabete Matos contou com 1,4 milhões de euros de orçamento, mas deseja que o seu sucessor tenha mais tempo e mais dinheiro para programar. "A qualidade encontrar-se-á cada vez mais quanto mais orçamento nós tivermos. É uma questão de orçamento e de podermos programar com mais antecedência", argumenta.

Quanto ao futuro, a soprano diz que ainda está "em negociações", mas a sua vida profissional não vai passar pelo parlamento, embora tenha sido eleita deputada pelo PS nas legislativas de Janeiro de 2022.