Uma pizza com dois mil anos num fresco recém-descoberto em Pompeia? Talvez
Escavações põem a descoberto natureza-morta com a representação daquilo que pode ser uma forma antiga de pizza ou de focaccia. Casa onde foi localizada fica perto de uma padaria.
Não será, certamente, uma pizza tal como hoje a conhecemos – e saboreamos – porque lhe falta o molho de tomate e a mozzarella indispensáveis, diz quem já a viu de perto, mas não está de todo afastada a possibilidade de ser uma forma antiga deste prato que é hoje uma das imagens de marca da gastronomia italiana.
E, como se não bastasse o facto de ser sempre grande a tentação de encontrar ligações entre o passado e o presente, há que juntar às condicionantes desta hipótese o facto de o fresco em que está representada ter sido encontrado nos arredores de Nápoles (quando se fala de Nápoles é difícil não pensar em Diego Maradona e em... pizza).
Diz o Ministério dos Bens Culturais italiano, num comunicado divulgado esta terça-feira, que uma das equipas de arqueólogos que trabalham em Pompeia pôs a descoberto um fresco com cerca de dois mil anos em que aparece representado aquilo que descrevem como um “antepassado” da pizza ou da focaccia.
Uma “primeira análise iconográfica” permitiu aos técnicos do Parque Arqueológico de Pompeia – parque que abarca as ruínas já reveladas do que seria a antiga cidade romana soterrada no ano de 79 pela erupção do Vesúvio e redescoberta no século XVIII – identificar nesta natureza-morta “um pão achatado que serve de suporte a vários frutos”, provavelmente bagos de romã e uma tâmara, “temperados com especiarias ou talvez antes com uma espécie de pesto”.
Esta “proto-pizza”, chamemos-lhe assim à falta de palavra mais adequada, partilha o tabuleiro em que figura com uma taça de vinho, uma grinalda de medronhos amarelos e frutos secos.
De acordo com o mesmo comunicado da Cultura italiana, tabuleiros como este decorrem de uma tradição grega importada pelos romanos e funcionavam como os modernos cestos de boas-vindas que se deixam nos quartos de hotel – no contexto doméstico eram um presente para hóspedes, no quadro do sagrado, uma oferenda para uma qualquer divindade.
"Pompeia não pára de surpreender, é uma arca que revela sempre novos tesouros”, disse o ministro da Cultura, Gennaro Sangiuliano.
Neste comunicado oficial sublinha-se ainda a “notável qualidade de execução” do fresco recém-descoberto no átrio de uma casa que tem merecido a atenção dos arqueólogos, junto à qual existe uma padaria há muito documentada, parcialmente escavada entre 1888 e 1891.
Em Janeiro, os arqueólogos retomaram os trabalhos neste conjunto. “As estruturas escavadas no século XIX e parcialmente expostas sugeriam já a presença de um grande átrio com a clássica sucessão de salas no lado oriental e, no lado oposto, a entrada para o sector de produção da padaria”, detalha o comunicado, acrescentando que, depois de limpo o átrio em causa, foram encontrados os esqueletos de três vítimas nas salas de trabalho perto do forno.
O comunicado aqui citado resume a primeira síntese histórico-arqueológica do fresco no E-Journal of the Pompeii Excavations, que pode ser consultado gratuitamente em www.pompeiisites.org e que é uma janela para todo o trabalho científico que vem sendo desenvolvido no parque dirigido por Gabriel Zuchtriegel, que assina este estudo inicial com Alessandro Russo.
É Zuchtriegel quem, num pequeno vídeo, chama a atenção para o facto de neste fresco haver, como na poesia da época, o contraste entre a pobreza, simbolizada pela pizza/focaccia, “um alimento simples, frugal”, e a riqueza, nele representada pela taça de vinho e o tabuleiro que se adivinham de prata.
Os trabalhos de conservação e de estudo deste novo fresco da cidade milenar nos arredores de Nápoles vão agora continuar.